Há quem queira fazer do primeiro amor, mencionado na carta ao anjo de Éfeso (Ap 2:4), uma experiência coletiva. Porém, é duvidoso que a igreja em Éfeso tenha decaído coletivamente do amor que tinha por Deus. Estamos certos de que os vencedores que ali estavam não haviam experimentado tal decadência. E de que Cristo censurou o abandono do amor como algo intrinsecamente mau. Considerou-o uma queda, pois disse: “Lembra-te de onde caíste” (Ap 2:5). Pode uma coletividade formada por partes heterogêneas ter a mesma experiência, e todas as suas partes adquirirem uma só qualidade intrínseca? A doença que aflige o organismo não se instala em determinado órgão e, só após longo tempo, afeta outros?
Vemos as Escrituras declararem, seguidamente, que Deus fará a cada um segundo as suas obras. Não precisamos ir além das cartas às sete igrejas para encontrar esse princípio reafirmado, já que ao anjo de Tiatira Jesus declarou: “darei a cada um segundo as suas obras” (Ap 2:23). Ora, o fato de o julgamento de Deus ser individualizado implica que coletividades não podem ser avaliadas de uma só maneira. E se não podem, o abandono do primeiro amor não há de ter sido uma experiência da igreja em Éfeso, mas do seu anjo.
Todo peito humano tem muitos amores. Cristo demanda um único e o chama primeiro. Esse amor não é primeiro apenas do ponto de vista cronológico, mas principalmente pela qualidade intrínseca, que se revela nas primeiras obras. Por isso, após dizer “tenho contra ti que abandonaste o teu primeiro amor”, acrescenta “volta à prática das primeiras obras” (Ap 2:5). Porém, as obras são ainda mais heterogêneas do que a condição geral. De sorte que, por ângulo nenhum, é possível considerar que a igreja em Éfeso houvesse decaído do primeiro amor, quando a epístola lhe foi dirigida.
Uma descrição mais adequada desse amor é, sem dúvida, a que o relaciona à fé e à esperança. Paulo afirmou: “Agora, permanecem a fé, a esperança e o amor” (1 Co 13:13). Essas três virtudes são chamadas teologais, por serem expressões privilegiadas da graça e terem função teológica particularmente intensa. Todas excluem o mérito humano: “Pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2:8).
Mas, se a fé é dom de Deus, a esperança também o é. “Abraão, esperando contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas nações” (Rm 4:18). Se crer é um dom, o esperar que o antecede e prepara pode ter outra natureza? Pode proceder, simplesmente, do homem? Não é o que a experiência nos mostra. Ao primeiro contato com a palavra de Deus, o homem a caminho da conversão não crê, mas já espera. Espera que a palavra que ouve seja verdadeira. Espera que as promessas contidas nela se cumpram. Isso ocorreu com Abraão. Ocorre também conosco.
Nasci num século em que a ciência e a técnica eram incomparavelmente desenvolvidas. Se Abraão tinha por contexto o que seus olhos podiam alcançar, a ponto de Deus lhe ter dito “Ergue os olhos e olha desde onde estás para o norte, para o sul, para o oriente e para o ocidente” (Gn 13:14), à minha geração a ciência descortinou um cenário radicalmente diverso. Revelou um Universo infinito e os homens pregados, sem o saberem, à face de um planeta perdido na imensidão negra e vazia. Até hoje, não parece fácil ao homem crer em Deus, nesse novo contexto. Porém, desde que me tornei capaz de julgar, pareceu-me extraordinariamente grandioso que Deus houvesse criado e pudesse governar galáxias infinitas e, talvez ainda mais, que a complexidade infinita do cosmo se reduzisse a uma origem divina tão simples.
Cri nisso, de maneira obviamente simplificada, quando tinha 11 ou 12 anos. Contudo, essa fé inicial estava misturada a uma profunda insegurança. Faltava-me a intensidade do abandono nas mãos do Criador e governante dos espaços infindos. Minha fé era ainda mais esperança que fé. Eu esperava, e já o fazia com ardor, que a ideia da criação e do governo do mundo por Deus pudesse ser verdadeira. Talvez o fizesse à semelhança de Abraão que, "esperando contra a esperança, creu [...] segundo lhe fora dito: Assim será a tua descendência” (Rm 4:18), mas não excedia esse ponto.
No versículo acima, “fora dito” está no particípio perfeito, o que significa que a ação ocorreu antes de Abraão esperar e crer. Indica que o patriarca esperou e creu no que Deus lhe falara antes, a saber: na promessa “Assim será a tua descendência” (Gn 15:5). É significativo que a frase central da teologia paulina (“Abraão creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça”) venha imediatamente após tal promessa. E que, em Romanos, Paulo acrescente que a esperança atuou com a fé, que Deus imputou a Abraão para justiça.
Não creio deslizar, ao supor que a passagem da esperança à fé não elimina a primeira. Pelo contrário, a esperança se dilata, amplia-se junto com a fé. Paulo nos diz: “Justificados, pois, mediante a fé [...] gloriemo-nos na esperança da glória de Deus” (Rm 5:1-2). A esperança não é tragada na fé: continua a existir ao lado dela. “E não somente isto”, prossegue Paulo, “mas também nos gloriemos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança” (Rm 5:3-4). Novas esperanças são produzidas após a experiência de crer e ser justificado.
Em Romanos 5:1-5, vemos as virtudes teologais de 1ª aos Coríntios 13:13 operarem na experiência prática: a fé leva à justificação, e a esperança se amplia com a fé. Sobre o amor, Paulo discorre em seguida: “Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5:5). Se a fé e a esperança são dons, o amor derramado em nós pelo Espírito Santo não é outra coisa. Também ele é dádiva, é experiência privilegiada da graça.
Como Abraão esperou contra a esperança, isto é, contra toda probabilidade, e depois creu na promessa, também nós esperamos,depois cremos em Deus. Esperança e fé são estágios da experiência inicial da palavra de Deus. O amor primeiro nutre-se no ventre dessas experiências e ali se plasma. Mas, a partir de quando a fé entra em cena, a esperança e o amor se avultam. Passamos a experimentá-los ao mesmo tempo, não mais em estágios.
O amor é um atributo divino, que o Espírito nos comunica. Não é algo que Deus tenha, mas que ele é. Deus não tem amor, como nós temos: ele é amor. Por isso, quando ora para que a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com os coríntios (2 Co 13:13), Paulo quer dizer que a graça é o que Cristo é, o amor é o que Deus é, e a comunhão é a comunicação daquilo que o Pai e o Filho são.
O primeiro amor não pode ser entendido ou tomado à parte da fé e da esperança, pois decorre da certeza de que a palavra de Deus governará a nossa existência. Essa certeza é a fé. Semelhantemente, o amor resulta da expectativa de que Deus cumprirá o que prometeu, de um modo que não compreendemos. E isso é esperança.
Tal amor ligado à fé e à esperança pode parecer complicado, mas não o é. Complicados são os outros amores. Esse é tão simples quanto algo pode ser. É o amor que resulta da entrega, do autoabandono, do homem nas mãos de Deus. Assim como, na conversão, a fé se segue à esperança, o primeiro amor segue-se à fé. É impossível amar sem crer, pois o amor emana da fé.
“É necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (Hb 11:6). Amar nada mais é do que conhecer, e conhecer é resultado de aproximar-se. Por isso, Hebreus está a indicar que aproximar-se de Deus é amá-lo. Ninguém se aproxima de Deus sem antes crer nele e sem depois o amar. Do mesmo modo, quando Jesus orou “que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17:3), rogou que amássemos o Pai e o Filho. Deus é irresistível. Por isso, conhecê-lo não é outra coisa que amá-lo.
O primeiro amor consiste em conhecer a Deus, no interior da experiência de esperança e de fé. Pressupõe não só esperança, mas a certeza de que, até onde os olhos da nossa inteligência podem alcançar, tudo se sujeita ao governo de Deus, como o Credo nos lembra: “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador dos céus e da Terra”. Se o Criador dos céus e da Terra me é favorável, nenhum mal me pode alcançar sem a sua permissão e mais: sem que ele o converta em bem. E, se ele transforma em bem todo mal que me atinge, devo esperar tudo que decorre desse fato, assim como a ressurreição, a glorificação e a vida eterna. No estado de descanso e abandono, de alegria e confiança irrestritas em que me coloco, ao crer e esperar essas coisas, o primeiro amor é, simplesmente, um passo a mais: é reconhecer que Deus é o único responsável por tudo isso. E ponto final.
A vida do velho homem é o oposto exato da que começa com esse amor. O velho homem nasce do gozo e, enquanto vive, o almeja. Porém, o gozo deve morrer, acabar, extinguir-se, para que o homem possa salvar-se. Por isso, Jesus afirmou que quem quiser ser seu discípulo, deve tomar a sua cruz e segui-lo (Mt 16:24). Fazê-lo não é mais do que consentir, dizer sim a uma força já operante na natureza humana. É abraçar o ser-para-a-morte característico da condição humana autêntica. É negar o prazer como princípio fundamental da existência. Gostemos ou não, essa já é uma tendência da natureza do velho homem. Viver com sabedoria consiste em aderir voluntariamente às restrições que implica.
A vida com Cristo, como é diferente da do velho homem! Consiste em não negar o princípio de que se origina (o primeiro amor) e em retornar a ele continuamente. “Tenho contra ti que abandonaste o teu primeiro amor”. A perfeição está no princípio. É o desenvolvimento desse princípio, sem negações ou contradições, a perfeita atribuição a Deus da esperança e da fé que conduzem à salvação.
Esse amor foi abandonado pelo anjo da igreja em Éfeso. A palavra grega aphékas, utilizada no texto, significa tanto o ato de abandonar como o de repudiar. Era empregada para descrever o divórcio. No contexto de Apocalipse 2, não indica a perda involuntária do amor, mas o repúdio voluntário dele.
Abandono do primeiro amor é o divórcio, a ruptura da relação com Deus. Na Antiguidade, o marido era quem repudiava. Porém, não raro, a mulher repudiava silenciosamente o marido que a maltratava. Decidia não mais o amar, nem lhe dedicar atenção sincera. Apocalipse refere-se a essa reação. De maneira sutil, o anjo mantém a sua perseverança (Ap 2:3), continua a não suportar homens maus (Ap 2:2), odeia as obras dos nicolaítas (Ap 2:6), mas rompe a sua relação com Cristo. Os atos de piedade que ele mantém são meramente exteriores, formais, até mesmo fingidos. São como os da mulher que não ama e não respeita mais o marido, somente o atura.
Algo semelhante ocorrera ao anjo de Laodiceia, porém o desvio estava em estágio mais adiantado. Ao contrário do que se observa em todas as outras cartas, nem uma só palavra positiva é pronunciada do anjo daquela igreja. À expressão “Conheço as tuas obras” segue-se: “que nem és frio nem quente” (Ap 3:15). As obras do anjo são totalmente abrangidas na sua mornidão. Resumem-se a ela. Ele não tinha a perseverança, a resistência a homens maus ou o ódio à heresia nicolaíta que caracterizavam o anjo de Éfeso. Por isso, a figura de linguagem usada para descrever a situação comum em Laodiceia não é a do divórcio interior e silencioso da mulher que permanece fisicamente ao lado do marido, embora o aborreça. É, antes, a do repúdio efetivo do cônjuge pelo outro cônjuge. Muitos, em Laodiceia, tinham expulsado Cristo do seu meio. Tinham-no repudiado interior e exteriormente. Por isso, ele estava à porta e batia suplicantemente. Necessário era que a porta lhe fosse aberta por cada indivíduo: “Se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele e ele comigo” (Ap 3:20).
No Novo Testamento, o amor não se separa da fé e da esperança. Se o abandono do primeiro amor é o divórcio para com Cristo, a permanência nele decorre do reconhecimento de que a salvação é obra apenas de Deus. Não podemos amar a Deus, se pensarmos que cremos, esperamos e somos salvos com nossas próprias forças. Que vantagem nos oferece um Deus que não salva? Tem ele virtudes, se olha para o padecimento e não livra? E como é possível amar alguém destituído de toda virtude? Não amamos, sempre e somente, a virtude das pessoas? Desde as virtudes físicas até as morais? Por certo, um Deus sem virtude não é amante, nem é amável.
Indispensável é reconhecer que a salvação pela fé é obra de Deus e somente dele. Só esse reconhecimento faz ver “as virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2:9). E somente a visão de virtudes tais faz nascer o amor. Nada disso se experimenta coletivamente.
Enganam-se os que fazem do primeiro amor experiência coletiva. O amor verdadeiro é fruto de experiências individuais de fé e esperança. Só o indivíduo crê, espera e ama, de um modo que Deus aprova. Ou alguém acredita que Abraão foi justificado por crer e esperar coletivamente? Não o foi, se não há aprovação ou reprovação coletivas. Se coletividades são heterogêneas. Se, nelas, uns possuem certa qualidade, outros, qualidade diversa, uns são aprovados, outros, reprovados. Enfim, se Deus encerrou a todos e a cada um no pecado, a fim de usar de misericórdia para com todos e cada um (Rm 11:32).
quinta-feira, 30 de maio de 2013
domingo, 26 de maio de 2013
Livre Exame de Romanos (capítulos 1 a 3)
Muito se discute em que gênero literário os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, ditos sinóticos, se enquadram. Seriam obras biográficas, teológicas ou uma mescla de história e teologia? Se reconhecermos conteúdo predominantemente teológico aos textos, deveremos considerá-los registros de uma pregação profética semelhante à de Jeremias ou Daniel ou um gênero totalmente novo, que se originou e esgotou com a vinda de Cristo?
Os Evangelhos sinóticos são testemunhos diretos ou reconstituições de testemunhos de certas pessoas, sobre o ensinamento e os atos públicos de Jesus. Como testemunhos, não são biografias ou relatos de uma vida inteira. E, pela mesma razão, pressupõem três apóstolos (testemunhas diretas) dos fatos narrados. Como Papias, Ireneu e Eusébio afirmaram, Mateus deve ter iniciado a transmissão dos discursos de Jesus no Evangelho que tem o seu nome, Marcos contém o testemunho de Pedro sobre os atos de Jesus, e Lucas é o testemunho de Paulo, tanto a respeito dos atos como dos discursos.
Embora não tenha seguido Jesus durante o ministério deste, como judeu, Paulo deve ter comparecido a festas oficiais em que ele também esteve e nas quais ensinou no Templo. Por esse motivo, o conhecimento do apóstolo a respeito dos fatos narrados por Lucas não se limitou às aparições de Jesus a ele, mas incluiu a observação do ocorrido naquelas festas, principalmente na Última Páscoa. É possível que, como fariseu proeminente, Paulo tenha até participado das sessões de julgamento de Jesus pelo Sinédrio narradas por Lucas, embora não como membro daquele tribunal.
Paulo denominou “meu evangelho” o seu testemunho a respeito do ministério de Jesus. Pouco se pode duvidar de que a parte principal desse “evangelho” esteja abrangida em Lucas. Porém, além desse texto, o apóstolo deixou-nos Atos (também escrito por Lucas) e as suas epístolas. O primeiro tem lugar de destaque entre os textos paulinos em sentido amplo, por nos mostrar o evangelho pregado e crido, após a ascensão de Jesus.
Porém, um terceiro escrito deve ser colocado ao lado desses, como fecho da exposição do evangelho por Paulo: a Epístola aos Romanos. Se Lucas é o evangelho narrado, Atos, o evangelho pregado e crido, Romanos é o evangelho interpretado e explicado. Mais do que isso, é a melhor, mais completa, concatenada e longa explicação do evangelho de Jesus Cristo, em toda a Bíblia, ao lado da Epístola aos Hebreus.
Claro que as outras cartas ditas de Paulo e dos demais apóstolos também explicam o evangelho, porém explanações completas só as encontramos em Romanos e Hebreus. A primeira é da autoria de Paulo; a outra provavelmente não, porém foi escrita sob influência ou mesmo a partir de uma mensagem dele.
Quanto ao Evangelho de João, pode-se questionar se deve ser considerado narração ou explicação das boas-novas de Cristo. Para mim, é um misto das duas coisas, com predominância da primeira. Claro que os sinóticos também contêm interpretações, porém não é esse o seu foco. Por exemplo, eles citam como Jesus morreu e apareceu aos discípulos depois de três dias, mas pouco ou nada aduzem sobre os efeitos salvíficos desses acontecimentos. Alias, os sinóticos não interpretam o que narram sequer na medida em que João o faz, por meio dos seus discursos e do célebre prólogo a respeito do Verbo.
O autor do quarto Evangelho enxertou (e talvez expandiu) discursos não incluídos nos três sinóticos numa estrutura narrativa baseada nas festas e, principalmente, nas Páscoas ministeriais, com o duplo objetivo de narrar e interpretar. Porém, ainda assim, seu propósito principal foi narrar. Daí a escolha da forma literária de evangelho. É interessante observar que conquistas recentes, tanto no campo histórico como da análise textual, deram maior suporte ao caráter não ficcional de João. Mas o tratamento desse tema excede os limites destas simples notas a Romanos.
Desse modo, as principais explicações do evangelho, no Novo Testamento e em toda a Bíblia, permanecem Romanos e Hebreus. Isso basta para nos advertir da importância do apóstolo Paulo para a fé cristã. Para se entender o evangelho de Jesus Cristo, do modo como a parábola do semeador recomenda que ele seja entendido e crido, é indispensável voltar a esses livros, isto é, a Paulo.
Verdade é que a forma epistolar e a extensão de Romanos e Hebreus depõem contra a ideia às vezes propalada de que esses textos constituem tratados ou exposições teológicas sistemáticas. Porém, na Antiguidade, as exigências para enquadrar obras literárias na categoria do tratado não eram muito rigorosas. Textos relativamente curtos eram, às vezes, chamados tratados. Antes de Paulo, o filósofo grego Epicuro utilizou a forma epistolar para difundir suas ideias: é provável que algumas de suas epístolas tenham sido denominadas tratados ou, ao menos, assemelhadas a esse tipo literário.
Devemos ter Romanos em idêntica conta. Se não é um tratado, essa epístola de Paulo pertence a um gênero literário semelhante. É, ao lado de Hebreus, a mais raciocinada e abrangente exposição do pensamento de um apóstolo, sobre o pecado e sua condenação por Deus. E, do lado positivo, é a mais completa explicação do evangelho, em toda a Bíblia. O que, por si só, lhe garante lugar único, na coleção sagrada.
Os versículos 15 a 17 do capítulo 1 de Romanos ajudam a entender para que fim o tipo literário do tratado foi utilizado por Paulo: “Quanto está em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros, em Roma. Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé”.
O contexto dos versículos citados lembra que Paulo quisera ir a Roma anunciar o evangelho à igreja de lá, mas não pudera colocar em prática seu intento: “Não quero, irmãos, que ignoreis que muitas vezes me propus ir ter convosco, no que tenho sido até agora impedido” (Rm 1:13). Por meio da epístola, ele saldou o débito dessa pregação postergada.
Isso significa que Romanos é uma apresentação completa e,por vezes, até analítica do evangelho de Deus ou, para ser mais exato, dos efeitos da morte e ressurreição de Jesus. A característica estrutural mais importante do texto é o fato de relacionar o evangelho ao pecado. Daí os três primeiros capítulos da epístola, que formam um verdadeiro posfácio ao Antigo Testamento.
E por que o formam? Basicamente, porque a pregação dos profetas produzira, em Israel, um sentimento generalizado de morte e pecado. O autor de Gênesis expressou esse sentimento, ao encerrar sua narrativa com o homem, que Deus criara no capítulo 1, colocado dentro de um caixão, no capítulo 50. Não por acaso, o último versículo desse livro afirma: “Morreu José da idade de cento e dez anos; embalsamaram-no, e o puseram num caixão no Egito” (Gn 50:26). O verso expressa a consciência profunda de seu autor, que por sua vez reflete a de toda uma época.
Essa consciência do pecado foi o que levou Paulo a apresentar o “evangelho de Deus” (Rm 1:17). Romanos estende-a tanto aos judeus (de sangue ou convertidos) como aos gentios. No entanto, o apóstolo afirmou que alguns desses estavam debaixo da lei e outros (os gentios) não: “Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração” (Rm 2:12-14). Isso implica que, embora todos estivessem sob condenação, certas distinções deviam ser feitas entre eles.
Em raros momentos, o apóstolo chegou a referir-se ainda a um quarto grupo de pessoas, além dos judeus de sangue, dos prosélitos e dos gentios de cultura grega, a saber: os bárbaros. Ele o fez, por exemplo, quando se declarou “devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes” (Rm 1:14). Bárbaros e ignorantes eram pessoas que não pertenciam às culturas adiantadas da época.
Não devemos considerar que os bárbaros fossem as pessoas com a norma da lei inscrita no coração, a que o apóstolo se referiu em Romanos 2:12-14, embora essa afirmativa se aplique, em parte, a eles. Na estrutura de Romanos 1 e 2, tais pessoas eram, basicamente, gentios de povos cultos como os de Roma.
O veredito condenatório de Romanos 1:18—3:18 divide-se em duas seções: a do versículo 18 do capítulo 1 ao 16 do capítulo 2 e a do verso 17 do segundo capítulo ao 18 do capítulo 3. A primeira seção aplica-se aos povos gentios cultos, pois deles se diz que se haviam inculcado por sábios (Rm 1:22). Já a segunda seção trata dos judeus. Portanto, os bárbaros parecem excluídos do longo veredito condenatório das duas seções.
Não desejo afirmar que alguém (no caso, os bárbaros) não tenha pecado ou esteja isento da ira de Deus. Nada disso. Mas quero reafirmar que a condenação do pecado por Deus se revela de modos diferentes a grupos também diferentes. Em Romanos 5:13, Paulo afirmou que o pecado não é levado em conta onde não há lei: “Porque até o regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei”. E em 4:15, ele escreveu: “pois a lei suscita a ira; mas onde não há lei, também não há transgressão”. Se, entre os seres humanos, os bárbaros são os que têm legislação menos desenvolvida e mais afastada do conteúdo da lei de Deus, o princípio de Romanos 4:15 e 5:13 aplica-se a eles.
Enfim, a explicação do evangelho, a partir da condição pecaminosa dos vários grupos humanos, tão bem definida no Antigo Testamento, é a característica estrutural mais importante de Romanos. Essa condição não é, porém, estendida de maneira homogênea a todos os homens. Ao contrário, é descrita como realidade essencialmente heterogênea. Como um gradiente de tons escuros que representam pecados, todos eles condenáveis, porém distintos. E um dos pontos de maior destaque, na epístola, é o fato de o apóstolo nunca ter colocado o conhecimento dessas distinções nas mãos de qualquer ser humano.
Todo tratado envolve pensamento refinado. Não é concebível que Paulo se tenha dado ao trabalho de compor um para afirmar a condenação universal pura e simples. Romanos 1 a 3, de fato, trata de uma condenação universal, mas pressupõe uma gama de diferenciações internas, cuja existência o apóstolo afirmou, ao mesmo tempo em que subtraiu o conhecimento do seu conteúdo do alcance do homem em sua atual condição.
AS COISAS INVISÍVEIS DE DEUS
Em Romanos 1:20, lemos: “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das cousas que foram criadas. Tais homens são por isso indesculpáveis.”
Se Romanos e Hebreus são os únicos tratados da Bíblia, o versículo acima deve pressupor muita coisa. Deve ter entrelinhas bem largas, repletas de um texto invisível que permaneceu na cabeça do apóstolo e jamais foi escrito. Pois é impossível alguém escrever um tratado, iniciá-lo com a condenação do mundo gentio culto e responsabilizar esse mundo, com sua imensa cultura, em apenas três linhas. Isso nos traz a certeza de que o texto de Paulo possui entrelinhas. No entanto, ele fechou o verso citado com a frase implacável: “Tais homens são por isso indesculpáveis”.
Com perdão do neologismo desajeitado, de onde vem a indesculpabilidade dos gregos? Vem de conhecerem os atributos invisíveis de Deus. Somos tentados a dizer: e ponto final. Sim, e ponto final. Mas não nos esqueçamos das entrelinhas do versículo. Poderíamos perguntar: que são esses atributos e como podem ser conhecidos?
Para responder (ou ao menos tentar responder) tais perguntas, precisamos partir do que Paulo afirmou. A começar pelo termo grego aórata, traduzido atributos invisíveis, na Versão Almeida Revista e Atualizada. A tradução é, sem dúvida, muito boa, mas altamente interpretativa. De um ponto de vista mais literal, aórata significa “os invisíveis”. A palavra atributos não consta no original. Por isso, em várias versões, lê-se “coisas invisíveis”.
Boa parte dos primeiros escritores cristãos considerou que, com essa palavra grega, Paulo quis dizer o que, na literatura da época, se denominava, mais propriamente, “coisas inteligíveis”. Talvez por razões de simplicidade, já que o nível de escolaridade na época não era alto, ele tenha preferido dizer invisíveis, em vez de inteligíveis, porém a ideia subjacente deve ser mesmo essa última. Ao menos é o que se conclui do exame da literatura da época, que está repleta de alusões ao invisível ou inteligível em oposição ao visível ou sensível. O primeiro é o que não pode ser visto, tocado ou conhecido por qualquer dos sentidos. O outro é o que o pode ser.
Vejamos alguns exemplos dessas ideias opostas. Orígenes escreveu: “Para quem pode compreender, Paulo apresenta sem rodeios as coisas sensíveis, sob o nome de visíveis e as realidades inteligíveis que só o espírito pode captar, sob o nome de invisíveis. Ele sabe que as coisas sensíveis ou visíveis têm apenas um tempo [e] que as realidades inteligíveis ou invisíveis são eternas” (ALEXANDRIA, Orígenes de. Contra Celso. São Paulo: Paulus, 2004. p. 471). Sob essa ótica, não é preciso dizer a que Paulo se referiu quando escreveu: “Não atentando nós nas cousas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas” (2 Co 4:18).
A interpretação de Orígenes não reflete apenas o seu modo de ver, a sua preferência pessoal, mas uma vasta literatura composta desde o século V a. C. Porém, vejamos um segundo exemplo, já que por duas testemunhas toda palavra será estabelecida. O filósofo pagão Celso escreveu, no século II: “A essência e a geração constituem [respectivamente] o inteligível e o visível. A verdade acompanha a essência, o erro a geração. À verdade se liga a ciência, ao outro domínio a opinião. O inteligível é questão de intelecção, o visível, de visão. É o intelecto que conhece o inteligível, e o olho o visível” (CELSO. O discurso verdadeiro. In ALEXANDRIA, Orígenes de. Ob. cit. p. 583).
Orígenes discordou em quase tudo de Celso. O debate entre eles foi um dos mais célebres de toda a Antiguidade cristã. Porém, o mestre de Alexandria não fez o mais leve reparo à distinção adotada por Celso entre o sensível e o inteligível. E por que não o fez? Porque as palavras em questão haviam entrado para o léxico e assumido significados inequívocos nos primeiros séculos. Eram utilizadas tanto por quem acreditava num mundo inteligível, além do sensível, quanto por quem só cria na matéria. Nesse contexto, portanto, quando se referiu às coisas invisíveis de Deus, com toda probabilidade, Paulo quis dizer o que é estritamente inteligível.
O mesmo contexto não nos permite dúvidas sobre o significado da palavra inteligível. Por esse termo, designa-se o que pode ser conhecido pela inteligência. Contrapõe-se, de certa maneira, ao místico ou irracional. Quer isso dizer que Deus não é “místico”, mas apenas inteligível? Não. Porém, não há, na Bíblia, uma frase que garanta que o que em Deus há de místico possa ser conhecido pelo homem ou comunicado por um homem a outro. Místico é o não revelado, o incompreensível e incomunicável.
Mas avancemos. A afirmativa seguinte de Paulo, em 1:20, é tão importante quanto a referência às coisas invisíveis de Deus. Ele diz que essas coisas (invisíveis) “claramente se reconhecem (katorátai), desde o princípio do mundo, sendo percebidas por meio das cousas que foram criadas”. Se a opção de Almeida VRA por “atributos invisíveis” é boa, não se pode dizer o mesmo dos verbos reconhecer e perceber, nas frases acima. O original não diz "claramente se reconhecem", mas "claramente se veem".
Quis o apóstolo afirmar que o invisível se vê? Que o inteligível é percebido pelos sentidos? Obviamente não, pois isso contraria não só o modo de pensar de Paulo, mas de quase todos os escritores da época. No original, o verbo katorátai aparece ao lado de outro, nooúmena, que significa entender. Portanto, o ver claramente, a que Paulo se referiu, é um ato transformado por nooúmena. É um ver com os olhos da inteligência, pois Deus e os seus atributos são invisíveis. A tradução mais literal do versículo seria: “as coisas invisíveis de Deus [...] ao serem entendidas, claramente se veem”.
Como o milagre da visão intelectual dos atributos de Deus se realiza? Paulo afirmou que isso se dá, “por meio das coisas criadas”. Calvino referiu-se à revelação geral de Deus, na natureza ou por meio dela, e à revelação especial, nas Escrituras ou mediante elas. O desvelamento dos atributos de Deus, por meio das coisas criadas, inclui-se no primeiro caso.
Que dizer de todas essas declarações de Paulo? Em Romanos 1, vemos a condenação dos gentios. Mas, no versículo 20, é-nos revelado o justo motivo dela. Por que os gentios merecem ser condenados? Porque receberam a palavra de Deus, por meio das coisas criadas, e não o glorificaram (Rm 1:21), antes adoraram e serviram a criatura (Rm 1:25).
O regime idólatra é a rejeição da revelação de Deus na natureza. Paulo fundou a condenação do mundo gentio nessa rejeição. E, ao declará-lo, pressupôs todo o tempo a clareza com que os atributos de Deus se manifestam por meio das coisas criadas. Exatamente por isso, ele escreveu “claramente se veem”, o que se coaduna com a literatura da época. De Platão em diante, o mundo chamado culto passou a aceitar, cada vez mais, que os atributos da divindade, no sentido mais forte desta palavra, se manifestam na natureza. Passou, outrossim, a afirmar a existência de um Deus supremo. Paulo percebeu os dois fatos, mas verificou também a contradição entre eles e a adoração aos ídolos. Os gentios conheciam Deus? A resposta de Paulo é um firme e sonoro sim. Porém, adoravam a Deus? A resposta é um firme e sonoro não.
Só nos resta juntar a pergunta fatal: e as pessoas do nosso próprio tempo? Paulo viu diferentes motivos para firmar a condenação de judeus e gentios e outros ainda mais diferentes para afirmar a dos bárbaros da sua época. Se povos distintos, num mesmo século, mereciam a condenação por motivos históricos bem diferentes, quanto mais os que viveram 20 séculos depois!
A consciência do homem culto de hoje não é como a do cidadão romano do século I. O homem atual não tem a certeza do grego do tempo de Paulo de que os atributos da divindade estão refletidos na natureza. E, se não tem tal certeza, pode a condenação do gentio daquela época ser transportada aos nossos dias?
A DEPRAVAÇÃO SEXUAL DOS GENTIOS
Em Romanos 1, Paulo afirmou três vezes que os gregos rejeitaram o conhecimento de Deus e, também três vezes, que Deus os entregou a pecados. Em duas ocasiões, os pecados mencionados por ele foram sexuais; só na terceira ocasião, foram pecados não sexuais.
No versículo 24, lemos: “Por isso Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seus próprios corações, para desonrarem os seus corpos entre si”. Imundícia e desonra, nesse versículo, são pecados sexuais.
Já os versículos 26 e 27 afirmam: “Por causa disso os entregou Deus a paixões infames: porque até as suas mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas, por outro contrário à natureza; semelhantemente, os homens também, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo em si mesmos a merecida punição de seus erros”.Também aqui,o pecado citado,o homossexualismo, é de natureza sexual.
Por esses motivos, pode-se afirmar que, em Romanos, a impureza sexual é o pecado primeiro dos gentios. Curioso é que essa conclusão não aparece no restante dos escritos de Paulo. É uma característica peculiar de Romanos. Indispensável é, portanto, encontrarmos uma explicação para ela.
A centralidade dos pecados sexuais e do homossexualismo, em Romanos, parece-me mais histórica do que teológica. Roma não era só o centro do Império, mas também das bacanais, festa que se tornou célebre pela prática das mais grotescas licenciosidades. A princípio, só mulheres participavam das bacanais. Porém, mais tarde, os homens foram admitidos. O historiador Tito Lívio afirmou que, quando isso ocorreu, eles passaram a “se entregar mais entre si do que com mulheres” (Liv. 39, 13,10). Plutarco descreve o comportamento das damas da elite romana em termos ainda mais pungentes: "Essas mulheres são insaciáveis na busca do prazer. Na sua concupiscência, experimentam tudo, desviam-se e exploram, do princípio ao fim, toda a escala da devassidão até resultarem nas mais indizíveis práticas".
Paulo toma essa liderança, essa posição de vanguarda dos romanos nas orgias como um espelho de toda a sua vida. Como se destacavam na celebração dos festins de libertinagem, os romanos praticavam as mesmas impurezas no seu dia a dia, como Plutarco atesta. Não era diferente, pelo contrário era o que ocorria corriqueiramente, também na Corte de César.
Por esse motivo, só ao citar pela terceira vez os pecados a que os gregos foram entregues, Paulo aludiu a transgressões não sexuais. E é digno de nota que, ao fazê-lo, ele mudou totalmente a sua abordagem do elemento comportamental para o motivacional do pecado. Com efeito, ao descrever os pecados sexuais, em 1:24,26-27, Paulo se concentrou na conduta externa, assim como o ato de desonrar o próprio corpo e as relações homossexuais. Porém, ao abordar os pecados não sexuais, nos versículos 29 a 31, ele depositou ênfase na intenção e não na conduta.
Esse corte é assinalado pela “disposição mental reprovável” (1:28) e pelo fato de os gentios estarem “cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade” (1:29). Estar cheio ou possuído de algo não é ainda o praticar, mas tê-lo no coração. Não é diferente com os outros pecados não sexuais mencionados por Paulo. Quase todos eles são internos, assim como o aborrecer-se, a soberba, a presunção, a invenção de males, a insensatez, a perfídia e a falta de afeto ou de misericórdia (1:30-31).
Por que Paulo mudou sua ênfase do aspecto externo para o interno do ato pecaminoso, em Romanos 1? O motivo parece ter sido a dualidade fundamental do pecado. Para Paulo, assim como o homem possuía uma substância física e outra espiritual, havia duas classes distintas de pecado: os que tinham sede no corpo e os que se passavam fora do corpo. Em 1ª aos Coríntios 6:18, ele escreveu: “Fugi da impureza [sexual]! Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer, é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo”. O pecado no corpo é físico; o pecado fora do corpo é psíquico.
Assim como em Coríntios, em Romanos 1, são mencionados pecados físicos (sexuais) e também psíquicos. Os primeiros têm por característica contribuir de modo direto para a morte física do homem. É o que acontece com a prostituição, que é o comércio do próprio corpo e o aniquila, por expô-lo a doenças, quando não a outros males, já que um pecado físico costuma vir associado a outros, assim como a prostituição e os excessos de lascívia à bebedeira.
Mas, se os pecados se dividem em físicos e psíquicos, a embriaguez, a glutonaria, a prostituição e o homossexualismo não diferem tanto em princípio. Paulo não hierarquiza os pecados. Não os dispõe em graus. Limita-se a dividi-los em físicos e psíquicos ou em pecados no corpo e fora do corpo. Essa parece ser a maior distinção que ele traça. Entende cada um desses tipos de pecado como regido por princípios próprios. E que os primeiros revelam o julgamento presente de Deus, ao passo que os outros tornam necessário o vindouro.
Nesse sentido e sob essa luz, Romanos 1:18 afirma que a ira de Deus já se revela do céu. Revela-se onde? Nos pecados físicos. Nesse caso, os pecados não são a causa do julgamento, mas o próprio julgamento divino. Já em 2:1-2,5, é dito que o juízo futuro virá como punição e em consequência dos pecados não sexuais de 1:29-31: “Portanto [isto é, por causa dos pecados não sexuais mencionados antes] és indesculpável, ó homem, quem quer que sejas; porque no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as próprias coisas que condenas. Bem sabemos que o juízo [vindouro] de Deus é segundo a verdade, contra os que praticam tais coisas [...] Segundo a tua dureza e coração impenitente acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus”.
Temos aqui dois tipos de pecados: os físicos e os psíquicos. Os primeiros são, eles próprios, juízos divinos, não causas de outros juízos. São o término e não o início de um processo de desvio espiritual. Já os últimos, são causas de julgamentos futuros de Deus. Portanto, são o início de um desvio que terminará com o julgamento vindouro.
Quando lemos Romanos 1:18-32, sentimos que não é possível a alguém traçar condenação mais completa e enfática. No entanto, Paulo não se contentou com afirmação tão cabal da perdição dos gentios. Prova disso é que continuou a desenvolver o tema, em 2:1-16. E por que o fez? Porque Romanos 1:18-32 trata apenas do juízo presente, isto é, dos pecados físicos. Para uma pessoa com visão dualista do pecado, como era o caso de Paulo, era indispensável mencionar também o juízo vindouro, que é consequência dos pecados psíquicos. Isso ele fez em Romanos 2:1-16.
A chave para a compreensão da depravação sexual dos gentios, com toda a imundícia a ela relacionada, em Romanos 1, é a sua natureza de pecado físico. Portanto de juízo, e não de causa do juízo de Deus. Os atos sexuais são mais instintivos e menos voluntários. O que é instintivo produz consequências imediatas, inclusive quando se deprava. É o que Romanos 1 está a nos dizer. O capítulo 2, porém, afirma outra coisa. Afirma que, no terrível juízo vindouro, os homens terão de prestar contas a Deus de toda injustiça, malícia, avareza, maldade, inveja, homicídio, contenda, dolo, malignidade, difamação, calúnia, desagrado de Deus, insolência, soberba, presunção, invenção de males, desobediência aos pais, insensatez, perfídia, falta de afeição e falta de misericórdia. Esses males envolvem a vontade, não impulsos irrefreáveis. Por isso, nenhum deles escapará da avaliação divina. Sobre eles, recairá a sentença de morte de Deus.
QUEM SÃO OS GREGOS?
No capítulo 2, versos 9 e 10, Paulo afirma: “Tribulação e angústia virão sobre a alma de qualquer homem que faz o mal, do judeu primeiro, e também do grego; glória, porém, e honra e paz a todo aquele que pratica o bem; ao judeu primeiro, e também ao grego”. A referência a judeus e gregos ecoa os versículos 1:14 e 1:16: “Sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes [...] Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego”.
Uma nota ao pé desses versos, na Bíblia de Jerusalém, expressa não só o entendimento de seus elaboradores como da grande maioria dos comentaristas. Diz ela: “A expressão gregos, contraposta a bárbaros, designa as pessoas cultas, inclusive os romanos (que tinham adotado a cultura grega); contraposta aos judeus, designa os gentios” (Bíblia de Jerusalém, 5ª impressão, São Paulo: Paulus, 2008. p. 1966).
Colossenses 3:11, por sua vez, refere-se a gregos, judeus, circuncisão, incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre. Embora essa enumeração seja mais longa que as de Romanos, notamos de novo que os termos se agrupam de dois em dois. Gregos se opõem a judeus; circuncisão, a incircuncisão; bárbaro, a cita; escravo, a homem livre. Com exceção da terceira, essas oposições são bastante claras. A própria contradição entre bárbaros e citas não é tão evidente quanto as demais, mas se esclarece quando lembramos que bárbaro se referia ao habitante do Império, e cita, ao não habitante.
Essas observações não são importantes apenas do ponto de vista histórico, mas principalmente para compreendermos a mensagem de Romanos. Se retirarmos uma palavra de qualquer dos binômios acima e a utilizarmos de modo livre ou a inserirmos num outro binômio, poderemos incidir em equívocos. Por exemplo, poderemos pensar que os gregos e bárbaros, os sábios e ignorantes de 1:14 são os mesmos dois grupos de pessoas mencionados com palavras diferentes, isto é, que os gregos são os sábios, e os bárbaros, os ignorantes. Mas isso seria tornar gregos sinônimo de sábios, quando a primeira dessas palavras denotava o falante da língua grega, independentemente de quão refinada fosse a sua cultura. No primeiro século, havia gregos analfabetos, assim como bárbaros cultos. Os magos persas e os escribas egípcios eram bárbaros profundamente cultos. Mas não se pode dizer que algum sábio fosse ignorante ou vice-versa. Portanto, os binômios de 1:14 não se equivalem.
Tudo isso nos mostra que um vocabulário amplo e preciso estava à disposição dos escritores, no século I, para designar diferentes povos e grupos humanos. Dificilmente, podendo recorrer a termos tão bem definidos pelos binômios que integravam, Paulo usaria a palavra gregos para indicar ora os gentios em geral, ora os gentios de cultura grega. Penso que, contrapostos aos judeus ou aos bárbaros, gregos são sempre pessoas de fala grega. O próprio Paulo é um exemplo. Ele era grego, embora fosse judeu por religião e de sangue. Portanto, nele, não havia oposição entre o ser-grego e o ser-judeu. E é importante frisar: não só em Paulo, mas num número enorme de pessoas de várias partes do mundo essa situação se realizava.
Já os termos empregados para indicar os gentios de modo geral eram outros. Não incluíam a palavra gregos. Ethne, ora traduzido nações, ora gentios, é um desses termos. Indica a totalidade dos gentios, embora seja, em geral, empregada por Paulo para descrever os que creem, como em 1:5 (“para obediência da fé entre todos os gentios”) e em 2:14 ("Quando, pois, os gentios que não têm lei, procedem por natureza de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos"). Agostinho interpretou os gentios mencionados nesse último verso como os "que cumprem a lei segundo os ditames da consciência e têm a obra da fé escrita no coração", isto é, "aqueles que creem em Cristo" (HIPONA, Agostinho de. O espírito e a letra. 3ª ed., São Paulo: Paulus, 2007, p. 69).
Incircuncisão, por sua vez, é uma variação de gentios e, assim como essa palavra, indica o conjunto de todos os não judeus, mas é geralmente empregada para os gentios que creem: “Se, pois, a incircuncisão observa os preceitos da lei, não será ela, porventura, considerada como circuncisão?”. Efésios 2:11 acrescenta: “Outrora vós, gentios na carne, chamados incircuncisão”.
Tudo isso mostra que a palavra grego não significa o mesmo que gentio ou incircuncisão. Notem que o termo nunca é usado, por Paulo, em oposição a circuncisão. Judeu e grego tampouco são empregados como variante de circuncisão-incircuncisão. Isso porque a oposição entre essas duas últimas palavras tinha por foco a religião, ao passo que a oposição judeu-gentio se dava em função da língua.
Na realidade, grego era o homem que se comunicava em grego ou em latim. Era o indivíduo que usava uma das línguas em que a literatura clássica havia sido vazada. A própria palavra bárbaro tinha o sentido definido em função da fala, como se vê em 1ª aos Coríntios 14:11: “Se eu, pois, ignorar a significação da voz, serei estrangeiro [bárbaros] para aquele que fala; e ele, estrangeiro [bárbaros] para mim”.
Bárbaro não era tanto o membro de uma etnia quanto o falante de línguas que não o grego ou o latim. Como os judeus da Palestina, em geral, não falavam grego, era natural que fossem considerados bárbaros pelos romanos. Vários escritores dos primeiros séculos se referiram ao cristianismo como uma filosofia bárbara, porque judaica. Por isso, quando se declarou devedor a gregos e a bárbaros, Paulo incluiu judeus no último grupo. Não havia qualquer conotação pejorativa em o fazer ou em usar a palavra bárbaro nesse sentido.
Aliás, os bárbaros de quem Paulo se considerava devedor devem ter sido judeus e povos da sua família linguística, já que ele não poderia ser devedor de pessoas com quem não pudesse se comunicar. Não temos notícia do uso de tradutores pelos apóstolos. Portanto, as barreiras de idioma eram mais importantes para definir os limites da atuação deles do que nos acostumamos a pensar. Frise-se que, na única ocasião em que encontrou barbárois, no Livro de Atos (At 28:2,4), não se acrescenta que o apóstolo lhes tenha pregado o evangelho, como era seu costume.
Não insisto nessas diferenciações por diletantismo ou apenas por sua importância histórica. Elas interessam à elucidação do sentido da Carta aos Romanos. E interessam porque a condenação dos versículos 1:18 a 3:20 não parece dirigida aos gentios, de modo geral, mas apenas aos judeus e aos gregos. A própria palavra gentios só aparece duas vezes, em 2:14,24. A primeira é uma referência positiva e não condenatória. A segunda tem sentido neutro. Portanto, também não condenatório. Já incircuncisão aparece em 2:25-29, após a condenação dos judeus, em conexão com a palavra circuncisão. Nesses versos, Paulo mostra que a oposição religiosa dos judeus aos gentios é impotente para salvá-los. Portanto, ele condena os judeus e não os gentios.
Que devemos extrair desse uso de termos? Uma conclusão importante é que todas as palavras de sentido condenatório de Paulo, em Romanos 1 a 3, são dirigidas aos judeus e aos gregos, não aos gentios de modo geral. Por exemplo, quando diz que o evangelho é o poder de Deus para salvação do judeu e também do grego, as pessoas indicadas por essa última palavra são as de língua grega ou latina, não todos os gentios do mundo. Claro que toda salvação pressupõe condenação ou perdição. Portanto, nesse versículo, a condenação afirmada é a dos judeus e dos gregos.
O mesmo se dá na afirmação de que “tribulação e angústia virão sobre a alma de qualquer homem que faz o mal, do judeu primeiro, e também do grego; glória, porém, e honra e paz a todo aquele que pratica o bem; ao judeu primeiro, e também ao grego” (Rm 2:9-10). Também aí, a condenação incide sobre judeus e gregos.
Esse uso de palavras é extremamente consistente. E extremamente revelador, pois significa que o apóstolo não estendeu a condenação de Romanos 1 a 3 aos bárbaros. Isso esvazia, em alguma medida, a doutrina da condenação universal baseada nesses capítulos. Romanos 1 e 2 não têm em vista o mundo todo, mas os gentios de língua grega ou latina e também os judeus.
Estou a propor que os bárbaros não são condenáveis? De maneira nenhuma. Na passagem a respeito de Adão (capítulo 5), Paulo afirmou que todos os descendentes dele pecaram, inclusive os bárbaros. E se eles estão incluídos no pecado, não podem estar isentos da condenação. Só enfatizo que Paulo não definiu a sua culpabilidade, da mesma forma que fez com a dos judeus e dos gregos.
Faço notar esse silêncio. A doutrina da condenação universal forjada com base em Romanos tem esse tanto de pressa, de azáfama. Tem esse tanto de má formação. As impressionantes assertivas dos capítulos 1 a 3 não foram restritas aos judeus e aos gregos por acaso ou de modo não intencional. Pelo contrário, expressam o cuidado especial de Paulo com a linguagem de sua carta, que foi elaborada para expor a salvação de Cristo de maneira precisa e completa. Ante esses fatos, só nos resta pesar o sentido dos termos grego e gentio com tanto cuidado quanto teve Paulo ao usá-los e ao escrever o seu texto perene.
FÉ HIPÓCRITA
Paulo não adotou uma perspectiva única ao escrever Romanos. Ele não se colocou o tempo todo na posição do judeu, do gentio culto ou do grego piedoso, que frequentava as sinagogas e as igrejas cristãs, ao redor do mundo. Pelo contrário, em cada trecho da epístola, ele adotou uma perspectiva diferente.
No início do capítulo 1, ao dirigir-se aos cristãos de Roma, Paulo usou um vocabulário e se referiu a valores compreensíveis para eles. A partir do versículo 18, ele começou a descrever os gentios de cultura grega. Mencionou-lhes a situação espiritual, à luz do que denominou “a verdade de Deus”. E, no início do capítulo 2, passou a tratar dos gentios piedosos.
Essa segunda mudança se torna evidente, quando consideramos que o gentio do capítulo 2 não é como o do primeiro capítulo, que substituiu a verdade de Deus pela injustiça, adora ídolos e não apenas pratica o mal como o aprova (Rm 1:32). Pelo contrário, a figura que surge repentinamente em 2:1 condena os que praticam os males mencionados no primeiro capítulo (Rm 2:3). Trata-se, pois, de um gentio piedoso, que crê nas Escrituras, adora somente a Deus e censura os que vivem em pecado.
Paulo chama atenção desses gentios para a hipocrisia implícita em condenarem exatamente o que praticam. Tal atitude estava impregnada nos ambientes judaicos e cristãos do primeiro século. Mas o apóstolo deixa claro que, sob o evangelho, não há lugar para ela. Não importa se a pessoa adora a Deus ou aos ídolos. Hipocrisia é hipocrisia, seja no adorador de Deus, seja no idólatra. Ela será julgada por Deus: “Tu que condenas os que praticam tais cousas e fazes as mesmas, pensas que te livrarás do juízo de Deus?” (Rm 2:3).
Que julgamento é esse a que Paulo se refere? Não é o juízo final, pois ele o faz incidir sobre pessoas tementes a Deus, sobre cristãos da igreja em Roma. “Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo 5:24). O novo nascimento não se dá em vão. Ele muda a condição da pessoa que o experimenta e a livra do juízo final. Mas, se os que creem em Cristo não sofrerão o juízo final, Romanos nos mostra que serão julgados, num outro momento.
Esse julgamento futuro é o que Paulo menciona em 2:1-16. Ele é chamado o dia da ira (Rm 2:5), quando uns receberão tribulação e angústia (Rm 2:9), e outros, a vida eterna (Rm 2:7). Não se trata, pois, do juízo presente, que se revela do céu sobre os idólatras (Rm 1:18), mas do tribunal de Cristo, mencionado em 2ª aos Coríntios 5:10: “Importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo”.
Não é improvável que esse julgamento ocorra durante o estado intermediário, entre a morte e a ressurreição. Talvez por isso, Paulo tenha afirmado que “tribulação e angústia virão sobre a alma de qualquer homem que faz o mal” (Rm 2:9). Se pretendesse indicar um julgamento após a ressurreição, o apóstolo teria afirmado que a alma e o corpo serão atingidos por ele, como em Mateus 10:28 (“Temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo”). Mas ele não o afirmou, antes disse que o juízo em questão virá sobre a alma. Talvez se trate, portanto, de um juízo anterior à ressurreição.
Vários autores do Antigo Testamento perceberam que o ímpio, não raro, prospera na presente vida. O salmista escreveu: “Não te irrites por causa do homem que prospera em seu caminho, por causa do que leva a cabo os seus maus desígnios” (Sl 37:7). Esse homem tem maus desígnios e os consegue realizar. Por vezes, chega a oprimir o justo: “Trama o ímpio contra o justo, e contra ele ringe os dentes [...] Os ímpios arrancam da espada e distendem o arco para abater o pobre e necessitado, para matar os que trilham o reto caminho” (Sl 37:12,14).
A inversão da justiça, que presenciamos no mundo, deu ocasião ao aparecimento da doutrina do julgamento de Deus. “Os malfeitores serão exterminados, e os que esperam no Senhor possuirão a terra” (Sl 37:9). Os malfeitores a que o salmista se referiu criam em Deus, pois eram judeus, mas praticavam o mal. Nisso, não eram diferentes dos gentios de Romanos 2:1-16.
Porém, ao escrever sua epístola, Paulo retirou as máscaras tanto dos religiosos gentios como dos judeus. Mostrou que máscaras são inúteis diante de Deus. É como se dissesse: você é isso ou aquilo? Pertence a esse ou àquele grupo religioso? Como outras pessoas do seu grupo, você condena rigidamente o pecado? Saiba que nada disso lhe aproveita. Com a sua piedade ou sem ela, você é tão bom quanto o idólatra.
É comum os cristãos localizarem a iniquidade no mundo, e a santidade, na igreja. Paulo faz algo distinto. Tranca os que creem e os que não creem, no cárcere da iniquidade. Não poupa sequer os apóstolos como ele próprio, já que declara: “Não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço” (Rm 7:19).
Estamos diante da mais devastadora crítica da religião que se pode conceber. Uma crítica tão mais ácida quanto mais os pagãos são isentos dela. Os incrédulos são artífices das ações pecaminosas de 1:29-31. Mas não são hipócritas, pois falam o mesmo que fazem. Praticam aquelas ações e as chamam seu bem. Como diz Paulo, “não somente as fazem, mas também aprovam” (Rm 1:31).
Já os adeptos da religião mais pura, os adoradores do único Deus, são hipócritas. Paulo quer dizer todos os adoradores, sem dúvida e sem exceção. Estende, portanto, os ais que Jesus dirigiu aos escribas e fariseus, hipócritas, a todos os adeptos do judaísmo e da fé cristã. Mas cria, ao mesmo tempo, uma discriminação entre aqueles que reconhecem esse pecado e aqueles que permanecem nas profundezas da hipocrisia religiosa.
Ao criar tal discriminação, o apóstolo mostra que a confissão da hipocrisia é a água purificadora. A água que faz do fariseu um publicano. Quando João Batista afundou Israel no Jordão, ele o batizou nessa água. Dirigiu ainda um convite à raça de víboras para que o deixasse no fundo do Jordão. E assim como João sepultou o judaísmo, Paulo fez o mesmo com o cristianismo hipócrita.
A ira que o pecador de Romanos 2 acumula para o dia do juízo é a revolta de Deus contra essa hipocrisia. É a ira justificada de quem tem tolerado o hábito judeu e cristão de dizer uma coisa e fazer o contrário, até o dia em que o fogo brando em que é preparada fará a indignação explodir. É, enfim, a ira contra o que Paulo denominou dureza e coração impenitente (Rm 2:5).
Pouco importa o brilho peculiar da doutrina que a hipocrisia religiosa anuncia. Em momento nenhum, Paulo disse que aquele brilho justifica o execrável hábito de praticar o que a consciência reprova. Assim, ele estabeleceu o primado da prática sobre a doutrina. Se uma pessoa crê na mais sublime de todas as doutrinas, se cruza até mesmo os mares para pregá-la, mas prega que não se deve ofender uma pessoa e ofende mil, sua fé sublime é hipócrita.
Quanta exaltação desse tipo de fé hipócrita há no mundo! Quantos creem que podem dizer os maiores disparates e serão louvados, que podem proibir o mal a uma pessoa e praticá-lo a uma multidão! Tais são os mártires das legiões de desavisados de um triste tempo. E continuarão a ser enquanto a exortação soar: “Continue, pois, o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se” (Ap 22:11).
O verbo continuar, empregado tantas vezes, indica a diferença entre um juízo presente como o dos idólatras e outro futuro, mas que virá tão certamente quanto a aurora de amanhã.
A CONSCIÊNCIA DO JUDEU
Após ter estabelecido a culpabilidade tanto dos gregos que adoravam ídolos como dos que cultuavam Deus, Paulo passou a tratar dos judeus e, mais especificamente, da consciência que tinham de si, nos versículos 17 a 20 do capítulo 2: “Tu que tens por sobrenome judeu, repousas na lei e te glorias em Deus; que conheces a sua vontade, e aprovas as cousas excelentes, sendo instruído na lei; que estás persuadido de que és guia dos cegos, luz dos que se encontram em trevas, instrutor de ignorantes, mestre de crianças, tendo na lei a forma da sabedoria e da verdade”.
Paulo emprega os verbos aprender e ensinar no particípio, que é o tempo que mais enfatiza o caráter consumado da ação e seus efeitos. No versículo 18, “ser instruído na lei” está nesse tempo verbal, o que indica uma instrução consumada, um aprender completo. “Ser guia de cegos”, luz nas trevas, instrutor de ignorantes, mestre de crianças também é uma ação no particípio. Indica, portanto, não só que o judeu tinha consciência de haver conquistado um conhecimento completo, mas de ensiná-lo perfeitamente aos cegos, aos ignorantes e às crianças.
Essa consciência não era típica apenas de um fariseu como Paulo, mas também dos saduceus e dos integrantes das outras correntes do judaísmo. Sinal claro disso é o fato de o texto mencionar a lei (“tendo na lei a forma da sabedoria e da verdade”) e vários mandamentos específicos. Sabemos que os fariseu criam na Lei e nos Profetas, enquanto os saduceus só aceitavam a primeira. Por isso, ao se deter na lei, Paulo focou o que era comum a todo judeu, até mesmo a essência do homem judeu.
A noção de que a lei do Antigo Testamento, a Torá, consistia em mandamentos está entranhada em nós. Paulo, porém, afirma que ela consiste no conhecimento e na verdade (Rm 2:20). Afirma, até mesmo, que a lei tem a forma dessas duas coisas. A palavra forma (mórphos) tinha denso significado filosófico, que passou para a língua do Novo Testamento. Independentemente de possuir maior ou menor intimidade com a Filosofia, ao usar essa palavra, era impossível a um judeu de língua grega, como Paulo, deixar de transmitir o significado filosófico de que ela estava impregnada, que era o de um pensamento puro e destituído de toda matéria.
Por isso, no verso 2:20, a “forma da sabedoria [conhecimento, no original] e da verdade” indica um pensamento destituído de conteúdo material, uma ideia abstrata, sobre o conhecimento e a verdade. A lei era exatamente isso para o judeu. E o judeu era, para si, o possuidor perfeito dessa lei.
Isso implica que a Torá não contém mandamentos concretos, que regem efetivamente a vida. Para encontrar mandamentos assim, é preciso recorrer ao que Paulo denominou “coisas excelentes” (Rm 2:18). No original, essa expressão é ainda outro particípio, que pode ser traduzido “coisas que excedem”. Ela indica “as sombras mais delicadas da vida moral, aludindo à casuística na qual as escolas judaicas eram excelentes” (RIENECKER, Fritz e ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego. São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 259). Trata-se de regras e estatutos que iam além da Torá, estabelecendo o que efetivamente se podia e não se podia realizar na vida cotidiana.
A mente judaica estava impregnada dessas duas coisas: da lei e das “coisas que excedem”.Mas Paulo não reconhece nisso qualquer vantagem. Para ele, o que importa não é ter a forma do conhecimento e da verdade, mas a viver. Não é preencher essa forma abstrata com coisas excelentes, mas a colocar em prática e em movimento na vida. “Tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Dizes que não se deve cometer adultério, e o cometes? Abominas os ídolos, e lhes roubas os templos? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei?” (Rm 2:21-23).
Os versos 17 a 20 apresentam o judeu como pensa que é; os de 21 a 23 apresentam-no como é.Para Paulo,a consciência do judeu era alienada, pois não correspondia ao seu ser real. Não que os princípios em que ela se baseava estivessem errados. A lei tem de fato a forma do conhecimento e da verdade. E realmente é preciso exceder essa forma, para buscar o conteúdo que ela deve revestir. Mas os judeus iam longe demais nessa direção, perdendo-se tanto da lei como de si mesmos.
Assim, embora denuncie o extravio interior dos seus concidadãos, Paulo vai em busca do que denomina vantagem do judeu. “Qual é, pois, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus” (Rm 3:1-2). Se os princípios da consciência judia são corretos, sua vantagem é inegável. A suma dessa vantagem, o ponto em que ela mais se condensa e se deixa perceber, são as Sagradas Escrituras. Por isso, depois de reconhecer que os judeus têm “muita vantagem, sob todos os aspectos”, o apóstolo acrescenta “principalmente porque lhes foram confiados os oráculos de Deus”.
Paulo pensa como judeu. Muda algumas coisas na consciência israelita, mas não lhe altera a essência. Sem entendermos isso, não temos como ascender à compreensão de Romanos 2 e 3. Do modo como os judeus tomavam a lei como conhecimento e verdade, Paulo considerava os oráculos de Deus (a Lei e os Profetas) expressão acabada desse conhecimento e dessa verdade. E assim como os seus compatriotas, ele os tomava como forma cujo conteúdo devia ser preenchido mediante uma busca espiritual.
Por isso também, brada: “A incredulidade deles virá desfazer a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma! Seja Deus verdadeiro e mentiroso todo homem” (Rm 3:3-4). Que é a fidelidade de Deus para Paulo? É a própria verdade divina, pois ele diz: “Virá desfazer a fidelidade de Deus?” E responde: “De maneira nenhuma! Seja Deus verdadeiro”. Pergunta sobre a fidelidade e responde sobre a verdade, porque, para o judeu e para Paulo, em particular, o foco da relação de Deus com Israel é essa verdade-fidelidade.
Só no interior de uma consciência assim, de uma consciência profundamente judaica, faz sentido perguntar: “Se por causa da minha mentira fica em relevo a verdade de Deus para a sua glória, por que sou eu ainda condenado como pecador?” (Rm 3:7). O Ocidente está impregnado de ceticismo. Mal crê numa verdade última. Mas crê com inabalável firmeza que uma mentira não pode ter sentido derradeiro. Por isso, para o homem ocidental, a pergunta sobre o sentido último da mentira não tem significado. É inteiramente absurda. Já para o judeu essencial, para o judeu do tempo de Paulo, que cria na verdade absoluta, embora não a compreendesse, a pergunta sobre o significado último da mentira podia fazer sentido, se ressaltasse a verdade de Deus.
Ao descrever a consciência do judeu, Paulo não se exclui dela. Adota-a intensamente. Pensa, crê e escreve como judeu, pois se curva ao Deus que é verdade, no sentido mais forte do termo. Porém, ele se aparta da alienação em que a consciência de seus compatriotas incorre ao perder-se. Aparta-se da falsa consciência que leva o judeu a buscar o conteúdo da verdade de Deus em minuciosos comportamentos formais. Descobre que esse conteúdo deve ser o ditado direto do Espírito Santo ao coração humano. E que esse ditado só se torna acessível, quando o homem crê na verdade definitiva, na verdade apostólica, na verdade da redenção de Cristo.
A CULPA DOS JUDEUS
Com os versículos 3:9-20, Paulo conclui seu esboço da condição de quatro tipos humanos: os gregos idólatras, os devotos frequentadores das sinagogas, os judeus pecaminosos e os piedosos. Vale a pena recordarmos as características centrais de cada um desses tipos. Do lado positivo, os gentios e os judeus piedosos têm em comum a posse de coisas divinas, como as Sagradas Escrituras e outros bens do culto judeu.
Porém, do lado negativo, esses tipos têm em comum o divórcio entre o dizer e o fazer. Condenam certas condutas e as praticam: “Tu, ó homem [gentio], que condenas aos que praticam tais coisas e fazes as mesmas, pensas que te livrarás do juízo de Deus?” (2:3). E “tu que tens por sobrenome judeu [...] pregas que não se deve furtar e furtas? Dizes que não se deve cometer adultério e o cometes?” (2:21-22). Assim se descreve a condição do homem religioso, gentio e judeu.
Por sua vez, a condição dos gentios ímpios consiste na idolatria e nos 21 pecados que decorrem dela, encontrados em 1:29-31. Por fim, a dos judeus ímpios é descrita por citações do Antigo Testamento, em 3:10-18. Essas citações são o equivalente judeu da lista de pecados dos gentios no final do capítulo 1.
Paulo nada suaviza, ao tratar de seus concidadãos. Pronuncia sobre eles juízo tão grave quanto o que faz desabar sobre o mundo idólatra. É como um profeta, que profere oráculos que ninguém quer ouvir. Parece-se com Jeremias, que arranca ao rei de Israel a exclamação: “Por que profetizas tu que o Senhor disse que entregaria esta cidade na mão do rei de Babilônia, e ele a tomaria; que Zedequias, rei de Judá, não se livraria das mãos dos caldeus, mas infalivelmente seria entregue nas mãos do rei de Babilônia? [...] e que levaria Zedequias para Babilônia?” (Jr 32:3-4). O rei mandou prender Jeremias por causa dessa pregação.
A palavra profética tem por característica seu nenhum compromisso com o gostar ou o não gostar dos ouvintes. Paulo retoma essa tradição, ao escrever Romanos 1 a 3. Mas, ao tratar de seus compatriotas (assim como dos gregos devotos), omite a idolatria. Ela não é um problema central do judeu, piedoso ou não. Não é um traço que componha a sua condição, como Paulo a descreve. Os judeus têm dois problemas principais: a violência e a morte. Paulo cita cruamente os Salmos, ao descrevê-los:
“Não há justo, nem sequer um, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Sl 14:1-3; 53:1-3). “A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca eles a têm cheia de maldição e de amargura” (Sl 5:9; 140:3; 10:7). “São os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos há destruição e miséria; desconhecem o caminho da paz” (Is 59:7-8). “Não há temor de Deus diante de seus olhos” (Sl 36:1). E, para que ninguém tivesse dúvida de que essas citações se referiam aos judeus, o apóstolo acrescentou: "Ora, sabemos que tudo o que a lei diz aos que vivem na lei o diz" (3:19). Equivale a dizer: tudo o que os versículos acima cravam é para os judeus e somente para eles.
Dos 21 pecados dos gentios, em 1:29-31, somente o homicídio coincide com a violência atribuída aos judeus nos versos acima. Mesmo assim, não é idêntico a ela. É até muito diferente, pois é um pecado interior. Dos gentios Paulo afirma estarem “cheios de todo [...] homicídio”. Mas, em 3:15-17, a violência mencionada é interior e também exterior. É uma violência mais consumada que a dos gentios.
Por que essa violência explícita é típica dos judeus? Paulo não via, nos romanos, um hábito tão arraigado de se exasperar sem motivo e de passar da exasperação ao homicídio quanto observava nos seus irmãos judeus. Os romanos tinham-se dado leis que lhes permitiam derramar sangue apenas por crimes políticos. Os judeus matavam por motivos religiosos bem mais comezinhos.
Não muito depois de Romanos ter sido escrita, a descrição de Paulo se cumpriu de maneira plena, quando os judeus rebelaram-se contra os romanos, trancaram-se em Jerusalém, mataram-se uns aos outros e até comeram cadáveres de conhecidos e familiares. Ter-se-iam mutilado e aniquilado até o último homem, não fosse os romanos terem completado o trabalho, com o objetivo principal de freá-los. Tudo isso ocorreu no cerco de Jerusalém pelos romanos, descrito em detalhes por Flávio Josefo. É um exemplo inequívoco da violência hedionda que segue Israel como a coluna de fogo e a nuvem o acompanharam no deserto.
Infelizmente, essa violência não é só judaica. É monoteísta. No hipódromo de Constantinopla, o Imperador cristão Justiniano matou 30 mil pessoas. O mesmo Justiniano dizimou 100 mil samaritanos. Na Primeira Cruzada, um milhão de pessoas foram mortas. Outro milhão foi sacrificado na Cruzada Albigense. Sem mencionar os milhões de índios e negros mortos ou escravizados pelos cristãos na América. Será preciso multiplicar ainda mais os exemplos para tornar claro que a violência é intrínseca a um tipo de monoteísmo ímpio e diabólico? Será preciso acrescentar as atrocidades dos muçulmanos? Sua presença no noticiário do dia não me dispensa de narrá-las?
A outra característica da condição do judeu ímpio, como Paulo a descreve, é a morte espiritual. Assim como a violência, essa característica recai somente no tipo judeu. “A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca eles a têm cheia de maldição e de amargura”. Quatro órgãos usados para falar são mencionados: a garganta, a língua, os lábios e a boca. Sua relação com a morte espiritual indica que esta se comunica pelas palavras.
Que morte é essa? Não pode ser outra que a de Adão. Paulo liga tanto os judeus como os gentios a Abraão, no capítulo 4. No 5, conecta-os a Adão. Porém, em ambos os casos, a relação do patriarca com os judeus é mais forte do que com os gentios. Estes se ligam a eles, por meio dos judeus, que se conectam diretamente a Adão e a Abraão.
A relação especial dos judeus com Abraão parece óbvia, mas não a de Adão, pois Paulo nos diz que todos (judeus e gentios) morreram, em consequência do pecado de Adão. Mas, se olharmos mais atentamente, veremos que ele traça certas distinções. Diz que “até o regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei” (5:13). E acrescenta que, dentre os que pecaram, só alguns o fizeram “à semelhança da transgressão de Adão” (5:14). Quem recebeu a lei? Não foi Israel? E, na linguagem do apóstolo, essa lei não fez com que o pecado judeu fosse “levado em conta”? Não foi essa uma peculiaridade do povo judeu? E quem pecou semelhantemente a Adão? Não foram, de novo, os judeus, que receberam a lei e a transgrediram, como Adão transgrediu o mandamento que Deus lhe entregou? Os gentios nunca tiveram uma lei divina. De sorte que a morte espiritual, sobrevinda por Adão ter comido da árvore proibida (Gn 2:17), desenvolveu-se de modo particular em Israel.
Paulo apresenta os judeus como campeões da morte espiritual, vinda por meio de Adão. A pecaminosidade gentílica é eminentemente diversificada. Abre-se na multidão de pecados diferentes que Paulo lhes atribui em 1:29-31. Faz lembrar a constatação de Feuerbach de que a consciência pagã é aberta, dispersa, ao passo que a do judeu reúne tudo numa coisa só: em Deus. Assim são também, gentio e judeu, no pecado: o pecado pagão é múltiplo; o judeu se concentra em duas condutas típicas: o derramamento de sangue e a morte espiritual que decorre da desobediência.
Essa apresentação das condições dos quatro tipos de homens, em Romanos 1 a 3, inspira-nos a pergunta: e a condição do cristão? Paulo a descreve? Sim, ele o faz, em todas as suas epístolas. Porém, a descrição que oferece deles é totalmente distinta da que comunica dos judeus e gentios sem Cristo. Tão longe vai Paulo, no seu nutrido otimismo com a nação cristã, que só no caso do homem incestuoso de Corinto pronuncia uma condenação. Entrega-o, como sabemos, “a Satanás”. Mesmo assim, ele o faz com a ressalva de que o espírito do pecador haveria de ser salvo, no dia do Senhor (1 Co 5:5). Precisamos da Epístola aos Hebreus, cuja autoria é desconhecida, para entender que o crente pode perder-se, de alguma maneira e por algum tempo. Enquanto permanecemos apenas com Paulo, isto é, com as epístolas que ele assina, não somos capazes de concluir isso.
Porém, Hebreus se concentra no destino escatológico do cristão decaído. Multiplica figuras de linguagem para descrevê-lo. E jamais menciona de modo claro as razões das ameaças escatológicas que desenvolve. Limita-se a citar genericamente a que pecados corresponderão tais juízos. Nas epístolas que assina, Paulo é muito mais explícito. O crente de Corinto praticara incesto. Fora por isso “entregue a Satanás”. Em Gálatas, ele acrescenta: “De Cristo vos desligastes vós que procurais justificar-vos na lei, da graça decaístes” (Gl 5:4).
Vemos que, em Paulo, o que leva à decadência da graça, ao desligamento de Cristo e à entrega a Satanás é a transmutação da perseverança, a mudança do objeto dela, de Cristo para um pecado ou uma falsa doutrina. Quando a constância deixa de ser em Cristo para se dar no pecado, a condição cristã passa da bênção à reprovação.
Esse é o outro lado da condição cristã, como o Novo Testamento a descreve. Hebreus parece ter sido escrita para corrigir a impressão enganosa de que os cristãos estão imersos numa condição apenas dourada. No entanto, somente quando chegamos a Apocalipse 2 e 3, o lado negro da condição cristã emerge de maneira total.
Nesses capítulos, Jesus dirige-se pessoalmente aos líderes de sete igrejas da Ásia. Usa a palavra anjos para descrevê-los. Em grego, ággelos (anjo) significa emissário. No contexto de Apocalipse, o termo não se refere a seres celestes, mas a homens que levam as cartas às sete igrejas, a verdadeiros líderes cristãos.
Essa interpretação é fortemente fundamentada na visão do capítulo 1 de Apocalipse, em que Cristo caminha no meio dos candeeiros ataviado como Sumo-Sacerdote. Ele próprio afirma que os candeeiros representam as sete igrejas e que as estrelas que leva na mão são os anjos das igrejas (Ap 1:20). Portanto, os anjos são a interpretação de um símbolo (as estrelas). E, como em toda interpretação, a coisa significada pelo símbolo é literal. No caso, é um emissário real, um homem.
Ao final de cada carta de Apocalipse, afirma-se que o Espírito diz aquela palavra “às igrejas”, no plural. Devemos extrair disso que, assim como o Filho faz o que o Pai também faz, o Espírito realiza o que o Filho realiza. Se o Espírito fala às igrejas, o Filho faz exatamente o mesmo. Mas isso cria um contraste com o tratamento na segunda pessoa do singular, que predomina nas sete cartas. Esse tratamento indica que as proposições das cartas não são dirigidas às igrejas, mas a um indivíduo, no caso ao anjo de uma delas.
Em suma, o anjo leva a carta à igreja, mas a carta é sobre ele e sobre a igreja. A situação de cada igreja é sempre descrita, em relação ao seu anjo, assim como a situação de Israel e Judá é descrita em relação aos seus reis, nos livros históricos do Antigo Testamento. Cada carta é um duplo relato, sobre a igreja e seu líder. Necessário nos é discernir o que se refere a um e a outro.
Ao anjo da igreja em Éfeso, Jesus afirmou: “Conheço as tuas obras”. E acrescentou: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te, e volta à prática das primeiras obras; e se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas” (Ap 2:4-5).
Essa palavra não é dita, primariamente, a respeito da igreja, mas de seu anjo. Seria estranho se tivesse sido dita da igreja, pois implicaria um estado espiritual coletivo. Não há tal coisa na Bíblia. Estados espirituais variam de pessoa para pessoa. Não há estados únicos de entidades coletivas. A igreja em Éfeso não perdera o primeiro amor. Seu anjo é que o abandonara.
Diz-se com certa frequência que o anjo ou a igreja cai por "perder" o primeiro amor. Mas ele não perde o primeiro amor: abandona-o. Perder indica algo involuntário. Perdemos um amor, por vermos ou ouvirmos coisas indignas da pessoa amada. Isso é próprio do amor humano. Ele se perde. Porém, nem o amor humano é digno de ser abandonado. Para dizê-lo com as palavras do poeta, ele pode durar um enquanto, por se perder, mas nasceu para ser eterno. Não deve ser abandonado. Abandonar voluntariamente o amor é grave, entre seres humanos, gravíssimo em relação a Deus.
Esse é um exemplo de queda no Novo Testamento. Em muitos aspectos, ele se assemelha à queda espiritual do rei, no Antigo Testamento. A diferença principal é que o rei cai na idolatria; o líder cristão, em outras coisas. Mas cai de toda forma. Sua condição não é intangível, perfeita para sempre. A de ninguém o é.
Os anjos de Éfeso, Pérgamo, Tiatira, Sardes e Laodiceia estavam em estados reprováveis. Não se pode afirmar o mesmo do de Esmirna. E o estado do anjo de Filadélfia era muito positivo. Também desse ponto de vista, não há muita diferença entre os líderes das igrejas e os reis Israel. Há entre eles pessoas aprovadas e reprovadas. Ninguém é aprovado só por ser anjo ou por ser rei.
Cinco de sete líderes de igrejas haviam decaído ou estavam prestes a decair, no primeiro século. Ainda assim, Cristo os tinha seguros na sua mão, como o Sumo-Sacerdote segurava as estrelas no capítulo 1. Essas verdades são contraditórias. Por um lado, Cristo segura os anjos na sua mão. Por outro, eles estão numa condição decaída. O guardar de Cristo é garantia do triunfo final desses líderes. Não é garantia do resultado intermediário favorável. Não garante a incolumidade deles, se fizerem o mal, como as sete epístolas claramente elucidam.
Embora a condição cristã se afaste tanto da dos gentios e dos judeus mergulhados em pecado, há motivos para o cristão temer tanto o castigo de Deus quanto para o gentio e o judeu o fazerem. Temor é uma palavra presente, da primeira à última página das Escrituras. Não há culto a Deus, fora do temor. Todo culto é de homens, e homens temem. Caem, quando deixam de temer. Por isso, cada palavra de Cristo aos anjos aprovados infunde-lhes coragem, mas cada palavra aos decaídos infunde temor.
quinta-feira, 23 de maio de 2013
Livre Exame de Romanos (7): A Culpa dos Judeus
Com os versículos 3:9-20, Paulo conclui seu esboço da condição de quatro tipos humanos: os gregos idólatras, os devotos frequentadores das sinagogas, os judeus pecaminosos e os piedosos. Vale a pena recordarmos as características centrais de cada um desses tipos. Do lado positivo, os gentios e os judeus piedosos têm em comum a posse de coisas divinas, como as Sagradas Escrituras e outros bens do culto judeu.
Porém, do lado negativo, esses tipos têm em comum o divórcio entre o dizer e o fazer. Condenam certas condutas e as praticam: “Tu, ó homem [gentio], que condenas aos que praticam tais coisas e fazes as mesmas, pensas que te livrarás do juízo de Deus?” (2:3). E “tu que tens por sobrenome judeu [...] pregas que não se deve furtar e furtas? Dizes que não se deve cometer adultério e o cometes?” (2:21-22). Assim se descreve a condição do homem religioso, gentio e judeu.
Por sua vez, a condição dos gentios ímpios consiste na idolatria e nos 21 pecados que decorrem dela, encontrados em 1:29-31. Por fim, a dos judeus ímpios é descrita por citações do Antigo Testamento, em 3:10-18. Essas citações são o equivalente judeu da lista de pecados dos gentios no final do capítulo 1.
Paulo nada suaviza, ao tratar de seus concidadãos. Pronuncia sobre eles juízo tão grave quanto o que faz desabar sobre o mundo idólatra. É como um profeta, que profere oráculos que ninguém quer ouvir. Parece-se com Jeremias, que arranca ao rei de Israel a exclamação: “Por que profetizas tu que o Senhor disse que entregaria esta cidade na mão do rei de Babilônia, e ele a tomaria; que Zedequias, rei de Judá, não se livraria das mãos dos caldeus, mas infalivelmente seria entregue nas mãos do rei de Babilônia? [...] e que levaria Zedequias para Babilônia?” (Jr 32:3-4). O rei mandou prender Jeremias por causa dessa pregação.
A palavra profética tem por característica seu nenhum compromisso com o gostar ou o não gostar dos ouvintes. Paulo retoma essa tradição, ao escrever Romanos 1 a 3. Mas, ao tratar de seus compatriotas (assim como dos gregos devotos), omite a idolatria. Ela não é um problema central do judeu, piedoso ou não. Não é um traço que componha a sua condição, como Paulo a descreve. Os judeus têm dois problemas principais: a violência e a morte. Paulo cita cruamente os Salmos, ao descrevê-los:
“Não há justo, nem sequer um, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Sl 14:1-3; 53:1-3). “A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca eles a têm cheia de maldição e de amargura” (Sl 5:9; 140:3; 10:7). “São os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos há destruição e miséria; desconhecem o caminho da paz” (Is 59:7-8). “Não há temor de Deus diante de seus olhos” (Sl 36:1). E, para que ninguém tivesse dúvida de que essas citações se referiam aos judeus, o apóstolo acrescentou: "Ora, sabemos que tudo o que a lei diz aos que vivem na lei o diz" (3:19). Equivale a dizer: tudo o que os versículos acima cravam é para os judeus e somente para eles.
Dos 21 pecados dos gentios, em 1:29-31, somente o homicídio coincide com a violência atribuída aos judeus nos versos acima. Mesmo assim, não é idêntico a ela. É até muito diferente, pois é um pecado interior. Dos gentios Paulo afirma estarem “cheios de todo [...] homicídio”. Mas, em 3:15-17, a violência mencionada é interior e também exterior. É uma violência mais consumada que a dos gentios.
Por que essa violência explícita é típica dos judeus? Paulo não via, nos romanos, um hábito tão arraigado de se exasperar sem motivo e de passar da exasperação ao homicídio quanto observava nos seus irmãos judeus. Os romanos tinham-se dado leis que lhes permitiam derramar sangue apenas por crimes políticos. Os judeus matavam por motivos religiosos bem mais comezinhos.
Não muito depois de Romanos ter sido escrita, a descrição de Paulo se cumpriu de maneira plena, quando os judeus rebelaram-se contra os romanos, trancaram-se em Jerusalém, mataram-se uns aos outros e até comeram cadáveres de conhecidos e familiares. Ter-se-iam mutilado e aniquilado até o último homem, não fosse os romanos terem completado o trabalho, com o objetivo principal de freá-los. Tudo isso ocorreu no cerco de Jerusalém pelos romanos, descrito em detalhes por Flávio Josefo. É um exemplo inequívoco da violência hedionda que segue Israel como a coluna de fogo e a nuvem o acompanharam no deserto.
Infelizmente, essa violência não é só judaica. É monoteísta. No hipódromo de Constantinopla, o Imperador cristão Justiniano matou 30 mil pessoas. O mesmo Justiniano dizimou 100 mil samaritanos. Na Primeira Cruzada, um milhão de pessoas foram mortas. Outro milhão foi sacrificado na Cruzada Albigense. Sem mencionar os milhões de índios e negros mortos ou escravizados pelos cristãos na América. Será preciso multiplicar ainda mais os exemplos para tornar claro que a violência é intrínseca a um tipo de monoteísmo ímpio e diabólico? Será preciso acrescentar as atrocidades dos muçulmanos? Sua presença no noticiário do dia não me dispensa de narrá-las?
A outra característica da condição do judeu ímpio, como Paulo a descreve, é a morte espiritual. Assim como a violência, essa característica recai somente no tipo judeu. “A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca eles a têm cheia de maldição e de amargura”. Quatro órgãos usados para falar são mencionados: a garganta, a língua, os lábios e a boca. Sua relação com a morte espiritual indica que esta se comunica pelas palavras.
Que morte é essa? Não pode ser outra que a de Adão. Paulo liga tanto os judeus como os gentios a Abraão, no capítulo 4. No 5, conecta-os a Adão. Porém, em ambos os casos, a relação do patriarca com os judeus é mais forte do que com os gentios. Estes se ligam a eles, por meio dos judeus, que se conectam diretamente a Adão e a Abraão.
A relação especial dos judeus com Abraão parece óbvia, mas não a de Adão, pois Paulo nos diz que todos (judeus e gentios) morreram, em consequência do pecado de Adão. Mas, se olharmos mais atentamente, veremos que ele traça certas distinções. Diz que “até o regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei” (5:13). E acrescenta que, dentre os que pecaram, só alguns o fizeram “à semelhança da transgressão de Adão” (5:14). Quem recebeu a lei? Não foi Israel? E, na linguagem do apóstolo, essa lei não fez com que o pecado judeu fosse “levado em conta”? Não foi essa uma peculiaridade do povo judeu? E quem pecou semelhantemente a Adão? Não foram, de novo, os judeus, que receberam a lei e a transgrediram, como Adão transgrediu o mandamento que Deus lhe entregou? Os gentios nunca tiveram uma lei divina. De sorte que a morte espiritual, sobrevinda por Adão ter comido da árvore proibida (Gn 2:17), desenvolveu-se de modo particular em Israel.
Paulo apresenta os judeus como campeões da morte espiritual, vinda por meio de Adão. A pecaminosidade gentílica é eminentemente diversificada. Abre-se na multidão de pecados diferentes que Paulo lhes atribui em 1:29-31. Faz lembrar a constatação de Feuerbach de que a consciência pagã é aberta, dispersa, ao passo que a do judeu reúne tudo numa coisa só: em Deus. Assim são também, gentio e judeu, no pecado: o pecado pagão é múltiplo; o judeu se concentra em duas condutas típicas: o derramamento de sangue e a morte espiritual que decorre da desobediência.
Essa apresentação das condições dos quatro tipos de homens, em Romanos 1 a 3, inspira-nos a pergunta: e a condição do cristão? Paulo a descreve? Sim, ele o faz, em todas as suas epístolas. Porém, a descrição que oferece deles é totalmente distinta da que comunica dos judeus e gentios sem Cristo. Tão longe vai Paulo, no seu nutrido otimismo com a nação cristã, que só no caso do homem incestuoso de Corinto pronuncia uma condenação. Entrega-o, como sabemos, “a Satanás”. Mesmo assim, ele o faz com a ressalva de que o espírito do pecador haveria de ser salvo, no dia do Senhor (1 Co 5:5). Precisamos da Epístola aos Hebreus, cuja autoria é desconhecida, para entender que o crente pode perder-se, de alguma maneira e por algum tempo. Enquanto permanecemos apenas com Paulo, isto é, com as epístolas que ele assina, não somos capazes de concluir isso.
Porém, Hebreus se concentra no destino escatológico do cristão decaído. Multiplica figuras de linguagem para descrevê-lo. E jamais menciona de modo claro as razões das ameaças escatológicas que desenvolve. Limita-se a citar genericamente a que pecados corresponderão tais juízos. Nas epístolas que assina, Paulo é muito mais explícito. O crente de Corinto praticara incesto. Fora por isso “entregue a Satanás”. Em Gálatas, ele acrescenta: “De Cristo vos desligastes vós que procurais justificar-vos na lei, da graça decaístes” (Gl 5:4).
Vemos que, em Paulo, o que leva à decadência da graça, ao desligamento de Cristo e à entrega a Satanás é a transmutação da perseverança, a mudança do objeto dela, de Cristo para um pecado ou uma falsa doutrina. Quando a constância deixa de ser em Cristo para se dar no pecado, a condição cristã passa da bênção à reprovação.
Esse é o outro lado da condição cristã, como o Novo Testamento a descreve. Hebreus parece ter sido escrita para corrigir a impressão enganosa de que os cristãos estão imersos numa condição apenas dourada. No entanto, somente quando chegamos a Apocalipse 2 e 3, o lado negro da condição cristã emerge de maneira total.
Nesses capítulos, Jesus dirige-se pessoalmente aos líderes de sete igrejas da Ásia. Usa a palavra anjos para descrevê-los. Em grego, ággelos (anjo) significa emissário. No contexto de Apocalipse, o termo não se refere a seres celestes, mas a homens que levam as cartas às sete igrejas, a verdadeiros líderes cristãos.
Essa interpretação é fortemente fundamentada na visão do capítulo 1 de Apocalipse, em que Cristo caminha no meio dos candeeiros ataviado como Sumo-Sacerdote. Ele próprio afirma que os candeeiros representam as sete igrejas e que as estrelas que leva na mão são os anjos das igrejas (Ap 1:20). Portanto, os anjos são a interpretação de um símbolo (as estrelas). E, como em toda interpretação, a coisa significada pelo símbolo é literal. No caso, é um emissário real, um homem.
Ao final de cada carta de Apocalipse, afirma-se que o Espírito diz aquela palavra “às igrejas”, no plural. Devemos extrair disso que, assim como o Filho faz o que o Pai também faz, o Espírito realiza o que o Filho realiza. Se o Espírito fala às igrejas, o Filho faz exatamente o mesmo. Mas isso cria um contraste com o tratamento na segunda pessoa do singular, que predomina nas sete cartas. Esse tratamento indica que as proposições das cartas não são dirigidas às igrejas, mas a um indivíduo, no caso ao anjo de uma delas.
Em suma, o anjo leva a carta à igreja, mas a carta é sobre ele e sobre a igreja. A situação de cada igreja é sempre descrita, em relação ao seu anjo, assim como a situação de Israel e Judá é descrita em relação aos seus reis, nos livros históricos do Antigo Testamento. Cada carta é um duplo relato, sobre a igreja e seu líder. Necessário nos é discernir o que se refere a um e a outro.
Ao anjo da igreja em Éfeso, Jesus afirmou: “Conheço as tuas obras”. E acrescentou: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te, e volta à prática das primeiras obras; e se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas” (Ap 2:4-5).
Essa palavra não é dita, primariamente, a respeito da igreja, mas de seu anjo. Seria estranho se tivesse sido dita da igreja, pois implicaria um estado espiritual coletivo. Não há tal coisa na Bíblia. Estados espirituais variam de pessoa para pessoa. Não há estados únicos de entidades coletivas. A igreja em Éfeso não perdera o primeiro amor. Seu anjo é que o abandonara.
Diz-se com certa frequência que o anjo ou a igreja cai por "perder" o primeiro amor. Mas ele não perde o primeiro amor: abandona-o. Perder indica algo involuntário. Perdemos um amor, por vermos ou ouvirmos coisas indignas da pessoa amada. Isso é próprio do amor humano. Ele se perde. Porém, nem o amor humano é digno de ser abandonado. Para dizê-lo com as palavras do poeta, ele pode durar um enquanto, por se perder, mas nasceu para ser eterno. Não deve ser abandonado. Abandonar voluntariamente o amor é grave, entre seres humanos, gravíssimo em relação a Deus.
Esse é um exemplo de queda no Novo Testamento. Em muitos aspectos, ele se assemelha à queda espiritual do rei, no Antigo Testamento. A diferença principal é que o rei cai na idolatria; o líder cristão, em outras coisas. Mas cai de toda forma. Sua condição não é intangível, perfeita para sempre. A de ninguém o é.
Os anjos de Éfeso, Pérgamo, Tiatira, Sardes e Laodiceia estavam em estados reprováveis. Não se pode afirmar o mesmo do de Esmirna. E o estado do anjo de Filadélfia era muito positivo. Também desse ponto de vista, não há muita diferença entre os líderes das igrejas e os reis Israel. Há entre eles pessoas aprovadas e reprovadas. Ninguém é aprovado só por ser anjo ou por ser rei.
Cinco de sete líderes de igrejas haviam decaído ou estavam prestes a decair, no primeiro século. Ainda assim, Cristo os tinha seguros na sua mão, como o Sumo-Sacerdote segurava as estrelas no capítulo 1. Essas verdades são contraditórias. Por um lado, Cristo segura os anjos na sua mão. Por outro, eles estão numa condição decaída. O guardar de Cristo é garantia do triunfo final desses líderes. Não é garantia do resultado intermediário favorável. Não garante a incolumidade deles, se fizerem o mal, como as sete epístolas claramente elucidam.
Embora a condição cristã se afaste tanto da dos gentios e dos judeus mergulhados em pecado, há motivos para o cristão temer tanto o castigo de Deus quanto para o gentio e o judeu o fazerem. Temor é uma palavra presente, da primeira à última página das Escrituras. Não há culto a Deus, fora do temor. Todo culto é de homens, e homens temem. Caem, quando deixam de temer. Por isso, cada palavra de Cristo aos anjos aprovados infunde-lhes coragem, mas cada palavra aos decaídos infunde temor.
Porém, do lado negativo, esses tipos têm em comum o divórcio entre o dizer e o fazer. Condenam certas condutas e as praticam: “Tu, ó homem [gentio], que condenas aos que praticam tais coisas e fazes as mesmas, pensas que te livrarás do juízo de Deus?” (2:3). E “tu que tens por sobrenome judeu [...] pregas que não se deve furtar e furtas? Dizes que não se deve cometer adultério e o cometes?” (2:21-22). Assim se descreve a condição do homem religioso, gentio e judeu.
Por sua vez, a condição dos gentios ímpios consiste na idolatria e nos 21 pecados que decorrem dela, encontrados em 1:29-31. Por fim, a dos judeus ímpios é descrita por citações do Antigo Testamento, em 3:10-18. Essas citações são o equivalente judeu da lista de pecados dos gentios no final do capítulo 1.
Paulo nada suaviza, ao tratar de seus concidadãos. Pronuncia sobre eles juízo tão grave quanto o que faz desabar sobre o mundo idólatra. É como um profeta, que profere oráculos que ninguém quer ouvir. Parece-se com Jeremias, que arranca ao rei de Israel a exclamação: “Por que profetizas tu que o Senhor disse que entregaria esta cidade na mão do rei de Babilônia, e ele a tomaria; que Zedequias, rei de Judá, não se livraria das mãos dos caldeus, mas infalivelmente seria entregue nas mãos do rei de Babilônia? [...] e que levaria Zedequias para Babilônia?” (Jr 32:3-4). O rei mandou prender Jeremias por causa dessa pregação.
A palavra profética tem por característica seu nenhum compromisso com o gostar ou o não gostar dos ouvintes. Paulo retoma essa tradição, ao escrever Romanos 1 a 3. Mas, ao tratar de seus compatriotas (assim como dos gregos devotos), omite a idolatria. Ela não é um problema central do judeu, piedoso ou não. Não é um traço que componha a sua condição, como Paulo a descreve. Os judeus têm dois problemas principais: a violência e a morte. Paulo cita cruamente os Salmos, ao descrevê-los:
“Não há justo, nem sequer um, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Sl 14:1-3; 53:1-3). “A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca eles a têm cheia de maldição e de amargura” (Sl 5:9; 140:3; 10:7). “São os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos há destruição e miséria; desconhecem o caminho da paz” (Is 59:7-8). “Não há temor de Deus diante de seus olhos” (Sl 36:1). E, para que ninguém tivesse dúvida de que essas citações se referiam aos judeus, o apóstolo acrescentou: "Ora, sabemos que tudo o que a lei diz aos que vivem na lei o diz" (3:19). Equivale a dizer: tudo o que os versículos acima cravam é para os judeus e somente para eles.
Dos 21 pecados dos gentios, em 1:29-31, somente o homicídio coincide com a violência atribuída aos judeus nos versos acima. Mesmo assim, não é idêntico a ela. É até muito diferente, pois é um pecado interior. Dos gentios Paulo afirma estarem “cheios de todo [...] homicídio”. Mas, em 3:15-17, a violência mencionada é interior e também exterior. É uma violência mais consumada que a dos gentios.
Por que essa violência explícita é típica dos judeus? Paulo não via, nos romanos, um hábito tão arraigado de se exasperar sem motivo e de passar da exasperação ao homicídio quanto observava nos seus irmãos judeus. Os romanos tinham-se dado leis que lhes permitiam derramar sangue apenas por crimes políticos. Os judeus matavam por motivos religiosos bem mais comezinhos.
Não muito depois de Romanos ter sido escrita, a descrição de Paulo se cumpriu de maneira plena, quando os judeus rebelaram-se contra os romanos, trancaram-se em Jerusalém, mataram-se uns aos outros e até comeram cadáveres de conhecidos e familiares. Ter-se-iam mutilado e aniquilado até o último homem, não fosse os romanos terem completado o trabalho, com o objetivo principal de freá-los. Tudo isso ocorreu no cerco de Jerusalém pelos romanos, descrito em detalhes por Flávio Josefo. É um exemplo inequívoco da violência hedionda que segue Israel como a coluna de fogo e a nuvem o acompanharam no deserto.
Infelizmente, essa violência não é só judaica. É monoteísta. No hipódromo de Constantinopla, o Imperador cristão Justiniano matou 30 mil pessoas. O mesmo Justiniano dizimou 100 mil samaritanos. Na Primeira Cruzada, um milhão de pessoas foram mortas. Outro milhão foi sacrificado na Cruzada Albigense. Sem mencionar os milhões de índios e negros mortos ou escravizados pelos cristãos na América. Será preciso multiplicar ainda mais os exemplos para tornar claro que a violência é intrínseca a um tipo de monoteísmo ímpio e diabólico? Será preciso acrescentar as atrocidades dos muçulmanos? Sua presença no noticiário do dia não me dispensa de narrá-las?
A outra característica da condição do judeu ímpio, como Paulo a descreve, é a morte espiritual. Assim como a violência, essa característica recai somente no tipo judeu. “A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca eles a têm cheia de maldição e de amargura”. Quatro órgãos usados para falar são mencionados: a garganta, a língua, os lábios e a boca. Sua relação com a morte espiritual indica que esta se comunica pelas palavras.
Que morte é essa? Não pode ser outra que a de Adão. Paulo liga tanto os judeus como os gentios a Abraão, no capítulo 4. No 5, conecta-os a Adão. Porém, em ambos os casos, a relação do patriarca com os judeus é mais forte do que com os gentios. Estes se ligam a eles, por meio dos judeus, que se conectam diretamente a Adão e a Abraão.
A relação especial dos judeus com Abraão parece óbvia, mas não a de Adão, pois Paulo nos diz que todos (judeus e gentios) morreram, em consequência do pecado de Adão. Mas, se olharmos mais atentamente, veremos que ele traça certas distinções. Diz que “até o regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei” (5:13). E acrescenta que, dentre os que pecaram, só alguns o fizeram “à semelhança da transgressão de Adão” (5:14). Quem recebeu a lei? Não foi Israel? E, na linguagem do apóstolo, essa lei não fez com que o pecado judeu fosse “levado em conta”? Não foi essa uma peculiaridade do povo judeu? E quem pecou semelhantemente a Adão? Não foram, de novo, os judeus, que receberam a lei e a transgrediram, como Adão transgrediu o mandamento que Deus lhe entregou? Os gentios nunca tiveram uma lei divina. De sorte que a morte espiritual, sobrevinda por Adão ter comido da árvore proibida (Gn 2:17), desenvolveu-se de modo particular em Israel.
Paulo apresenta os judeus como campeões da morte espiritual, vinda por meio de Adão. A pecaminosidade gentílica é eminentemente diversificada. Abre-se na multidão de pecados diferentes que Paulo lhes atribui em 1:29-31. Faz lembrar a constatação de Feuerbach de que a consciência pagã é aberta, dispersa, ao passo que a do judeu reúne tudo numa coisa só: em Deus. Assim são também, gentio e judeu, no pecado: o pecado pagão é múltiplo; o judeu se concentra em duas condutas típicas: o derramamento de sangue e a morte espiritual que decorre da desobediência.
Essa apresentação das condições dos quatro tipos de homens, em Romanos 1 a 3, inspira-nos a pergunta: e a condição do cristão? Paulo a descreve? Sim, ele o faz, em todas as suas epístolas. Porém, a descrição que oferece deles é totalmente distinta da que comunica dos judeus e gentios sem Cristo. Tão longe vai Paulo, no seu nutrido otimismo com a nação cristã, que só no caso do homem incestuoso de Corinto pronuncia uma condenação. Entrega-o, como sabemos, “a Satanás”. Mesmo assim, ele o faz com a ressalva de que o espírito do pecador haveria de ser salvo, no dia do Senhor (1 Co 5:5). Precisamos da Epístola aos Hebreus, cuja autoria é desconhecida, para entender que o crente pode perder-se, de alguma maneira e por algum tempo. Enquanto permanecemos apenas com Paulo, isto é, com as epístolas que ele assina, não somos capazes de concluir isso.
Porém, Hebreus se concentra no destino escatológico do cristão decaído. Multiplica figuras de linguagem para descrevê-lo. E jamais menciona de modo claro as razões das ameaças escatológicas que desenvolve. Limita-se a citar genericamente a que pecados corresponderão tais juízos. Nas epístolas que assina, Paulo é muito mais explícito. O crente de Corinto praticara incesto. Fora por isso “entregue a Satanás”. Em Gálatas, ele acrescenta: “De Cristo vos desligastes vós que procurais justificar-vos na lei, da graça decaístes” (Gl 5:4).
Vemos que, em Paulo, o que leva à decadência da graça, ao desligamento de Cristo e à entrega a Satanás é a transmutação da perseverança, a mudança do objeto dela, de Cristo para um pecado ou uma falsa doutrina. Quando a constância deixa de ser em Cristo para se dar no pecado, a condição cristã passa da bênção à reprovação.
Esse é o outro lado da condição cristã, como o Novo Testamento a descreve. Hebreus parece ter sido escrita para corrigir a impressão enganosa de que os cristãos estão imersos numa condição apenas dourada. No entanto, somente quando chegamos a Apocalipse 2 e 3, o lado negro da condição cristã emerge de maneira total.
Nesses capítulos, Jesus dirige-se pessoalmente aos líderes de sete igrejas da Ásia. Usa a palavra anjos para descrevê-los. Em grego, ággelos (anjo) significa emissário. No contexto de Apocalipse, o termo não se refere a seres celestes, mas a homens que levam as cartas às sete igrejas, a verdadeiros líderes cristãos.
Essa interpretação é fortemente fundamentada na visão do capítulo 1 de Apocalipse, em que Cristo caminha no meio dos candeeiros ataviado como Sumo-Sacerdote. Ele próprio afirma que os candeeiros representam as sete igrejas e que as estrelas que leva na mão são os anjos das igrejas (Ap 1:20). Portanto, os anjos são a interpretação de um símbolo (as estrelas). E, como em toda interpretação, a coisa significada pelo símbolo é literal. No caso, é um emissário real, um homem.
Ao final de cada carta de Apocalipse, afirma-se que o Espírito diz aquela palavra “às igrejas”, no plural. Devemos extrair disso que, assim como o Filho faz o que o Pai também faz, o Espírito realiza o que o Filho realiza. Se o Espírito fala às igrejas, o Filho faz exatamente o mesmo. Mas isso cria um contraste com o tratamento na segunda pessoa do singular, que predomina nas sete cartas. Esse tratamento indica que as proposições das cartas não são dirigidas às igrejas, mas a um indivíduo, no caso ao anjo de uma delas.
Em suma, o anjo leva a carta à igreja, mas a carta é sobre ele e sobre a igreja. A situação de cada igreja é sempre descrita, em relação ao seu anjo, assim como a situação de Israel e Judá é descrita em relação aos seus reis, nos livros históricos do Antigo Testamento. Cada carta é um duplo relato, sobre a igreja e seu líder. Necessário nos é discernir o que se refere a um e a outro.
Ao anjo da igreja em Éfeso, Jesus afirmou: “Conheço as tuas obras”. E acrescentou: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te, e volta à prática das primeiras obras; e se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas” (Ap 2:4-5).
Essa palavra não é dita, primariamente, a respeito da igreja, mas de seu anjo. Seria estranho se tivesse sido dita da igreja, pois implicaria um estado espiritual coletivo. Não há tal coisa na Bíblia. Estados espirituais variam de pessoa para pessoa. Não há estados únicos de entidades coletivas. A igreja em Éfeso não perdera o primeiro amor. Seu anjo é que o abandonara.
Diz-se com certa frequência que o anjo ou a igreja cai por "perder" o primeiro amor. Mas ele não perde o primeiro amor: abandona-o. Perder indica algo involuntário. Perdemos um amor, por vermos ou ouvirmos coisas indignas da pessoa amada. Isso é próprio do amor humano. Ele se perde. Porém, nem o amor humano é digno de ser abandonado. Para dizê-lo com as palavras do poeta, ele pode durar um enquanto, por se perder, mas nasceu para ser eterno. Não deve ser abandonado. Abandonar voluntariamente o amor é grave, entre seres humanos, gravíssimo em relação a Deus.
Esse é um exemplo de queda no Novo Testamento. Em muitos aspectos, ele se assemelha à queda espiritual do rei, no Antigo Testamento. A diferença principal é que o rei cai na idolatria; o líder cristão, em outras coisas. Mas cai de toda forma. Sua condição não é intangível, perfeita para sempre. A de ninguém o é.
Os anjos de Éfeso, Pérgamo, Tiatira, Sardes e Laodiceia estavam em estados reprováveis. Não se pode afirmar o mesmo do de Esmirna. E o estado do anjo de Filadélfia era muito positivo. Também desse ponto de vista, não há muita diferença entre os líderes das igrejas e os reis Israel. Há entre eles pessoas aprovadas e reprovadas. Ninguém é aprovado só por ser anjo ou por ser rei.
Cinco de sete líderes de igrejas haviam decaído ou estavam prestes a decair, no primeiro século. Ainda assim, Cristo os tinha seguros na sua mão, como o Sumo-Sacerdote segurava as estrelas no capítulo 1. Essas verdades são contraditórias. Por um lado, Cristo segura os anjos na sua mão. Por outro, eles estão numa condição decaída. O guardar de Cristo é garantia do triunfo final desses líderes. Não é garantia do resultado intermediário favorável. Não garante a incolumidade deles, se fizerem o mal, como as sete epístolas claramente elucidam.
Embora a condição cristã se afaste tanto da dos gentios e dos judeus mergulhados em pecado, há motivos para o cristão temer tanto o castigo de Deus quanto para o gentio e o judeu o fazerem. Temor é uma palavra presente, da primeira à última página das Escrituras. Não há culto a Deus, fora do temor. Todo culto é de homens, e homens temem. Caem, quando deixam de temer. Por isso, cada palavra de Cristo aos anjos aprovados infunde-lhes coragem, mas cada palavra aos decaídos infunde temor.
segunda-feira, 20 de maio de 2013
The Great Parables
The parable of the prodigal son begins with a request that his father would anticipate his inheritance. The anticipation was a legitimate custom, at the time of Jesus. Through it, the hereditary successor received his legal lot before the father's death.
This means that, although conceiving a plan to use the father’s assets to enjoy the pleasures of life, the younger son is not wrong in asking the anticipation. He does not fall into sin just by using or intending to use what the world offers him. "All things are lawful" (1 Cor 6:12; 10:23). Sin arises, it shows its silhouette only when man takes the next step. When he demands what is rightfully his and strays from God. When he turns away, perhaps forever.
The departure from the father's house symbolizes the abandonment of God by the man who lives with him and knows him, though not in a vital way, which is only the way of love. To describe this voluntary abandonment, the parable adds a term which does not appear in the texts of the sheep and of the silver coin, that is, death. More than once, the father says that his son was dead and lived again, got lost and was found (Luke 15:24,32).
Here we have two evils, two consequences of desertion of God by the man who knows him. The first one is death, the other is getting lost. The parables of the sheep and of the coin focus on becoming lost. That of the prodigal son describes death. Presents it as a voluntary separation from God. The son dies while leaving his father, and revives when returns to him.
In Genesis 2, God's word to man who was created to maintain a relationship with him was: "In the day you eat thereof you shall surely die" (Gen. 2:17). In fact, when sinned, Adam and Eve were separated from God's presence. The word of God was dramatically fulfilled in their experience of death as abandonment.
The parable of the prodigal son does not tell us another experience. The drama of the child is much more serious than that of the sheep or of the coin’s owner. It is the greatest tragedy, because it leads not only to deviation, but to death itself. In the parable, death is going to a distant country and adopting a dissolute living, whereby man dissipates himself. No experience deserves more disgusting names, none deserves to be placed under the emblem of death, even of Adam’s death, as much as this one. When chooses to forsake God, no matter he sees him as a living person or as a bundle of obligations, man is over for him.
The Greek word for assets, in Luke 15:12, is generally translated essence. It was a term of deep philosophical significance in the first century. The prodigal son not only squandered his property, but lost his very essence. He dissipated himself. He died the most consummate death, the death that is most up to the name, the death which is separation from God.
And it does not matter which father or God man strays from. To the prodigal son the father of the parable was not quite different from what he was to his second child. He was no sublime figure to any of them. Was rather a bundle of legal obligations, a list of rules to be observed, a dark hell like that of the Brazilian song, thinking about which the son had chills. That father could not be and was not love. So, the son looked for love as far from him as he could. He went into hell in search of the brightest light, not realizing that darkness was not around him, but in his conscience, and would follow him everywhere.
The death of the prodigal son is not only a consequence of the abandonment of the parental home, but of his dissolution. The younger son does not realize he spends himself, when spends his fortune. So famine befalls him. This is the final stage of the soul that exchanges God for delights.
Two ideas occur to the man, in that context: add up to a citizen of the distant country, and return to his father. First, he sets in motion the purpose of joining a local citizen, thus becoming a member of a typical family of the foreign land. On departing from God, the sinner is not content to live as an outsider. He feels the urgency to multiply his aversion towards his father, adding up to a system exactly contrary to the paternal home. He has to demand the interest of his blasphemies at the bank of the world.
The problem is that, despite its brilliance, all that the system can offer is slavery and swine food. In the context of the time, the work to which the son was reduced, the care of pigs, was typical of a slave. It was not paid. Worse, the only wage he received was the husks given to pigs. Incidentally, that retribution was hardly offered him. All the son had was the desire to obtain it. It was a sigh for the beans the pigs received.
If something is hell, this is it. I do not know if some representation of Tartarus, the Greek image of hell, is worse than that. Hardly think so. But in that anticlimax, the son remembers the opposite. Remembers the father's house: "How many of my father's have bread in abundance and I perish here!" (Luke 15:17). He also compares his later state with the one he enjoyed in his father’s house.
Everyone has two and only two choices in life: to embrace the world with the brilliance it has in the beginning and the slavery and pig life of the end, or to live by the word that comes from the mouth of God. Today’s overdeveloped world intoxicates people and causes them to live as if had discovered a third option. To live as if science, technology and democratic institutions had afforded them to detach themselves from God, without falling into a brutal lifestyle. But, as always, the dream of this third position will end in a frenzied longing for pigs beans.
The end of all ages of the world is to embitter. It is to become the maddening desire for swine food. It will not be different when the curtain of time falls over the stage of science, technology and democratic institutions. Blessed is he who regains his sense and realizes it. The Greek New Testament equals this awakening of the man who has got lost to the action of "getting into himself". The son entered himself, so to speak, he regained his sense after having lost it, after having become alienated. In the Bible, to get alienated from God is to get alienated from self. So, for a man to get into himself is what we call conversion. It does not mean to improve behavior. Nor is it a kind of disoriented mystical experience. It is rather the experience of man finding himself and finding God.
Blessed are those that have Moses and the prophets, and not just keep, but hear them. Blessed are those who have the New Testament and listen to it as one who recalls a distant paradise. Blessed are those who hear both the Old and the New Testaments, though in deep doubt. Only when compares his second state with the first, the son is able to reach the third.
Before fulfilling the purpose of returning home, our man conceives the words that will express his bitter regret to his progenitor: "Father, I have sinned against heaven and before you. I am no longer worthy to be called your son; make me like one of your hired servants "(Luke 15:18-19). Rehearses this profession of faith as catechumens learn theirs. But he has learned something quite different. He has learned how to speak it in a grieved way.
And the synthesis minimum of the bitter experience of the son contained in the precarious confession sounded so maximum to his father that he did not allow it come to an end: he threw himself upon his neck, before he concluded the painful words.
The intervention of the father shows that the effectiveness of salvation lies not in formulas that the sinner pronounces, but in the hug with which he is narrowed by God. Theological reasoning tends to associate forgiveness to formulas, but love links it to the embrace. All sins and all sinful life end in the arms of the loving Father, who constantly watches over the horizon.
If there is theology in the Bible, its purpose is not to verbalize what does not fit into words. It is not to give the shape of words to what transcends them. It is only to say that God asks us to embrace him. And to deliver to all the prodigal of the world an invitation to the embrace that forgives the unforgivable debt.
This means that, although conceiving a plan to use the father’s assets to enjoy the pleasures of life, the younger son is not wrong in asking the anticipation. He does not fall into sin just by using or intending to use what the world offers him. "All things are lawful" (1 Cor 6:12; 10:23). Sin arises, it shows its silhouette only when man takes the next step. When he demands what is rightfully his and strays from God. When he turns away, perhaps forever.
The departure from the father's house symbolizes the abandonment of God by the man who lives with him and knows him, though not in a vital way, which is only the way of love. To describe this voluntary abandonment, the parable adds a term which does not appear in the texts of the sheep and of the silver coin, that is, death. More than once, the father says that his son was dead and lived again, got lost and was found (Luke 15:24,32).
Here we have two evils, two consequences of desertion of God by the man who knows him. The first one is death, the other is getting lost. The parables of the sheep and of the coin focus on becoming lost. That of the prodigal son describes death. Presents it as a voluntary separation from God. The son dies while leaving his father, and revives when returns to him.
In Genesis 2, God's word to man who was created to maintain a relationship with him was: "In the day you eat thereof you shall surely die" (Gen. 2:17). In fact, when sinned, Adam and Eve were separated from God's presence. The word of God was dramatically fulfilled in their experience of death as abandonment.
The parable of the prodigal son does not tell us another experience. The drama of the child is much more serious than that of the sheep or of the coin’s owner. It is the greatest tragedy, because it leads not only to deviation, but to death itself. In the parable, death is going to a distant country and adopting a dissolute living, whereby man dissipates himself. No experience deserves more disgusting names, none deserves to be placed under the emblem of death, even of Adam’s death, as much as this one. When chooses to forsake God, no matter he sees him as a living person or as a bundle of obligations, man is over for him.
The Greek word for assets, in Luke 15:12, is generally translated essence. It was a term of deep philosophical significance in the first century. The prodigal son not only squandered his property, but lost his very essence. He dissipated himself. He died the most consummate death, the death that is most up to the name, the death which is separation from God.
And it does not matter which father or God man strays from. To the prodigal son the father of the parable was not quite different from what he was to his second child. He was no sublime figure to any of them. Was rather a bundle of legal obligations, a list of rules to be observed, a dark hell like that of the Brazilian song, thinking about which the son had chills. That father could not be and was not love. So, the son looked for love as far from him as he could. He went into hell in search of the brightest light, not realizing that darkness was not around him, but in his conscience, and would follow him everywhere.
The death of the prodigal son is not only a consequence of the abandonment of the parental home, but of his dissolution. The younger son does not realize he spends himself, when spends his fortune. So famine befalls him. This is the final stage of the soul that exchanges God for delights.
Two ideas occur to the man, in that context: add up to a citizen of the distant country, and return to his father. First, he sets in motion the purpose of joining a local citizen, thus becoming a member of a typical family of the foreign land. On departing from God, the sinner is not content to live as an outsider. He feels the urgency to multiply his aversion towards his father, adding up to a system exactly contrary to the paternal home. He has to demand the interest of his blasphemies at the bank of the world.
The problem is that, despite its brilliance, all that the system can offer is slavery and swine food. In the context of the time, the work to which the son was reduced, the care of pigs, was typical of a slave. It was not paid. Worse, the only wage he received was the husks given to pigs. Incidentally, that retribution was hardly offered him. All the son had was the desire to obtain it. It was a sigh for the beans the pigs received.
If something is hell, this is it. I do not know if some representation of Tartarus, the Greek image of hell, is worse than that. Hardly think so. But in that anticlimax, the son remembers the opposite. Remembers the father's house: "How many of my father's have bread in abundance and I perish here!" (Luke 15:17). He also compares his later state with the one he enjoyed in his father’s house.
Everyone has two and only two choices in life: to embrace the world with the brilliance it has in the beginning and the slavery and pig life of the end, or to live by the word that comes from the mouth of God. Today’s overdeveloped world intoxicates people and causes them to live as if had discovered a third option. To live as if science, technology and democratic institutions had afforded them to detach themselves from God, without falling into a brutal lifestyle. But, as always, the dream of this third position will end in a frenzied longing for pigs beans.
The end of all ages of the world is to embitter. It is to become the maddening desire for swine food. It will not be different when the curtain of time falls over the stage of science, technology and democratic institutions. Blessed is he who regains his sense and realizes it. The Greek New Testament equals this awakening of the man who has got lost to the action of "getting into himself". The son entered himself, so to speak, he regained his sense after having lost it, after having become alienated. In the Bible, to get alienated from God is to get alienated from self. So, for a man to get into himself is what we call conversion. It does not mean to improve behavior. Nor is it a kind of disoriented mystical experience. It is rather the experience of man finding himself and finding God.
Blessed are those that have Moses and the prophets, and not just keep, but hear them. Blessed are those who have the New Testament and listen to it as one who recalls a distant paradise. Blessed are those who hear both the Old and the New Testaments, though in deep doubt. Only when compares his second state with the first, the son is able to reach the third.
Before fulfilling the purpose of returning home, our man conceives the words that will express his bitter regret to his progenitor: "Father, I have sinned against heaven and before you. I am no longer worthy to be called your son; make me like one of your hired servants "(Luke 15:18-19). Rehearses this profession of faith as catechumens learn theirs. But he has learned something quite different. He has learned how to speak it in a grieved way.
And the synthesis minimum of the bitter experience of the son contained in the precarious confession sounded so maximum to his father that he did not allow it come to an end: he threw himself upon his neck, before he concluded the painful words.
The intervention of the father shows that the effectiveness of salvation lies not in formulas that the sinner pronounces, but in the hug with which he is narrowed by God. Theological reasoning tends to associate forgiveness to formulas, but love links it to the embrace. All sins and all sinful life end in the arms of the loving Father, who constantly watches over the horizon.
If there is theology in the Bible, its purpose is not to verbalize what does not fit into words. It is not to give the shape of words to what transcends them. It is only to say that God asks us to embrace him. And to deliver to all the prodigal of the world an invitation to the embrace that forgives the unforgivable debt.
THE GOOD SAMARITAN
For centuries, the road from Jerusalem to Jericho was the most important transport route in Judea. H. B. Tristram described it in the following terms:
"After leaving the poor village of Bethany [beside Jerusalem], we turned left, and the descent became increasingly faster along the rocky steps [...] Two miles before reaching the plain, a canyon widened sharply, and we were dominated by abrupt and jagged cliffs, on the brink of a precipice 500 feet deep, whose wall was perforated by numerous caves [...] And at the base of those cliffs, whence the road winded down to the bottom of the valley, we considered one of the most beautiful sights of Palestine South: a lush forest that had grown after a large brown plain, and finally the Jordan "(TRISTAM. H. B. Cited in The Bible - Land, history and culture of the sacred texts. Lisbon: Del Prado, 1984. Vol. II, p. 184).
Unfortunately, robberies were common in the dusty road to Jericho. The numerous caves mentioned by Tristam served as hideout for thieves, who appeared by surprise to rob and attack travelers. So, Jesus referred to a typical scene of the time, when he pronounced the parable of the good Samaritan:
"A certain man was going down from Jerusalem to Jericho, and he fell among robbers, who having stripped him and beaten him, went away, leaving him half dead. And by coincidence a certain priest was going down on that road: and when he saw him, he passed on the opposite side. And likewise also a Levite, when he came to the place and saw him, passed on the opposite side. But a certain Samaritan, who was journeying, came upon him; and when he saw him, he was moved with compassion; and he came to him and bound up his wounds and poured oil and wine on them. And placing him on his own beast, he brought him to an inn and took care of him. And on the next day he took out two denarii and gave them to the innkeeper and said, Take care of him, and whatever you
"After leaving the poor village of Bethany [beside Jerusalem], we turned left, and the descent became increasingly faster along the rocky steps [...] Two miles before reaching the plain, a canyon widened sharply, and we were dominated by abrupt and jagged cliffs, on the brink of a precipice 500 feet deep, whose wall was perforated by numerous caves [...] And at the base of those cliffs, whence the road winded down to the bottom of the valley, we considered one of the most beautiful sights of Palestine South: a lush forest that had grown after a large brown plain, and finally the Jordan "(TRISTAM. H. B. Cited in The Bible - Land, history and culture of the sacred texts. Lisbon: Del Prado, 1984. Vol. II, p. 184).
Unfortunately, robberies were common in the dusty road to Jericho. The numerous caves mentioned by Tristam served as hideout for thieves, who appeared by surprise to rob and attack travelers. So, Jesus referred to a typical scene of the time, when he pronounced the parable of the good Samaritan:
"A certain man was going down from Jerusalem to Jericho, and he fell among robbers, who having stripped him and beaten him, went away, leaving him half dead. And by coincidence a certain priest was going down on that road: and when he saw him, he passed on the opposite side. And likewise also a Levite, when he came to the place and saw him, passed on the opposite side. But a certain Samaritan, who was journeying, came upon him; and when he saw him, he was moved with compassion; and he came to him and bound up his wounds and poured oil and wine on them. And placing him on his own beast, he brought him to an inn and took care of him. And on the next day he took out two denarii and gave them to the innkeeper and said, Take care of him, and whatever you
spend in addition to this, when I return, I will repay you" (Luke 10:30-35).
The parable was uttered in answer to the interpreter of the law, who had questioned Jesus about whom should be considered man’s neighbor. The answer may seem obvious today, but at that time it was the subject of an intense debate. Rabbis and scribes questioned each other whether the care of neighbors should be extended only to Jews or also to foreigners. And, if it was due also to foreigners, as the Torah established, which variety of people should be included in the concept of non-Jewish? For example, after having departed from the worship in Jerusalem, should the Samaritans still be an object of Jewish solidarity?
In answering the question of his inquirer, Jesus did not refute the notion of proximity based on blood relations, physical neighborhood or religious position (Samaritan, Levite or priest), since a nation needs these criteria to make visible the boundaries of solidarity among its citizens. Showed, however, that human closeness should transcend these criteria to be based mainly on compassion for others in real situations of life.
The need for this teaching may sound strange to us, since we are not used to conceiving priesthood as a cause of solidarity. Why is it necessary to show that a priest is not someone close, if life already teaches so with many examples? If we all know from experience that a priest remains isolated in a temple and away from people’s problems? But, given the context of the time, Jesus had to fight the idea that outward dispositions such as the priestly condition could be enough to warrant proximity to other people.
However, he also showed that the inner criterion of proximity based on compassion was much more important and was not observed by religious Jews. Neither the priest nor the Levite who passed by the place where the traveler was stretched aided him. This indicates that the holders of those offices often neglected their vocation. Compassion had become as strange a feeling for them as it was for the thieves who had left the victim half dead.
However, besides the priest and the Levite, the parable shows a Samaritan who passed by the way, was moved by compassion and rescued the traveler. A Samaritan was the reverse of all that the priesthood represented at that time. Its origin was well known: when the Northern Kingdom was conquered by the Assyrians, the local cities were populated with Israelites and Gentiles from various places. These people gave rise to a mixed population, which adopted a mixed worship, of God and idols.
In the second century B. C., Samaria’s mixed population came into serious conflict with the Jews. And to further complicate the relationship of the two peoples, in year 6 d. C., the Samaritans desecrated the Temple in Jerusalem with human bones. These incidents were so serious that the Gospel of John reports us that, at the time of Jesus, "the Jews had no dealings with the Samaritans" (John 4:9).
The lack of communication is one of the biggest signs of enmity. Enemies do not talk with each other. On the contrary, they hate and, if possible, slay one another. Therefore, more than a heretic, the Samaritan was an incarnation of the Jew's ultimate enemy. This visceral enmity, this dealing determined by man’s most degraded instincts, form the backdrop of the scene. But the Jew robbed, beaten and left half dead was loved by his greatest enemy.
From a cultural standpoint, the Samaritan passerby had no reason to love the half dead Jew, but was moved by tender compassion. The word translated "moved by" originally indicated the viscera of a mother’s body. Indicated, therefore, that the love of the Samaritan was similar to that a mother devoted to her offspring. This is the true and highest response to the legal question "who is my neighbor?"
It is curious that the Samaritan did not love the miserable man, by bringing him home. Nor sought to know who were his relatives or acquaintances. In delivering the parable, Jesus simply left no room for formal relations, for relations that were aged by time. The new wine of love should not be poured into old wineskins, because this would be the same as to waste it. Helping one another is an obligation for relatives. But the good Samaritan rescued by compassion, even by the compassion of a mother for her child. And he did so to his greatest enemy. Drained to the last drop, the hatred of his heart gave way to love, like the wine of the festival, once exhausted, created a new space for the better wine.
The Samaritan’s deep love cannot be likened to the fulfillment of an obligation arising from kinship, professional camaraderie or any other external link. Jesus did not say the Samaritan took the man home and informed his sad state to his relatives. The victim of human lack of loving kindness should not be saved by relatives or friends, since these are not unlike the first wine of the wedding at Cana. He should be saved by the tightening of compassion in the chest of his very enemy.
"And on the next day he took out two denarii and gave them to the innkeeper and said, Take care of him, and whatever you spend in addition to this, when I return, I will repay you" (Luke 10:35). The parable tells us of one nothing and three alls. The victim was robbed of all he owned, except the last thread of life. He was reduced to nothing, but received a second all (all he needed to recover), at the price of all it might cost. These alls came from the same unequivocal source: the ingrained compassion of his former Samaritan enemy.
It is often said that the Samaritan represents Christ. And he undoubtedly does. But I think he also portrays the Gentile enemy of the Jew. From this enmity that rocked the whole Earth on a vertigo, Jesus withdrew his definition of what truly meant to love the neighbor. The definition has little to do with theology, and still less with religion. It has all to do with subversion of enmity by compassion. Like a vulture, love feeds on the corpse of enmity. It sucks its carcass until there are but bones. This is the true love that God and only God can give birth to.
There was no difference between a Samaritan and a Gentile, except the larger hatred that Jews vowed to the first. Thus, the Samaritan was also a Gentile. Ephesians 2:14-15 refers to the wall of separation between Jews and Gentiles. That wall was higher and longer than China’s. Started at Samaria and made the lap of the Earth, imprisoning all men. Until the heretical Samaritan was moved by compassion and began the destruction of the wall.
It has been taught that the inn is the church. For a time, I rebelled against this interpretation, since the inns beside the Jewish roads were places of dubious reputation, which were not rarely crowded with malefactors. But I concluded that, if the hero of the parable is an anti-hero, a picture of the ultimate enemy, the place where the victim convalesces can well be a den of robbers. St. Augustine and many others pointed out that the church on Earth is not only a community of saints. It is also that den. But it must still be recognized as the best place for man beaten by life to recover. In an inhospitable world, though imperfect, the inn is a center of salvation for many.
The scribe who questioned Jesus about love was not himself in a position to love. He believed that love was to greet his neighbor with the word prescribed by law: how could he truly love? He had also been stripped of everything and was half dead. And a half dead man could only love as zombies do. But that zombies’ love, which is based on greeting others with the exact word and telling the acceptable prayer, was nothing more than feeding the deepest enmity. To love truly is to tremble with compassion for others. It is to love with the strength of a will reborn of water and the Spirit.
The need for this teaching may sound strange to us, since we are not used to conceiving priesthood as a cause of solidarity. Why is it necessary to show that a priest is not someone close, if life already teaches so with many examples? If we all know from experience that a priest remains isolated in a temple and away from people’s problems? But, given the context of the time, Jesus had to fight the idea that outward dispositions such as the priestly condition could be enough to warrant proximity to other people.
However, he also showed that the inner criterion of proximity based on compassion was much more important and was not observed by religious Jews. Neither the priest nor the Levite who passed by the place where the traveler was stretched aided him. This indicates that the holders of those offices often neglected their vocation. Compassion had become as strange a feeling for them as it was for the thieves who had left the victim half dead.
However, besides the priest and the Levite, the parable shows a Samaritan who passed by the way, was moved by compassion and rescued the traveler. A Samaritan was the reverse of all that the priesthood represented at that time. Its origin was well known: when the Northern Kingdom was conquered by the Assyrians, the local cities were populated with Israelites and Gentiles from various places. These people gave rise to a mixed population, which adopted a mixed worship, of God and idols.
In the second century B. C., Samaria’s mixed population came into serious conflict with the Jews. And to further complicate the relationship of the two peoples, in year 6 d. C., the Samaritans desecrated the Temple in Jerusalem with human bones. These incidents were so serious that the Gospel of John reports us that, at the time of Jesus, "the Jews had no dealings with the Samaritans" (John 4:9).
The lack of communication is one of the biggest signs of enmity. Enemies do not talk with each other. On the contrary, they hate and, if possible, slay one another. Therefore, more than a heretic, the Samaritan was an incarnation of the Jew's ultimate enemy. This visceral enmity, this dealing determined by man’s most degraded instincts, form the backdrop of the scene. But the Jew robbed, beaten and left half dead was loved by his greatest enemy.
From a cultural standpoint, the Samaritan passerby had no reason to love the half dead Jew, but was moved by tender compassion. The word translated "moved by" originally indicated the viscera of a mother’s body. Indicated, therefore, that the love of the Samaritan was similar to that a mother devoted to her offspring. This is the true and highest response to the legal question "who is my neighbor?"
It is curious that the Samaritan did not love the miserable man, by bringing him home. Nor sought to know who were his relatives or acquaintances. In delivering the parable, Jesus simply left no room for formal relations, for relations that were aged by time. The new wine of love should not be poured into old wineskins, because this would be the same as to waste it. Helping one another is an obligation for relatives. But the good Samaritan rescued by compassion, even by the compassion of a mother for her child. And he did so to his greatest enemy. Drained to the last drop, the hatred of his heart gave way to love, like the wine of the festival, once exhausted, created a new space for the better wine.
The Samaritan’s deep love cannot be likened to the fulfillment of an obligation arising from kinship, professional camaraderie or any other external link. Jesus did not say the Samaritan took the man home and informed his sad state to his relatives. The victim of human lack of loving kindness should not be saved by relatives or friends, since these are not unlike the first wine of the wedding at Cana. He should be saved by the tightening of compassion in the chest of his very enemy.
"And on the next day he took out two denarii and gave them to the innkeeper and said, Take care of him, and whatever you spend in addition to this, when I return, I will repay you" (Luke 10:35). The parable tells us of one nothing and three alls. The victim was robbed of all he owned, except the last thread of life. He was reduced to nothing, but received a second all (all he needed to recover), at the price of all it might cost. These alls came from the same unequivocal source: the ingrained compassion of his former Samaritan enemy.
It is often said that the Samaritan represents Christ. And he undoubtedly does. But I think he also portrays the Gentile enemy of the Jew. From this enmity that rocked the whole Earth on a vertigo, Jesus withdrew his definition of what truly meant to love the neighbor. The definition has little to do with theology, and still less with religion. It has all to do with subversion of enmity by compassion. Like a vulture, love feeds on the corpse of enmity. It sucks its carcass until there are but bones. This is the true love that God and only God can give birth to.
There was no difference between a Samaritan and a Gentile, except the larger hatred that Jews vowed to the first. Thus, the Samaritan was also a Gentile. Ephesians 2:14-15 refers to the wall of separation between Jews and Gentiles. That wall was higher and longer than China’s. Started at Samaria and made the lap of the Earth, imprisoning all men. Until the heretical Samaritan was moved by compassion and began the destruction of the wall.
It has been taught that the inn is the church. For a time, I rebelled against this interpretation, since the inns beside the Jewish roads were places of dubious reputation, which were not rarely crowded with malefactors. But I concluded that, if the hero of the parable is an anti-hero, a picture of the ultimate enemy, the place where the victim convalesces can well be a den of robbers. St. Augustine and many others pointed out that the church on Earth is not only a community of saints. It is also that den. But it must still be recognized as the best place for man beaten by life to recover. In an inhospitable world, though imperfect, the inn is a center of salvation for many.
The scribe who questioned Jesus about love was not himself in a position to love. He believed that love was to greet his neighbor with the word prescribed by law: how could he truly love? He had also been stripped of everything and was half dead. And a half dead man could only love as zombies do. But that zombies’ love, which is based on greeting others with the exact word and telling the acceptable prayer, was nothing more than feeding the deepest enmity. To love truly is to tremble with compassion for others. It is to love with the strength of a will reborn of water and the Spirit.
THE RICH MAN AND LAZARUS
Jesus told his disciples the following story about a rich man and a beggar: "There was a certain rich man, and he clothed himself in purple and fine linen, making merry every day in splendor. And a certain beggar named Lazarus was laid at his gate, covered with sores [...] And the beggar died and he was carried by the angels into Abraham's bosom; and the rich man also died and was buried. And in Hades he lifted his eyes, being in torment, and saw Abraham from afar and Lazarus in his bosom. And he called out and said, Father Abraham, have mercy on me and send Lazarus to dip the tip of his finger in water and cool my tongue because I am in anguish in this flame" (Luke 16:19-20,22-24).
It is sometimes remembered that this story has traits which do not appear in other Gospel parables. It gives names of real people to two of its characters (Lazarus and Abraham) and mentions a specific place where they go after death (hades). This is something to be considered. But Jesus told so many parables and so few stories on real facts of the present that it seems unlikely that the text on Lazarus and the beggar was not one of his allegoric stories.
In fact, as our knowledge of ancient literature grows, the number of texts interpreted as parables increases. And it increases so wildly that, in modern exegesis, the Old Testament proverbs and Jesus’ saying about the unclean spirit who returns to his house are considered parables. Not only them, but many other examples, comparisons, maxims, figurative stories of the Bible also are. And in this transformed picture of the holy texts, there remains little doubt that the story of the rich man and Lazarus should be considered a parable, though of a special kind.
In it, the precise allusions to hades and the after death must be due to the preexistence of teachings about them. They also show that the object of the parable is not the actions of its characters, but precisely those teachings. They are the main symbols employed to indicate spiritual realities. For instance, the rich man’s statements about his eyes, tongue and finger echo the first century belief that the soul survived death. The same is true of the disposition of the two sections of hades, implicit in the statements that the rich man looked up to see Abraham and Lazarus, and that a chasm separated the two sections. These data were part of the teaching about the intermediate state, which was adopted as a symbol of after death's sufferings and rewards.
At the same time, the Pharisaic teaching of the postmortem state also echoed the Bible’s numerous allusions to death as a kind of sleep. If we add the teaching behind those allusions to the representation of hades we see in the parable, the resultant doctrine will be that the intermediate state is totally dominated by creations of the mind, which are similar to dreams. From this viewpoint, the torment of the rich, his visualization of Abraham and Lazarus, the dialogue he held with the first are not real experiences, but imaginative creations of his mind after death.
Jesus referred to all these doctrines and implications of doctrines that circulated at his time, in order to add the teaching that the sort of life the rich man lived filled his mind with thoughts that would later explode in the form of suffering. We are told that the rich man, when alive, saw Lazarus, but did not help him. This was surely his fault. But the verb tense used to describe Lazarus’ lying at the door of the rich man is the pluperfect (“more than perfect” in Greek). That tense was considered a luxury in the language of the New Testament (koiné), for people felt no need of expressing what it was supposed to express (TAYLOR, W. C. Introduction to the study of the Greek New Testament. 6ª ed., Rio de Janeiro: JUERP, 1980. p. 332). Huckabee says the pluperfect used to indicate that both the action and its effect were past (www.palavraprudente.com.br/estudos/dwhuckabee/hermeneutica/ cap05.html). This implies that both the rich man’s action of seeing Lazarus and its effect had ceased at the decisive time of Lazarus' death.
This verb tense is in sharp contrast with the rich man’s habitual feasting, which is indicated by the verb in the imperfect. The imperfect tense conveys the idea of a continuous action, which in the parable is exaggerated by the addition of the expression every day (kat emeran). Rienecker and Rogers explain the meaning of this tense in the following way: “imperfect of habit, [meaning] habitually dressed” (RIENECKER, Fritz and ROGERS, Cleon. Linguistic key to the Greek New Testament. Sao Paulo: Vida Nova, 1988. p. 141).
If all this is right, and we have good reasons to think it may be, the teaching of Jesus is that the action that makes the rich man blamed is not having seen Lazarus at his door in the past, but feasting and merrying continuosly. It is not so much the social aspect of the story, or the man’s relation with Lazarus, but his action of continually directing his whole life to pleasure.
Psalms 73 describes the consequences of such a life: “I was envious of the arrogant, when I saw the prosperity of the wicked. For they have no pangs in their death, and their body is well nourished. They do not find themselves in the hardship of men, nor are they plagued like other men. Therefore pride is a necklace for them, violence covers them like a garment. Their eyes bulge out from fatness; the imaginations of their heart overflow […] And they say, How does God know? And is there knowledge with the Most High? Behold, these are the wicked; and always at ease, they heap up riches” (Psalms 73:3-7,11-12).
When uttered the story about Lazarus, Jesus had just told two other parables of rich men, who were wise and represented God (those of the prodigal son and of the prudent steward). It would be strange to make the man of the third parable evil, just because he was rich. So he was said evil, not because he had much money, but because he lived to pleasures. Jesus also called Mammon unrighteous, in Luke 16:11, not in itself, but because fortunes were usually accumulated by means of unrighteous deeds.
The flame that the rich man mentions in 16:24 appears in other parables. In all of them, it represents judgment. Particularly in the parable of the tares, Jesus says that “the angels will gather the stumbling blocks and those who practice lawlessness, and will cast them into the furnace of fire” (Matthew 13:41-42), and in the text on the great fishing, he again says the angels will cast the evil ones into the furnace of fire, where “there will be weeping and gnashing of teeth" (Matthew 13:50).
Weeping may indicate distress, but also grief or sadness. And the gnashing of teeth sometimes accompanies pain, sometimes anger. So the furnace of Matthew 13:50 can be variously interpreted as a place of suffering and pain or of sadness and anger. In children, crying most commonly relate to suffering, but in adults, it usually indicates sadness. If we understand that the furnace is designed for adults, it is more consistent to interpret crying as a sign of sorrow, and gnashing of teeth as the anger for being disqualified.
So, even in the judgment that will be carried out with the aid of angels, suffering will be a consequence of the state of mind of sinners, represented by the weeping and gnashing of teeth, not something infused into them. How much more in the judgment of the intermediate state portrayed in Luke 16! As in a nightmare produced by the mind packed up with strife and challenges, the wicked will suffer because of their own proud thoughts and of the vain imaginations of their heart.
However, when that happens, the soul starts to judge things under a new light. When saw it was impossible to receive even a water drop from the other part of hades, the rich man asked Abraham to send Lazarus to his five brothers. The plead indicates a change of perspective. It can be argued that the change came too late, but the parable does not develop this point. It rather leaves the question unanswered.
Abraham only said that those who lived like the rich man would not be persuaded, if someone rose from the dead. As we have seen, the life that leads to torment is a consequence of day by day attachment to pleasures. Change of behavior can happen without anyone ressurrecting. Age produces it much more simply. But the weight of sensations, lusts, unbelief and pride cannot be easily removed from the heart. They are like the root of a tree, that remains under the ground, when the leaves and fruits fall. And which causes the tree to awake and bring forth new rotten fruits.
In it, the precise allusions to hades and the after death must be due to the preexistence of teachings about them. They also show that the object of the parable is not the actions of its characters, but precisely those teachings. They are the main symbols employed to indicate spiritual realities. For instance, the rich man’s statements about his eyes, tongue and finger echo the first century belief that the soul survived death. The same is true of the disposition of the two sections of hades, implicit in the statements that the rich man looked up to see Abraham and Lazarus, and that a chasm separated the two sections. These data were part of the teaching about the intermediate state, which was adopted as a symbol of after death's sufferings and rewards.
At the same time, the Pharisaic teaching of the postmortem state also echoed the Bible’s numerous allusions to death as a kind of sleep. If we add the teaching behind those allusions to the representation of hades we see in the parable, the resultant doctrine will be that the intermediate state is totally dominated by creations of the mind, which are similar to dreams. From this viewpoint, the torment of the rich, his visualization of Abraham and Lazarus, the dialogue he held with the first are not real experiences, but imaginative creations of his mind after death.
Jesus referred to all these doctrines and implications of doctrines that circulated at his time, in order to add the teaching that the sort of life the rich man lived filled his mind with thoughts that would later explode in the form of suffering. We are told that the rich man, when alive, saw Lazarus, but did not help him. This was surely his fault. But the verb tense used to describe Lazarus’ lying at the door of the rich man is the pluperfect (“more than perfect” in Greek). That tense was considered a luxury in the language of the New Testament (koiné), for people felt no need of expressing what it was supposed to express (TAYLOR, W. C. Introduction to the study of the Greek New Testament. 6ª ed., Rio de Janeiro: JUERP, 1980. p. 332). Huckabee says the pluperfect used to indicate that both the action and its effect were past (www.palavraprudente.com.br/estudos/dwhuckabee/hermeneutica/ cap05.html). This implies that both the rich man’s action of seeing Lazarus and its effect had ceased at the decisive time of Lazarus' death.
This verb tense is in sharp contrast with the rich man’s habitual feasting, which is indicated by the verb in the imperfect. The imperfect tense conveys the idea of a continuous action, which in the parable is exaggerated by the addition of the expression every day (kat emeran). Rienecker and Rogers explain the meaning of this tense in the following way: “imperfect of habit, [meaning] habitually dressed” (RIENECKER, Fritz and ROGERS, Cleon. Linguistic key to the Greek New Testament. Sao Paulo: Vida Nova, 1988. p. 141).
If all this is right, and we have good reasons to think it may be, the teaching of Jesus is that the action that makes the rich man blamed is not having seen Lazarus at his door in the past, but feasting and merrying continuosly. It is not so much the social aspect of the story, or the man’s relation with Lazarus, but his action of continually directing his whole life to pleasure.
Psalms 73 describes the consequences of such a life: “I was envious of the arrogant, when I saw the prosperity of the wicked. For they have no pangs in their death, and their body is well nourished. They do not find themselves in the hardship of men, nor are they plagued like other men. Therefore pride is a necklace for them, violence covers them like a garment. Their eyes bulge out from fatness; the imaginations of their heart overflow […] And they say, How does God know? And is there knowledge with the Most High? Behold, these are the wicked; and always at ease, they heap up riches” (Psalms 73:3-7,11-12).
When uttered the story about Lazarus, Jesus had just told two other parables of rich men, who were wise and represented God (those of the prodigal son and of the prudent steward). It would be strange to make the man of the third parable evil, just because he was rich. So he was said evil, not because he had much money, but because he lived to pleasures. Jesus also called Mammon unrighteous, in Luke 16:11, not in itself, but because fortunes were usually accumulated by means of unrighteous deeds.
The flame that the rich man mentions in 16:24 appears in other parables. In all of them, it represents judgment. Particularly in the parable of the tares, Jesus says that “the angels will gather the stumbling blocks and those who practice lawlessness, and will cast them into the furnace of fire” (Matthew 13:41-42), and in the text on the great fishing, he again says the angels will cast the evil ones into the furnace of fire, where “there will be weeping and gnashing of teeth" (Matthew 13:50).
Weeping may indicate distress, but also grief or sadness. And the gnashing of teeth sometimes accompanies pain, sometimes anger. So the furnace of Matthew 13:50 can be variously interpreted as a place of suffering and pain or of sadness and anger. In children, crying most commonly relate to suffering, but in adults, it usually indicates sadness. If we understand that the furnace is designed for adults, it is more consistent to interpret crying as a sign of sorrow, and gnashing of teeth as the anger for being disqualified.
So, even in the judgment that will be carried out with the aid of angels, suffering will be a consequence of the state of mind of sinners, represented by the weeping and gnashing of teeth, not something infused into them. How much more in the judgment of the intermediate state portrayed in Luke 16! As in a nightmare produced by the mind packed up with strife and challenges, the wicked will suffer because of their own proud thoughts and of the vain imaginations of their heart.
However, when that happens, the soul starts to judge things under a new light. When saw it was impossible to receive even a water drop from the other part of hades, the rich man asked Abraham to send Lazarus to his five brothers. The plead indicates a change of perspective. It can be argued that the change came too late, but the parable does not develop this point. It rather leaves the question unanswered.
Abraham only said that those who lived like the rich man would not be persuaded, if someone rose from the dead. As we have seen, the life that leads to torment is a consequence of day by day attachment to pleasures. Change of behavior can happen without anyone ressurrecting. Age produces it much more simply. But the weight of sensations, lusts, unbelief and pride cannot be easily removed from the heart. They are like the root of a tree, that remains under the ground, when the leaves and fruits fall. And which causes the tree to awake and bring forth new rotten fruits.
THE GOOD SHEPHERD
In Christian churches, it is almost inconceivable to admit a new member, celebrate a wedding or bury the dead, without the intervention of ordained ministers. Not only because they have greater acquaintance with the word of God, but because of the symbolic role they perform, these leaders are invariably asked to act in the crucial moments of the life of communities. As if the effectiveness of the acts then practiced would be withdrawn or diminished, if they did not intervene in some way.
We may feel uncomfortable with this way of thinking, but the fact is that dependence on traditional leadership is based on very deep reasons. Building the cohesion of groups by the intrinsic eminence of their leaders is an ancestral human habit. The words leader, leadership and authority are true euphemisms in this matter. They conceal much cruder realities and obscure the fact that the cohesion of communities is often kept by the mere power of a leader over all other people.
It is not different in the church. Throughout History, Christian unity has always depended on the power wielded by three types of leaders: the hierarch, the pastor and the icon. The first one is the typical Catholic or Orthodox clergyman, who is moved by the weight of the ecclesiastical structure he is part of. The second one is the Protestant leader, whose main function is to teach and preach the word of God. By working more with the word, the pastor has a kind of power which is more symbolic than coercive. Finally, the icon is a charismatic figure, around which a splinter group of autonomous believers is formed within or without formal Chistianity. The most outstanding Augustinians, Franciscans, Dominicans, Jesuits, Salesians, Presbyterians, Methodists, Mormons in History are examples of this last kind of leaders. While the power of pastors springs from the position they hold, the authority of the great icons springs from themselves, their personal history and predicates.
It cannot be denied that the action of these leaders is what prevents the church from disassembling into a multitude of disconnected cells. This shows that, while recognizing the word of God as its only foundation, the church lives in constant contradiction with it. If the word were the church's sole support, in practice as it is in doctrine, it would not tend to dissolve in disconnected cells, because its leaders fail to exercise their traditional roles. So, at a time, the church is based on the word of God and maintains its cohesion through traditional leadership.
This contradiction is a tremendous dilemma, in which the church is immersed. It may be said one of her most prominent historical problems. In the parable of the good shepherd, Jesus addressed the dilemma bluntly and without mitigations. It seems the parable was uttered to show that Jesus introduced a new kind of authority (that of the good shepherd), which has little in common with the three types of regular religious leaders.
Jesus first compared the behaviors of the shepherd and the thief of the sheep. While the former promotes the cohesion of the flock by his voice, the second does his works by violent means. The pastor goes to the watchman, who opens the door of the corral to him, but the robber scales on the other side, in search of an opening through which he enters to steal the sheep. As he cannot lead them by his voice, the thief needs to beat the sheep to remove them from the fold. And in doing so, he comes to kill some. Still other times, he destroys corral in order to remove the sheep. That is why the text says the thief comes to kill, steal and destroy.
However, among all the differences discussed so far, the one that reveals the intrinsic character of the relationship of the shepherd with the sheep is the voice he directs to them and through which he commands them. This voice is heard and recognized by the sheep. The talk of the robber is not. When entering the fold, the thief tries to lead the sheep with his voice, but they not recognize it.
We may feel uncomfortable with this way of thinking, but the fact is that dependence on traditional leadership is based on very deep reasons. Building the cohesion of groups by the intrinsic eminence of their leaders is an ancestral human habit. The words leader, leadership and authority are true euphemisms in this matter. They conceal much cruder realities and obscure the fact that the cohesion of communities is often kept by the mere power of a leader over all other people.
It is not different in the church. Throughout History, Christian unity has always depended on the power wielded by three types of leaders: the hierarch, the pastor and the icon. The first one is the typical Catholic or Orthodox clergyman, who is moved by the weight of the ecclesiastical structure he is part of. The second one is the Protestant leader, whose main function is to teach and preach the word of God. By working more with the word, the pastor has a kind of power which is more symbolic than coercive. Finally, the icon is a charismatic figure, around which a splinter group of autonomous believers is formed within or without formal Chistianity. The most outstanding Augustinians, Franciscans, Dominicans, Jesuits, Salesians, Presbyterians, Methodists, Mormons in History are examples of this last kind of leaders. While the power of pastors springs from the position they hold, the authority of the great icons springs from themselves, their personal history and predicates.
It cannot be denied that the action of these leaders is what prevents the church from disassembling into a multitude of disconnected cells. This shows that, while recognizing the word of God as its only foundation, the church lives in constant contradiction with it. If the word were the church's sole support, in practice as it is in doctrine, it would not tend to dissolve in disconnected cells, because its leaders fail to exercise their traditional roles. So, at a time, the church is based on the word of God and maintains its cohesion through traditional leadership.
This contradiction is a tremendous dilemma, in which the church is immersed. It may be said one of her most prominent historical problems. In the parable of the good shepherd, Jesus addressed the dilemma bluntly and without mitigations. It seems the parable was uttered to show that Jesus introduced a new kind of authority (that of the good shepherd), which has little in common with the three types of regular religious leaders.
Jesus first compared the behaviors of the shepherd and the thief of the sheep. While the former promotes the cohesion of the flock by his voice, the second does his works by violent means. The pastor goes to the watchman, who opens the door of the corral to him, but the robber scales on the other side, in search of an opening through which he enters to steal the sheep. As he cannot lead them by his voice, the thief needs to beat the sheep to remove them from the fold. And in doing so, he comes to kill some. Still other times, he destroys corral in order to remove the sheep. That is why the text says the thief comes to kill, steal and destroy.
However, among all the differences discussed so far, the one that reveals the intrinsic character of the relationship of the shepherd with the sheep is the voice he directs to them and through which he commands them. This voice is heard and recognized by the sheep. The talk of the robber is not. When entering the fold, the thief tries to lead the sheep with his voice, but they not recognize it.
By this observation about the voice, Jesus wanted to show that the essential function of the pastor of souls is to speak the word of God. The pastor is not obeyed by the use he makes of the stick, but by his handling of the word. This particular timbre, that he and only he delivers, is unmistakable. By it, the parable indicates that, in the kingdom of God, something different takes place: the aggregation of the flock of God starts to depend more on the echo of the divine word in the hearts of people than on the mechanisms of cohesion based on the three types of traditional power (coercive, symbolic and personal).
No statement could express this better than "All who came before me are thieves and robbers" (John 10:8). The words "before me" do not have a chronological meaning. Otherwise, all leaders of the Old Testament should be considered thieves. The words point to a subjective experience. They really mean “before meeting me” in a personal way. No matter they are leaders of other religions, hierarchs, pastors or Christian icons, those who guide the sheep without being guided by this experience are not good shepherds.
However, we should not understand the good shepherd only by the ideal of love he represents. The ancient figure of the herdsman did not represent only love, but also physical might. Revelation 2:26-27 gives us a good description of this aspect of the shepherd: “He who overcomes and he who keeps my words until the end, to him I will give authority over the nations; and he will shepherd them with an iron rod, as vessels of pottery are broken in pieces”.
These verses refer to the ancient ideal of the king-shepherd, of the king who exercised authority by shepherding. They show very strongly that the idea of a shepherd was not of an ever peaceful person. In Revelation 2, authority and shepherding are parallel words with parallel meanings: “I will give him authority over the nations”, and: “He will shepherd them”. How will he shepherd? The verse says he will break them into pieces with an iron rod.
A surprising feature of Jesus’ words to the angels of the seven churches, in Revelation 2 and 3, is not that they contradict those of the loving Jesus of the Gospels, but that they show the demanding face of such lovingness. “As many as I love I reprove and discipline” (Revelation 3:19). Love is not only love. It is also discipline and correction. Therefore, shepherding is not only caring, but also breaking in pieces.
It is true that sheep do not need to be broken in pieces, but nations do. So, Christian leaders must learn to be shepherds in both senses. They must not be fools, but know that the two kinds of sherperding are one in principle, and that the difference between them has to do only with the degree in which each one shows the mild and the stern faces of love.
The philosopher Friedrich Nietzsche accused Christianity and Christ himself of disseminating such values as love and compassion, which imply the praise of weakness. He thought those values would bring civilization to collapse. But he did not see that Christ’s love is a two-faced animal. It has an aspect of tenderness and another of discipline and force.
But starting from verse 12 of John 10, Jesus referred to yet another symbolic character: the mercenary. "The hireling and not the shepherd, whose own the sheep are not, sees the wolf coming and leaves the sheep and flees, and the wolf snatches them and scatters them" (John 10:12).
The hireling does almost everything the good shepherd does: addresses the doorman, enters the sheepfold through the door, talks to the sheep and is recognized, leads them to the pasture and collects them back at the end of the day. The difference between the two is manifested only when the wolf comes. On that extreme occasion, the hireling flees, the good shepherd gives his life for the sheep.
The pair shepherd-mercenary shows that the first one is not only different from those who lead by power, but also from those who lead by the word, but based on the wrong reason. Such is the attitude of the mercenary. His problem is not what he does to the sheep, but the motivation by which he leads them. The mercenary does all he is supposed to do, but he does so with a view to the money he receives. All the time, he thinks in himself and not in the sheep. When the final proof comes, the money he gets is no sufficient motive for him to protect the sheep. So he abandons them.
The parable of the good shepherd encloses and besieges all kinds of misconceptions on traditional leadership. Unfortunately, we usually read it as if it made reference to a problem of Judaism or of heretics. It is difficult for us to acknowledge that traditional Christian models of authority also follow the exact pattern the parable combats. And it is even more difficult to cut relations with that pattern.
The traditional and the new leaderships are rooted in the hearts of individual Christians, as well as in the church. In the hearts, they stare one another, as two Titans before battle. One of the Titans wants to guide the sheep by his stick, the other by his voice. The first one directs the sheep, but is himself directed by an ancestral habit of power. The other guides them because his infinite love has freed him from that very habit. And the saying entirely applies to the impasse thus formed: "No one can serve two masters."
THE SOWER
The longest sequence of parables of Jesus is found in Matthew 13. It opens with the story of the sower and ends with a short saying about the father who takes new and old things from his deposit. A common feature of most parables of the sequence is representing the kingdom of heaven by agricultural practices. That is what we see in the texts on the sower, the wheat and the tare, the grain of mustard, the leaven and the flour.
In his wisdom, the sower does not throw the grains only on good ground, but also by the roadside and on the ground that has thorns and stones. And he does not do it carelessly. The parable does not give the smallest hint that the farmer sows all these various soils by chance. No word indicates that some grains fall from his hands on the wayside and others are voluntarily thrown on the good soil. The same words are used to describe both acts of sowing.
And it is easy to understand why, when we turn to the agricultural practices of Ancient Palestine. The theologian Joachim Jeremias wrote in his famous book on the parables: "The sower walks on a field that was not yet plowed [...] He sows on purpose on the path that the villagers opened through the stubble field, because this path will be plowed together with the rest of the ground. He also seeds on purpose among parched thorns of the uncultivated land, because they will also be included in the plowing. And the grains that fall on the stony ground should not surprise us, for the limestone [...] does not stand out of the field that was not plowed until the ploughshare, creaking, strikes against it" (JEREMIAH,
In his wisdom, the sower does not throw the grains only on good ground, but also by the roadside and on the ground that has thorns and stones. And he does not do it carelessly. The parable does not give the smallest hint that the farmer sows all these various soils by chance. No word indicates that some grains fall from his hands on the wayside and others are voluntarily thrown on the good soil. The same words are used to describe both acts of sowing.
And it is easy to understand why, when we turn to the agricultural practices of Ancient Palestine. The theologian Joachim Jeremias wrote in his famous book on the parables: "The sower walks on a field that was not yet plowed [...] He sows on purpose on the path that the villagers opened through the stubble field, because this path will be plowed together with the rest of the ground. He also seeds on purpose among parched thorns of the uncultivated land, because they will also be included in the plowing. And the grains that fall on the stony ground should not surprise us, for the limestone [...] does not stand out of the field that was not plowed until the ploughshare, creaking, strikes against it" (JEREMIAH,
Joachim. Parables of Jesus. São Paulo: Paulinas, 1976The custom mentioned by Jeremiah is exactly opposite to modern agricultural practices. Today’s farmers first plow, then sow. At the time of Jesus, the husbandmen first sowed, then plowed. And when they sowed, they turned the precarious ways of the field into farm. They also did not take in account if some parts of the field had rocks or thorns, for the plough would latter prepare them to grow plants.
We are used to hearing and repeating that the three kinds of soil that did not bring forth fruits are negative, if not cursed, but Jesus taught another thing. He meant he did not carry out his mission as a sower with partiality. He did not go into the world saying "yes to this, no to that, yes to this, no to that". On the contrary, he brought the kingdom of heavens to all types of men. The fact that some soils did not bring forth fruits does not mean they were to be rejected. According to the agricultural practice of the time, they were not. Rather, when the next sowing season came, they would receive new seeds and be ploughed again. Maybe they would grow the expected vegetables, maybe not. If they did not, they would still be sown again.
This is the meaning of the parable strictly speaking. It has been expounded several times, though in a way that excludes the chance of the three bad soils coming to produce fruit. The deficiencies of the three soils are indeed obvious and should not be denied. But we must also learn the lesson implicit in the agricultural methods of the time that they would be sown and ploughed again and again in the future. This is the strict meaning of the sower`s story.
But the parable also has a broad meaning, which Jesus expounded when the disciples asked him "Why do you speak in parables to them?" (Matthew 13:10). It is meaningful that this question is connected to the parable in all three synoptic Gospels, though Mark and Luke present it differently from Matthew. Mark says: "When He was alone, those around Him, with the twelve, asked Him about the parables" (Mark 4:10). In Luke we read: "His disciples questioned Him as to what this parable [the sower's] might be" (Luke 8:9).
In all cases, Jesus answered that "to you it has been given to know the mysteries of the kingdom of the heavens, but to them [the crowds] it has not been given" (Matthew 13:11). And in all three Gospels the quote from Isaiah was added: "In them the prophecy of Isaiah is being fulfilled, which says, In hearing you shall hear and by no means understand, and seeing you shall see and by no means perceive. For the heart of this people has become fat, and with their ears they have heard heavily, and their eyes have closed, lest they perceive with their eyes and hear with their ears and understand with their heart, and they turn around, and I will heal them" (Matthew 13:14-15).
These last words are not only a teaching about parables, but about the parable of the sower in particular. They unveil that Jesus’ ministry brought in the terrible crisis Isaiah had predicted. From the viewpoint of the prophetic ministry which was Isaiah's, nothing could be more dramatic than people hear and do not understand, see and do not perceive. No crisis could be more extreme than the one that led God to harden people's heart, so that they did not understand what was preached to them. That was the consummate denial of the prophetic ministry and its total failure.
It is astonishing that, in John 12:12, the crowd of Matthew reappears. And so does the grain of wheat, in John 12:24, which is again said to fall on the ground and bear much fruit: "Truly, truly I say to you, Unless the grain of wheat falls into the ground and dies, it abides alone, but if it dies, it bears much fruit". These verses are the parable repeated in all that concerns the good land. And the prophecy of Isaiah is also seen once more: "That the word of the prophet Isaiah which he said might be fulfilled [...] He has blinded their eyes and He hardened their heart" etc. (John 12:38,40).
John 12 really shows that the parable of the sower remained in the heart of Jesus much after he taught it in Matthew 13. But in both passages it may be read as a disclosure of the Jews' negative situation. And it truly is, but not only. It is even more a teaching about the solution of the problem of the people's hardening. Throughout the Bible, we see the children of Israel being unfaithful and God being faithful, up to a point when God gets tired of them and abandons them. Not few times, this abandonment seems to be definite and irreversible. In all this, God's feelings seem like those of the best men, who can be faithful and loyal to other people, but not indefinitely. For men, the time always comes when they leave those who are unfaithful and disloyal to them.
These feelings that God has in common with men explain much of the judgment and of the suffering we find in human life. But the Bible shows that God also has feelings that are quite different from man's. And that these different feelings are God's last word to man. As Jeremiah wrote: "If a man divorces his wife and she goes from him and becomes another man`s wife, will he return to her again? Will not that land be utterly polluted? But you have committed fornication with many lovers. Yet return to Me, declares Jehovah" (Jer 3:1). And Isaiah: "For a short moment I forsook you, but with great compassion I will gather you. In a flood of wrath I hid my face from you for a moment, but with eternal lovingkindness I will have mercy on you, says Jehovah your Redeemer. For this is like the waters of Noah to Me, when I swore that the waters of Noah would not overflow the earth ever again, so I have sworn that I will not be angry with you, nor will I rebuke you. For the mountains may depart, and the hills may shake, but my lovingkindness will not depart from you, and my covenant of peace will not shake" (Isa 54:7-10).
The dying of the grain and its bearing much fruit are the symbols of God`s unchanging mercy towards men. They are no longer the problem that Isaiah presented, but its solution, the fulfillment of Isaiah`s words of peace to Israel. The parable of the sower was pronounced to bring in the solution. "The seed is the word of God" (Luke 8:11), said Jesus. When the word falls in the heart and dies, which means is opened up, the power of its life fully renews man.
But how we want the word to be sown only in one kind of people! How we want all believers to be alike! And how we also want the seed to grow into tree right away! We want to convince people and vanquish their understanding immediately. Thus we transform the preaching of the gospel in conflict, in an effort to disintegrate ways of thinking, feeling and acting. Such are the Crusades we see in today's Christian world.
Jesus did nothing comparable to this. He was and still is a mere sower. Two thousand years ago, he launched the grains to the soil. And as a good sower, he left all the rest to nature. That means to the nature of the word and of the heart. God's plan of salvation and lovingkindness is not implanting trees, but this grain of the word in the heart. And in spite of all the discrimination of men, in the heart does not mean in a certain kind of heart or in a certain standard of men, but in all kinds of hearts and in all kinds of men.
We are used to hearing and repeating that the three kinds of soil that did not bring forth fruits are negative, if not cursed, but Jesus taught another thing. He meant he did not carry out his mission as a sower with partiality. He did not go into the world saying "yes to this, no to that, yes to this, no to that". On the contrary, he brought the kingdom of heavens to all types of men. The fact that some soils did not bring forth fruits does not mean they were to be rejected. According to the agricultural practice of the time, they were not. Rather, when the next sowing season came, they would receive new seeds and be ploughed again. Maybe they would grow the expected vegetables, maybe not. If they did not, they would still be sown again.
This is the meaning of the parable strictly speaking. It has been expounded several times, though in a way that excludes the chance of the three bad soils coming to produce fruit. The deficiencies of the three soils are indeed obvious and should not be denied. But we must also learn the lesson implicit in the agricultural methods of the time that they would be sown and ploughed again and again in the future. This is the strict meaning of the sower`s story.
But the parable also has a broad meaning, which Jesus expounded when the disciples asked him "Why do you speak in parables to them?" (Matthew 13:10). It is meaningful that this question is connected to the parable in all three synoptic Gospels, though Mark and Luke present it differently from Matthew. Mark says: "When He was alone, those around Him, with the twelve, asked Him about the parables" (Mark 4:10). In Luke we read: "His disciples questioned Him as to what this parable [the sower's] might be" (Luke 8:9).
In all cases, Jesus answered that "to you it has been given to know the mysteries of the kingdom of the heavens, but to them [the crowds] it has not been given" (Matthew 13:11). And in all three Gospels the quote from Isaiah was added: "In them the prophecy of Isaiah is being fulfilled, which says, In hearing you shall hear and by no means understand, and seeing you shall see and by no means perceive. For the heart of this people has become fat, and with their ears they have heard heavily, and their eyes have closed, lest they perceive with their eyes and hear with their ears and understand with their heart, and they turn around, and I will heal them" (Matthew 13:14-15).
These last words are not only a teaching about parables, but about the parable of the sower in particular. They unveil that Jesus’ ministry brought in the terrible crisis Isaiah had predicted. From the viewpoint of the prophetic ministry which was Isaiah's, nothing could be more dramatic than people hear and do not understand, see and do not perceive. No crisis could be more extreme than the one that led God to harden people's heart, so that they did not understand what was preached to them. That was the consummate denial of the prophetic ministry and its total failure.
It is astonishing that, in John 12:12, the crowd of Matthew reappears. And so does the grain of wheat, in John 12:24, which is again said to fall on the ground and bear much fruit: "Truly, truly I say to you, Unless the grain of wheat falls into the ground and dies, it abides alone, but if it dies, it bears much fruit". These verses are the parable repeated in all that concerns the good land. And the prophecy of Isaiah is also seen once more: "That the word of the prophet Isaiah which he said might be fulfilled [...] He has blinded their eyes and He hardened their heart" etc. (John 12:38,40).
John 12 really shows that the parable of the sower remained in the heart of Jesus much after he taught it in Matthew 13. But in both passages it may be read as a disclosure of the Jews' negative situation. And it truly is, but not only. It is even more a teaching about the solution of the problem of the people's hardening. Throughout the Bible, we see the children of Israel being unfaithful and God being faithful, up to a point when God gets tired of them and abandons them. Not few times, this abandonment seems to be definite and irreversible. In all this, God's feelings seem like those of the best men, who can be faithful and loyal to other people, but not indefinitely. For men, the time always comes when they leave those who are unfaithful and disloyal to them.
These feelings that God has in common with men explain much of the judgment and of the suffering we find in human life. But the Bible shows that God also has feelings that are quite different from man's. And that these different feelings are God's last word to man. As Jeremiah wrote: "If a man divorces his wife and she goes from him and becomes another man`s wife, will he return to her again? Will not that land be utterly polluted? But you have committed fornication with many lovers. Yet return to Me, declares Jehovah" (Jer 3:1). And Isaiah: "For a short moment I forsook you, but with great compassion I will gather you. In a flood of wrath I hid my face from you for a moment, but with eternal lovingkindness I will have mercy on you, says Jehovah your Redeemer. For this is like the waters of Noah to Me, when I swore that the waters of Noah would not overflow the earth ever again, so I have sworn that I will not be angry with you, nor will I rebuke you. For the mountains may depart, and the hills may shake, but my lovingkindness will not depart from you, and my covenant of peace will not shake" (Isa 54:7-10).
The dying of the grain and its bearing much fruit are the symbols of God`s unchanging mercy towards men. They are no longer the problem that Isaiah presented, but its solution, the fulfillment of Isaiah`s words of peace to Israel. The parable of the sower was pronounced to bring in the solution. "The seed is the word of God" (Luke 8:11), said Jesus. When the word falls in the heart and dies, which means is opened up, the power of its life fully renews man.
But how we want the word to be sown only in one kind of people! How we want all believers to be alike! And how we also want the seed to grow into tree right away! We want to convince people and vanquish their understanding immediately. Thus we transform the preaching of the gospel in conflict, in an effort to disintegrate ways of thinking, feeling and acting. Such are the Crusades we see in today's Christian world.
Jesus did nothing comparable to this. He was and still is a mere sower. Two thousand years ago, he launched the grains to the soil. And as a good sower, he left all the rest to nature. That means to the nature of the word and of the heart. God's plan of salvation and lovingkindness is not implanting trees, but this grain of the word in the heart. And in spite of all the discrimination of men, in the heart does not mean in a certain kind of heart or in a certain standard of men, but in all kinds of hearts and in all kinds of men.
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