sexta-feira, 6 de julho de 2012

A Grande Ceia

Na parábola da grande ceia, um homem chama muitos conhecidos para comerem na sua casa, mas todos declinam do convite. Sem alternativa, posto que a ceia está pronta, ele manda um servo buscar miseráveis, nas ruas e becos da cidade, e os que estão nos caminhos e valados do campo, para participarem da festa. Assim, o grande banquete se realiza com convidados de última hora.
Já se propôs que os convidados iniciais do banquete representam os líderes religiosos judeus, que não aceitaram o evangelho, os miseráveis simbolizam os judeus aflitos das classes mais baixas, e as pessoas trazidas do campo, os gentios. A interpretação parece acertada. Porém, a parábola não sugere que a salvação dependa da classe social ou da nacionalidade dos ouvintes do evangelho. Sugere ao contrário que ela depende apenas da atitude espiritual das pessoas.
Os líderes religiosos da época de Jesus, assim como o fariseu que o convidou à sua casa, são geralmente descritos como pessoas com o coração fechado ao evangelho. No entanto, a parábola os retrata como amigos do dono da casa. Talvez até como íntimos dele. Nessa condição, eles não entram em litígio com a personagem central, não maltratam os servos que ela lhes envia, nem se opõem à realização da festa, somente apresentam desculpas para não comparecerem. Do ponto de vista histórico, essa é a atitude dos líderes judeus para com o evangelho.

“No texto de Lucas, a salvação não se opõe a uma perdição. Os convidados que não comparecem à ceia prejudicam-se com esse ato, mas não são punidos por ele. O dono da casa se limita a dizer que ‘nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia’.”

A parábola não sugere que os líderes judeus se tornaram inimigos do dono da casa ou foram punidos, por não terem aceito o convite dele. Pelo contrário, o caráter judicial típico da pregação do evangelho, nos nossos dias, é totalmente estranho ao texto de Lucas. Nele, a salvação não se opõe a uma perdição. Os convidados que não comparecem à ceia prejudicam-se com esse ato, mas não são punidos por ele. O dono da casa se limita a dizer que “nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia” (Lc 14:24).
Por não se revestir de sentido judicial, a oferta de salvação aos líderes judeus é assemelhada a um convite, não a um mandamento. Um convite pode ser legitimamente aceito ou recusado. Em nenhum desses casos, o convidado transgride uma norma ou pratica um ato passível de punição. Menos ainda o fazem os pobres, paralíticos, cegos e coxos da parábola, que aceitam o convite.
Pode-se, então, perguntar por que Jesus afirmou que “quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado” (Mc 16:15-16). Penso que essa apresentação acentuadamente judicial do evangelho só se aplica aos integrantes do terceiro grupo, sobre os quais o anfitrião afirma: “Sai pelos caminhos e valados, e obriga-os a entrar” (Lc 14:23). Só o verbo obrigar, empregado nesse versículo, traz implícita a possibilidade do uso de força ou mesmo de punições.
Se considerarmos que as parábolas de Jesus sempre partem de costumes e crenças correntes no primeiro século, teremos de perguntar que prática era a de obrigar pessoas desconhecidas a realizarem determinadas tarefas. Talvez fosse a prática a que os romanos recorreram, ao obrigarem Simão Cireneu a carregar a cruz de Cristo. A imposição de pequenos atos compulsórios, a escravos ou servos de outras pessoas, era admitida em certas situações. É possível que Simão fosse um servo e, por isso, retornasse do campo, quando foi obrigado a realizar um trabalho gratuito para os romanos (Mc 15:21; Lc 23:26). De modo não muito distinto, o homem da parábola obrigou pessoas estranhas a comparecerem ao banquete em sua casa.
Mas por que os convivas foram tratados de modos tão diferentes? O contexto da história o explica: os que não foram à ceia conheciam o anfitrião; o mesmo se pode concluir a respeito dos miseráveis buscados nas ruas. Porém, o terceiro grupo foi buscado fora da cidade. Portanto, era composto por desconhecidos, que não queriam ir à festa.
As diferentes maneiras de chamar os três grupos nos lembram que a pregação do evangelho não tem o mesmo sentido para todas as pessoas. Em Marcos 16:15-16, Jesus enviou seus discípulos a nações que não o conheciam, nem conheciam o Deus de Israel. Isso explica os termos severos empregados para caracterizar a pregação a elas. Porém, em outras passagens, ele recomendou que a pregação se fizesse em termos muito diferentes, o que raramente é lembrado.
Contra essa clara modulação da pregação nos Evangelhos, quanta homogeneidade, quanta indiferenciação se percebem na pregação de hoje! Tornou-se costume anunciar a mensagem de Cristo da mesma maneira a todas as pessoas. E o pior é que a maneira é quase sempre a judicial. Quantas pessoas não são convidadas, mas constrangidas e ameaçadas, sem necessidade, para comparecerem ao banquete de Deus.
“Quem não crer será condenado”: este parece ser o anúncio que restou para os cristãos divulgarem ao mundo. O anúncio tem seu lugar e sua hora, mas não pode ser interpretado como uma condenação ao suplício eterno pronunciada em razão de uma abstenção, um não-fazer ou não-crer.