terça-feira, 31 de julho de 2012

A Etapa Individual da Edificação

A edificação e a restauração da igreja constituem tarefas coletivas. No entanto, as Escrituras sempre fundam o coletivo no individual, não o contrário. Efésios 4:16 afirma que a edificação do corpo de Cristo ocorre “segundo a justa cooperação de cada parte”. 1ª de Pedro 2:5, por sua vez, acrescenta que “como pedras vivas” é que “somos edificados casa espiritual”. Tanto a justa cooperação de cada um como a condição de pedra viva são pessoais, o que indica que não há edificação com desrespeito à constituição individual do ser humano.
A parábola do homem que construiu sua casa sobre a rocha ensina como se dá essa edificação: “Todo aquele que vem a mim e ouve as minhas palavras e as pratica, eu vos mostrarei a quem é semelhante. É semelhante a um homem prudente que, edificando uma casa, cavou, abriu profunda vala e lançou o alicerce sobre a rocha; e, vindo a enchente, arrojou-se o rio contra aquela casa e não a pôde abalar, por ter sido bem construída. Mas o que ouve e não pratica é semelhante a um homem que edificou uma casa sobre a terra sem alicerces, e arrojando-se o rio contra ela, logo desabou; e aconteceu que foi grande a ruína daquela casa” (Lc 6:47-49).
Pouco antes de Jesus nascer, Herodes, o Grande, deflagrou o maior surto de construções da História da Palestina até então. A enorme quantidade de edifícios públicos erguida por aquele rei produziu um aumento nunca antes visto do fluxo de riquezas para a Palestina e fez crescer consideravelmente o número de pessoas abastadas na população. Esse fluxo levou à edificação de construções particulares ainda mais numerosas, pelos trabalhadores envolvidos nos empreendimentos públicos, até a grande catástrofe do ano 70, causada pelas pretensões desmedidas da classe rica em expansão, como Josefo bem esclarece.
Nesse contexto, construções sólidas e defeituosas encheram a paisagem da Terra Santa. Não foram poucos os desabamentos de residências e pequenas construções causados pelo mau emprego da arte da edificação. Por ter sido um tekton (carpinteiro ou pedreiro em grego), Jesus deve ter-se engajado pessoalmente no surto de construções da época e adquirido um conhecimento bastante especializado sobre ele. Esse conhecimento foi resumido na afirmação dos resultados opostos das técnicas de construção com e sem fundamento.
O problema do segundo edificador da parábola não consiste em ter edificado a sua casa sobre a terra, mas em não ter usado alicerces. Isso indica que, se a rocha é a palavra de Cristo, a terra também o é. Ou passando do símbolo à realidade, o insensato não ouve a palavra do homem ou da serpente; tampouco fracassa por usar materiais errados, como o crente que se utiliza de madeira, feno e palha em 1ª aos Coríntios 3:10-11. Ele malogra, por causa do modo como constroi no lugar certo e com os materiais adequados, isto é, por usar a técnica de edificação errada.
Essa técnica representa o modo como tomamos a palavra de Cristo. As traduções do Novo Testamento que conhecemos dão a impressão imperfeita de que o dilema que a parábola enfoca se estabelece entre praticar e não praticar as palavras de Cristo. No entanto, o que o texto apresenta é antes a oposição entre dois modos de se tomar aquelas palavras.
O verbo traduzido praticar, em Mateus e Lucas, é poiéo, que é considerado sinônimo de prassó. Porém, em autores sofisticados, como Paulo, pode acontecer de as duas palavras aparecerem na mesma frase, com sentidos levemente contrastantes (Rm 1:32; 7:15). Em Efésios 2:10, o termo traduzido feitura (“pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras”) é a forma substantiva de poiéo e se presta a indicar um ato criador de Deus. Rienecker-Rogers informam que, nesse caso, poíema "pode ter a conotação de obra de arte, especialmente um produto poético" (RIENECKER, Fritz e ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego. São Paulo: Vida Nova, 1988. p. 389).
É provável que uma atividade criadora semelhante esteja implicada em Lucas 6:48. A intenção de Jesus não foi que reproduzíssemos ou refletíssemos as suas palavras no nosso comportamento, assim como o espelho reflete a luz. Isso seria imitação. Jesus e Paulo jamais nos exortaram a desempenhar uma repetição mecânica dos comportamentos recomendados pelo Novo Testamento. Eles nos concitaram, ao contrário, a criar experiências de vida inéditas com a matéria das palavras de Cristo.
Essa novidade grandiosa é representada pelo “novo nome” inscrito na pedrinha branca, que o vencedor da igreja em Pérgamo recebe do próprio Cristo. Ninguém conhece esse nome, a não ser aquele a quem Jesus o concede (Ap 2:17). A pequena pedra é o crente individual, que cria novas experiências com as palavras de Cristo. Esse ato do homem crente não é o fazer criador de Gênesis 1, mas o novo fazer criador de Deus por meio do homem.
Essa é a genuína preparação das pedras para a construção do edifício de Deus, longe do lugar em que será erguido: "Edificava-se a casa com pedras já preparadas nas pedreiras, de maneira que nem martelo, nem machado, nem instrumento algum de ferro se ouviu na casa quando a edificavam" (1 Rs 6:7). Podemos indagar como as pedras puderam ser cortadas e trabalhadas, nas pedreiras, no formato necessário para se encaixar umas nas outras depois. Tudo indica que uma argamassa tenha sido utilizada para encaixá-las, ao serem utilizadas na edificação propriamente dita. Portanto, a edificação não envolve a modelação do individual ao coletivo, mas a sua preservação. Edificar não é modelar o individual ao coletivo, nem o coletivo ao individual. É levar essas duas dimensões do templo de Deus a uma harmonia superior e máxima.