Em artigo publicado na revista Scientif American, em 31 de maio de 2011, Andrew Newberg comentou um estudo da Duke University sobre os efeitos cerebrais de experiências religiosas em 268 homens e mulheres. Na pesquisa de Duke, o hipocampo de todos os indivíduos apresentou um grau de atrofia bastante superior à média da população, após vários anos de experiências místicas.
Embora a relação de longo prazo entre religião e atrofia cerebral não esteja totalmente estabelecida, pela primeira vez, um estudo científico sugeriu-a de maneira robusta. Porém, ainda mais surpreendente do que a atrofia apontada no estudo parecem ser os grupos de risco envolvidos. A pesquisa mostrou que esses grupos não coincidem com o universo religioso inteiro, mas com parte reduzida dele. Além disso, os grupos se estendem para fora do meio religioso, uma vez que a atrofia se manifesta também em pessoas não religiosas e em religiosos não praticantes. A diferença é que a incidência é muito maior em indivíduos que passam por experiências religiosas intensas.
Ao publicarem suas pesquisas, os cientistas de Duke Amy Owen e equipe ofereceram ainda uma hipótese explicativa dos resultados. Eles sugeriram que a atrofia pode decorrer do maior stress, a que os indivíduos pesquisados se submetem, em razão das experiências. Essa conclusão desloca a causa da atrofia da experiência religiosa propriamente dita para as relações sociais resultantes dela. O deslocamento condiz com a não observação da atrofia em membros ativos de igrejas, que não passaram por experiências da mesma intensidade.
Não há o que contestar, nos dados apresentados pelos cientistas de Duke. Porém, há um ponto obscuro neles: a hipótese explicativa que os autores da descoberta propõem talvez não seja a única possível. Não podemos nos esquecer de que o stress causa outros males físicos, que o estudo de Duke não apontou. Não há notícia de aumento de crises de hipertensão, doenças cardíacas, males degenerativos, imunológicos ou outras patologias, nos indivíduos estudados. Essas doenças deveriam estar presentes, se a causa da atrofia fosse o stress, já que todos os indivíduos estudados tinham mais de 58 anos.
Dificuldades como essas talvez nos autorizem a cogitar uma segunda hipótese explicativa da atrofia do hipocampo. Atrofia é um mal decorrente do déficit de exercício de um nervo, músculo, grupo de nervos ou músculos de um organismo vivo. Minha experiência pessoal sugere que as relações sociais que se seguem às experiências místicas tendem a induzir modos de pensamento extremamente reiterados e circulares, para não dizer viciosos. Não é por outra razão que indivíduos muito religiosos passam anos a julgar de maneira rígida fatos cada vez mais diversificados, que a vida lhes apresenta e que dificilmente se amoldam às suas explicações. Casos de gravidez antes do casamento e práticas sexuais não conservadoras são alguns exemplos. No terreno intelectual, a origem de espécies novas, sem intervenção de Deus, e a não ocorrência do Dilúvio de Noé nos dão outros tantos. Julgamentos reiterados de fatos e ideias como esses tendem a excluir explicações não concordantes com a religião e a paralisar, sistematicamente, as funções racionais associadas.
Assim, na mesma medida em que estimulam certos circuitos cerebrais, os modos reiterados de pensamento tendem a paralisar ou minimizar o funcionamento de outros circuitos. Funções inteiras do cérebro, não apenas cognitivas, mas sentimentais, são paralisadas em consequência de engajamentos comunitários, que se seguem a experiências religiosas intensas. Aí pode estar uma segunda causa da atrofia apontada no artigo de Scientific American. Como a primeira (o stress), essa causa tampouco se centra na experiência religiosa em si mesma, mas nos desdobramentos comunitários dela. Porém, diferentemente do que ocorre com a primeira causa, a contenção da paralisação racional depende mais do indivíduo do que do meio. É possível à pessoa de fé manter-se racionalmente ativa em múltiplas direções, e não numa só, a despeito do meio em que está inserida. Infelizmente, as pessoas que passam por experiências místicas muito fortes não costumam desenvolver essa prática.
Se a hipótese da paralisação de processos racionais for verdadeira, os indivíduos religiosos fazem bem em não diminuir o exercício intelectual e em não descurar explicação alguma de um fato, a não ser por razões mais robustas. O exercício racional amplo é indispensável para a higidez da mente religiosa. Se as informações disponíveis não associam a atrofia cerebral às experiências religiosas propriamente ditas, é certo que elas desnudam uma relação perigosa entre a paralisação da atividade racional e a atrofia do cérebro.
Não seria honesto encerrar este breve comentário sem mencionar que muitas outras pesquisas atestaram os benefícios da fé para o cérebro. Porém, em geral, elas se debruçaram sobre os desdobramentos de curto e de médio prazos das experiências religiosas. O estudo de Duke foi o primeiro a abrir a janela para uma nova paisagem. E, aberta a janela, faremos bem em não cerrar nossos olhos.