É comum os cristãos tomarem as palavras do discurso escatológico de Jesus, nos Evangelhos sinóticos, como uma descrição da grande tribulação que terá lugar no final dos tempos, sob a atuação de Anticristo. Essa interpretação da principal profecia proferida por Jesus apresenta vários problemas. O primeiro deles é o fato de Anticristo não ser mencionado seja na versão de Marcos, seja nas de Mateus ou de Lucas. Quando trata do fim dos tempos, Paulo refere-se expressamente a Anticristo. O mesmo se dá nas Epístolas de João e em Apocalipse. É no mínimo estranho que a personagem central da grande tribulação não apareça, no discurso escatológico, se ele trata exatamente desta.
Outra razão que milita contra a interpretação comum do discurso é a previsão da queda de Jerusalém. Lucas é particularmente claro a esse respeito: “Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação [...] Cairão ao fio da espada e serão levados cativos para todas as nações; e, até que os tempos dos gentios se completem, Jerusalém será pisada por eles” (Lc 21:20,24).
O cerco de cidades muradas era muito comum na Antiguidade. Deixou de ser assim na guerra moderna. Os sítios de Leningrado e Stalingrado, na União Soviética, durante a Segunda Guerra Mundial, foram muito mais exceções do que a regra. Sobretudo a partir da década de 1990, a conquista de territórios passou a depender quase totalmente do domínio aéreo e do uso de tecnologia à distância. Nesse novo contexto, já não faz sentido se falar em cerco de cidades. De modo que o de Jerusalém não deverá ocorrer numa grande tribulação por vir.
Há ainda outras práticas de guerra típicas da Antiguidade citadas no discurso de Jesus, assim como a expressa na frase “serão levados cativos para todas as nações” (Lc 21:24). Após terem conquistado Jerusalém, no ano 70 d. C., os romanos não só a destruíram como impediram os judeus de habitar na região. Esse exílio compulsório tornou-se ainda mais rigoroso, após a revolta de Bar Kochba (132-135 d. C.), quando o direito de habitar a Palestina foi definitivamente negado aos judeus. Porém, nada disso é provável, possível ou faz qualquer sentido na guerra contemporânea.
A interpretação futurista do discurso chega a negar-se a si mesma: se a tribulação ocorrerá no fim, não haverá tempo para que, à queda de Jerusalém, se siga uma diáspora mundial. Como, pois, poderão os judeus ir de novo cativos a todas as nações? Para resolver problemas como esse, os partidários da interpretação futurista recorrem à teoria segundo a qual a descrição de Jesus algumas vezes refere-se à conquista de Jerusalém no ano 70, e outras, a uma destruição vindoura. Porém, esse parece mais um recurso à confusão do que uma explicação convincente do texto e dos fatos. Pode ocorrer de uma profecia cumprir-se em mais de uma etapa, porém não à vontade do intérprete.
Há outros motivos, pelos quais o cerco e a destruição de Jerusalém mencionados no discurso escatológico se deram no ano 70, de sorte que não estão pendentes de cumprimento. Se não for assim, teremos de concluir que Jerusalém ainda sofrerá um suplício tal que “desde o princípio do mundo até agora não tem havido, e nem haverá jamais” (Mt 24:21). Teremos de concluir que a mortandade prevista por Jesus somar-se-á à ocorrida no ano 70. O problema é que Josefo mostrou que os suplícios daquela época foram incalculáveis, e que as palavras faltam para descrevê-los. Se uma destruição pior estiver por vir, teremos de concluir que Deus não só julgará Jerusalém duas vezes como o fará em razão dos mesmos pecados. Esse cruel bis in idem não pode ser aceito por quem considera Deus justo.
O discurso escatológico foi proferido para judeus do primeiro século. Ora, se uma destruição tão vasta batia-lhes às portas, por que Jesus quis alertá-los sobre outra, que teria lugar séculos mais tarde? Os defensores da interpretação futurista dirão que, neste particular, a profecia refere-se à conquista de Jerusalém por Tito e, em outros, à atuação de Anticristo...
Diante de tantos e tão robustos motivos que recomendam a localização dos fatos principais do discurso escatológico por volta do ano 70 d. C., só nos resta admitir que Jesus referiu-se exatamente a essa época. Dos três evangelistas que narram o cerco e a queda, Lucas foi o mais cuidadoso em diferenciá-los da tribulação que ainda está por vir. Em verdade, ele sequer a mencionou: da conquista de Jerusalém, passou diretamente à vinda do Filho do homem nas nuvens (Lc 21:24-27). E como se não bastasse, Lucas ainda retirou a menção dos dias como os de Noé do corpo do discurso escatológico, arrastando-a para o capítulo 17 (versículos 26 a 37) do seu Evangelho. Para quem não está disposto a resistir à evidência, essas atitudes de Lucas indicam o seu esforço consciente para se opor à ideia de que o sermão de Jesus descreve o extremo final dos tempos e para propor que constitui, ao contrário, uma predição da queda de Jerusalém no ano 70.
É, pois, no contexto da queda da capital da Judeia, no século I, que a parábola da figueira deve ser explicada. Disse Jesus: “Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já os seus ramos se renovam e as folhas brotam, sabeis que está próximo o verão” (Mt 24:32). E concluiu: “Assim também vós, quando virdes todas estas cousas, sabei que está próximo, às portas” (Mt 24:33).
As palavras “todas estas cousas”, no plural, têm de incluir o cerco de Jerusalém. E se assim é, o reverdecimento da figueira pode perfeitamente ter ocorrido alguns anos depois do discurso escatológico, não quando da restauração do Estado de Israel (1.948), como reza a interpretação comum. Penso que o reverdecimento foi a rápida recuperação da independência política, por Israel, e a tomada de cidades e aldeias da Galileia e da Judeia, por judeus revoltosos, no ano 66 d. C. Ninguém menos que Josefo, o historiador, chefiou seus compatriotas nessas conquistas, até a derrota final em Jotapate.
No ano 32, pouco mais ou menos, Jesus declarou: “Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça” (Mt 24:34). Menos de 40 anos depois, tudo se cumprira. Não pensemos, quase 2.000 mais tarde, que a geração da figueira se conta a partir de 1.948 e ainda não terminou.