terça-feira, 6 de março de 2012

As Profecias e o Tempo (2): O Quarto Animal

A palavra profética é uma candeia que brilha intensamente, em lugar tenebroso (2 Pe 1:19). A luz da candeia não ilumina coisas futuras e sim presentes. Coisas que já estão dentro da casa, não que serão introduzidas nela. Semelhantemente, a palavra profética mostra o significado de fatos que Deus predisse, depois que acontecem, não antes. Só então, a sua luz brilha em toda intensidade e esplendor.
A interpretação das profecias não deve ser reduzida a um esforço de determinação do significado das suas palavras, sem cuidadosa comparação com os acontecimentos históricos. Isso equivaleria à prática de adivinhação com o texto bíblico. Assim como a luz da candeia não se acende espontaneamente, a iluminação profética depende da busca do conhecimento histórico para ter lugar. Por isso, Jesus conclamou-nos a orar e vigiar, isto é, a manter o coração cheio de fé e os olhos atentos aos acontecimentos, pois eles elucidarão o sentido das profecias não realizadas.
Neste texto, gostaria de propor uma interpretação do capítulo 7 de Daniel, à luz de acontecimentos recentes. Daniel viu quatro animais. O primeiro era um leão com asas de águia, que recebeu coração humano. O segundo era um urso, que se ergueu sobre um dos lados com três costelas na boca. O terceiro era um leopardo com quatro cabeças e quatro asas. O quarto era um animal inominado, extremamente forte e com características monstruosas. De acordo com a interpretação mais aceita, o leão representa o Império Neobabilônico, o urso, o Império Medo-Persa, o leopardo, a Grécia, e o quarto animal, Roma.
Robert Anderson mudou parte do panorama escatológico, ao desafiar essa interpretação no seu clássico The coming prince (El príncipe que ha de venir. Barcelona: Espanha, 1980. Apendice). De acordo com ele, os quatro animais não podem ser reinos sucessivos, como os impérios de Nabucodonosor, Ciro, Alexandre e os Césares, pois Daniel 7:3 declara que emergem ao mesmo tempo. Eles são reis simultâneos, como o versículo 17 também sugere: “os quatro animais são quatro reis, que se levantarão da terra”.
O uso do verbo no tempo futuro (“reis que se levantarão”) indica que nenhum deles estava presente, quando Daniel teve o sonho, no primeiro ano de Belsazar (Dn 7:1). Este foi o último regente do Império Babilônico. Portanto, não é possível que Babilônia estivesse por vir, quando Daniel teve a visão. Aliás, a Pérsia também já existia, assim como a Grécia e Roma. Tudo isso aponta para a conclusão de que os reinos do sonho de Daniel não são Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma.
Como o aparecimento dos quatro animais é sucedido pelo estabelecimento de tronos e a vinda do Ancião de dias, para destruir o quarto animal e tirar o domínio dos outros, é provável que estes pertençam ao tempo do fim. Talvez eles já estejam na Terra ou venham a se constituir, no futuro, pela coligação de países hoje existentes.
Devo chamar a atenção do leitor para o fato de que os quatro reinos se erguem “do Grande Mar” (Dn 7:2-3). Trata-se de países ao redor do Mediterrâneo. Este é denominado grande para evitar confusão com o Mar Morto e o Mar da Galileia, que são muito menores. Portanto, os quatro animais deverão emergir do sul da Europa, do Oriente Médio ou do norte da África.
A profecia, porém, não se limita a apresentar os quatro animais. Ela coloca um deles em grande destaque, a saber: o que é descrito como “terrível e espantoso, e muito forte [...] com dentes de ferro e unhas de bronze; o qual devorava, fazia em pedaços, e pisava aos pés o que sobrava”, tinha “dez chifres na cabeça, e um outro que subiu e diante do qual caíram três” (Dn 7:7,19-20).
Os chifres desse animal são os governantes de dez países. Se considerarmos o estado atual da Bacia do Mediterrâneo, identificaremos duas possibilidades claras de dez países se coligarem. A primeira está no sul da Europa. Onze são os Estados dessa região banhados pelo Mediterrâneo: Espanha, França, Itália, Eslovênia, Croácia, Bósnia, Sérvia, Albânia, Grécia, Turquia e Chipre. Porém, nessas terras, há pelo menos três religiões predominantes: a católica, a ortodoxa e a muçulmana. Se considerarmos que boa parte dos países da Europa Mediterrânea formou-se, na década de 1990, com base em diferenças de religião e cultura, é improvável que venham a superar essas diferenças a ponto de agirem como um só país, do modo como os dez reinos agirão (Ap 17:17).
A segunda possibilidade é de os países islâmicos do Mediterrâneo virem a se coligar. Hoje, esses países são nove: Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Autoridade Palestina, Líbano, Síria e Turquia. Através do Mar Vermelho (e do Canal de Suez), a Jordânia e a Arábia Saudita também têm acesso imediato ao Mediterrâneo. Como todos esses países são muçulmanos e compartilham a mesma cultura, é mais provável que a coligação do quarto animal venha a surgir deles do que da Europa.
Essa interpretação concorda com uma série de outros dados proféticos. Apocalipse 6:8 indica que os acontecimentos do quarto selo atingem a quarta parte da terra. Como as sete trombetas recaem sobre a terça parte (8:7-12 e 9:15,18), é possível concluir que Apocalipse adota a divisão do mundo nos quatro primeiros reinos da estátua de Daniel 2. Sobre esses reinos, recaem os juízos do livro. Uma vez julgada a quarta parte da terra (o território de um dos quatro reinos da estátua), restam outras três. Uma delas é atingida pelas trombetas. Com base na História recente, é possível identificá-la como o território do reino de Alexandre, o Grande (o ventre e os quadris de bronze da estátua), ocupado por povos árabes.
A coligação que deverá emergir do mundo islâmico não se confunde com o reino de Anticristo representado pela besta de Apocalipse 13. Esta tem características muito distintas do quarto animal de Daniel 7, assim como as sete cabeças. Daniel nada diz de semelhante sobre o quarto animal que sobe do Grande Mar. Porém, não se pode descartar e é até provável que as duas feras venham a se estabelecer ao mesmo tempo na Terra.
O mapa político da costa mediterrânea poderá se alterar, até o tempo em que o oráculo de Daniel se cumprir. Por isso, evitei identificar definitivamente os dez reinos com países de hoje. No entanto, mudanças políticas tendem a ocorrer sobre (e a limitar-se por) uma base civilizacional muito mais estável. Penso que essa base corresponde à cultura islâmica mediterrânea, não à cultura europeia.
Tudo isso mostra como é importante estudarmos a palavra profética à luz dos acontecimentos. Num futuro não muito distante, os fatos indicarão quais países mediterrâneos aproximar-se-ão e entrarão em aliança. Quando isso ocorrer, a profecia de Daniel será ainda mais elucidada, e os últimos acontecimentos estarão na iminência de se precipitarem.