segunda-feira, 19 de março de 2012

As Profecias e o Tempo (3): Duas Mil e Trezentas Tardes e Manhãs

A época do segundo advento de Cristo é indicada no oráculo das 2.300 tardes e manhãs, em Daniel 8: “O bode se engrandeceu sobremaneira; e na sua força quebrou-se-lhe o grande chifre, e em seu lugar saíram quatro chifres notáveis, para os quatro ventos do céu. De um dos chifres saiu um chifre pequeno, e se tornou muito forte para o sul, para o oriente e para a terra gloriosa. Cresceu até atingir o exército dos céus; a alguns do exército e das estrelas lançou por terra e os pisou. Sim, engrandeceu-se até ao príncipe do exército; dele tirou o sacrifício costumado e o lugar do seu santuário foi deitado abaixo [...] Depois ouvi um santo que falava; e disse outro santo àquele que falava: Até quando durará a visão do costumado sacrifício, e da transgressão assoladora, visão na qual era entregue o santuário e o exército, a fim de serem pisados? Ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado” (Dn 8:8-11,13-14).
Os entendidos de hebraico observam que a tradução literal do segundo verso acima é: “De um deles saiu um pequeno chifre”. A palavra vertida “um deles”, no original, é masculina e concorda com vento, não com chifres, que é feminino. Isso significa que o pequeno chifre procede de um dos quatro ventos, não dos chifres do bode, como várias versões em português declaram.
Além disso, o versículo 10 afirma que, após ter crescido, esse ser misterioso lança as estrelas por terra e as pisa. Lançar por terra e pisar não são atos próprios de um chifre. É de se concluir, pois, que o chifre transforma-se num outro ser, talvez um terceiro animal, além do carneiro e do bode. Esse ser representa o rei dos versículos 23 a 25: “No fim do reinado [dos quatro chifres], quando os prevaricadores acabarem, levantar-se-á um rei de feroz catadura e entendido de intrigas [...] fará prosperar o engano e no seu coração se engrandecerá e destruirá a muitos que vivem despreocupadamente; levantar-se-á contra o príncipe dos príncipes”.
Normalmente, esse rei é identificado com Antíoco Epífanes, que governou um dos reinos surgidos do Império de Alexandre, assolou Jerusalém e profanou o Templo no ano 167 a. C. Porém, se compararmos minuciosamente o texto de Daniel com os fatos históricos, veremos que Antíoco não se tornou forte, após ter surgido. Sua força permaneceu a mesma, durante parte do seu reinado, e ainda decaiu ao final. Além disso, Epífanes não expandiu seus domínios para o sul, o oriente e a terra gloriosa (a Palestina). Na realidade, quase todas as suas expedições militares resultaram em fracassos, alguns retumbantes. E para complementar as divergências entre os seus atos e o do pequeno chifre, ele tampouco deitou abaixo o santuário de Jerusalém, como Daniel claramente afirma.
Devemos, pois, procurar uma interpretação alternativa para o quinto rei do oráculo. Nas notas que deixou sobre o Livro de Daniel, Isaac Newton propôs que esse rei foi um príncipe romano. De acordo ele, os romanos a princípio regeram um território bastante restrito (foram um pequeno chifre) e depois se expandiram. Ao fazê-lo, eles conquistaram uma parte do antigo Império Grego (a Macedônia). Por isso, do ponto de vista histórico, os romanos podem perfeitamente ser considerados o reino que surgiu e se tornou proeminente no território daquele império.
Dos príncipes romanos, um se destaca por ter destruído Jerusalém e o santuário, no ano 70 d. C. Refiro-me a Tito. Porém, a descrição do texto não se ajusta ao perfil que Josefo fornece desse general e Imperador romano. De acordo com o historiador, Tito e seu pai Vespasiano foram generais de índole nobre, não especialistas em intrigas ou enganadores. Porém a Nero, que estava no trono quando o conflito estourou, as palavras de Daniel adaptam-se perfeitamente. Verdade é que esse imperador morreu antes da destruição do Templo, mas os ataques romanos contra os judeus e a profanação do santuário começaram antes e por ordem dele, quando Céstio “marchou contra os [judeus] revoltosos, pô-los em fuga e perseguiu até Jerusalém [...] Depois de ter atravessado Beseta, Scenópolis e o mercado, a que chamam o mercado dos materiais, e tê-lo incendiado, aquartelou na cidade alta” (JOSEFO, Flávio. Guerra dos judeus contra os romanos. Livro Segundo, Cap. 39). Então, iniciaram-se as hostilidades entre judeus e romanos. O pequeno chifre, transformado em cruel animal, passou a lançar por terra e pisar alguns do exército e das estrelas (Dn 8:10).
Por essa época, para se defenderem dos romanos, sicários (assassinos) judeus tomaram o Templo e, ali, “tentaram servir-se da sorte para escolher o grão-sacrificador, afirmando que assim se fazia antigamente [...] Caiu a mesma sobre Fanias, filho de Samuel, da aldeia de Hafrasi, que não somente era indigno de tal cargo, mas ainda tão rústico e ignorante, que nem sabia o que era o sacerdócio [...] Os verdadeiros sacrificadores, olhando de longe essa comédia e de que modo se calcava aos pés a honra devida às coisas santas, não puderam reter as lágrimas” (ob. cit. Livro Quarto, Cap. 12). Desse modo, foi retirado “o sacrifício costumado” (Dn 8:11), “pela maior de todas as profanações, [pois] se embriagavam mesmo aos pés do altar [...] e gloriavam-se de calcar aos pés a augusta casa do Senhor” (idem, Cap. 14). Portanto, a profanação do Templo se deu em consequência do assédio a Jerusalém, ordenado por Nero.
Só após esse espetáculo e muitas outras tragédias que se seguiram, Tito entrou em Jerusalém, e “o lugar do santuário foi deitado abaixo” (Dn 8:11). Note-se que a destruição do lugar santo não é atribuída diretamente ao pequeno chifre. A frase em que ela foi predita não tem sujeito determinado. Limita-se a afirmar que o santuário seria deitado abaixo.
As 2.300 tardes e manhãs começam com a profanação do Templo, a suspensão do sacrifício costumeiro e a destruição do santuário, durante a guerra dos judeus contra os romanos (66 a 73 d. C.). As profecias de Daniel adotam o costume muito difundido, em certo período histórico, de se referir a um ano pela figura de um dia. O costume é testemunhado em passagens como: “Porque eu te dei os anos da sua iniquidade, segundo o número dos dias, trezentos e noventa dias [...] Quarenta dias te dei, cada dia por um ano” (Ez 4:5,7) e “Segundo o número dos dias em que espiastes a terra, quarenta dias, cada dia representando um ano, levareis sobre vós as vossas iniquidades quarenta anos” (Nm 14:34).
Vemos por que, na profecia, cada par constituído por uma tarde e uma manhã representa um ano. As 2.300 tardes e manhãs são um período de 2.300 anos, durante o qual o culto sacrificial de Israel permanece suspenso. Sabemos por Daniel 9:27 que esse culto só será restaurado, quando o segundo advento estiver muito próximo. Por isso, o final das 2.300 tardes e manhãs coincide com o segundo advento.
Se considerarmos que o ano bíblico é de 360 dias (Ap 11:3; 12:6,14; 13:5), os 2.300 anos iniciados com a profanação do Templo pelos sicários e a sua destruição por Tito encerram-se por volta de 2.320 d. C. Esse não é “o dia e a hora” exatos do segundo advento, mas a época aproximada em que “o santuário será purificado” (Dn 8:14), e o Santo dos Santos, ungido (Dn 9:24).