segunda-feira, 16 de abril de 2012

O Grande Conflito

A História da Igreja é cortada ao meio, rasgada como o véu do santuário, pela apostasia prevista em 1ª a Timóteo 4:1-4 e 2ª a Timóteo 3:1-2. Esse último texto afirma: “Sabe, porém, isto, que nos últimos dias sobrevirão tempos penosos; pois os homens serão amantes de si mesmos, gananciosos, presunçosos, soberbos”. Segue-se uma longa lista de pecados tanto da carne (a exemplo da incontinência e da concupiscência) quanto do espírito (blasfêmia, piedade aparente etc.).
Enquanto em 1ª a Timóteo 4 a apostasia é apresentada no interior da igreja, em 2ª a Timóteo seus reflexos no mundo são descritos. É o que nos diz a palavra homens (seres humanos de modo geral), no texto transcrito acima. Unindo as duas passagens, então, percebemos que a apostasia tem âmbito universal, abrange a igreja e o mundo, assim judeus como gentios.
Além disso, em 1ª a Timóteo está claro que o grande movimento maligno tem duas fontes principais: espíritos enganadores e demônios (1 Tm 4:1). A distinção entre essas entidades se soma a Atos 23:9 e outras passagens, que mostram que os judeus em geral criam na existência de múltiplos seres não encarnados. Espíritos enganadores são uma dessas espécies: especificamente, seres dotados de natureza angélica, que aderiram a algum tipo de rebelião contra Deus. Sua influência sobre as pessoas resulta na hipocrisia e mas mentiras mencionadas no versículo seguinte de Timóteo. Pode-se, pois, concluir que essa primeira vertente da apostasia tem por foco a hipocrisia, o fingimento, o engano e a mentira.
No entanto, a apostasia tem uma segunda vertente, associada à proibição do casamento e à abstenção de alimentos: “Nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios [...] proibindo o casamento, e ordenando a abstinência de alimentos que Deus criou” (1 Tm 4:-1,3). No Novo Testamento, os demônios são descritos como dotados da necessidade de possuir corpos humanos, por meio dos quais satisfazem os impulsos violentos de sua natureza. A proibição do casamento e a privação de alimentos eram consideradas ensinos demoníacos, não porque os demônios tivessem objetivos teológicos ou doutrinários, mas porque tinham interesse no comércio carnal, na glutonaria e na embriaguez.
Demônios tinham fins práticos e eram por eles movidos a promover certas doutrinas de preferência a outras. Proibindo o casamento, eles aumentavam a disponibilidade de mulheres. Recomendando a abstenção de alimentos, facilitavam o seu próprio acesso a eles. De fato, na História, a superabundância de mulheres, alimentos e bebidas sempre fez aumentar a licenciosidade, os bacanais, a glutonaria, a embriaguez, os festins e muitas outras formas de incontinência. Tais práticas eram consideradas ainda mais conformes à natureza demoníaca do que à humana, pelos autores que anunciaram a apostasia.
A História da Igreja é movida por impulsos mais práticos do que, por vezes, nos damos conta. Mais importante do que fundar uma Igreja no Papa, em patriarcas ou pastores, é não direcionar a fé ao dinheiro. Mais fundamental do que professar certos dogmas é o uso que se faz deles. É a relação que os dogmas guardam com as paixões carnais ou a unção do Espírito Santo. Do ponto de vista de Timóteo e de Tito, as doutrinas não são verdadeiras ou falsas por si, mas de acordo com essa relação.
À doutrina de demônios opõe-se a sã doutrina, e à apostasia, a restauração da igreja. Não que a restauração seja uma reversão da apostasia, mas ela se dá no contexto de tal processo. A restauração ambienta-se num mundo apóstata. O embate do bem com o mal não deixa de estar aqui implicado. Chamem-no maniqueísmo ou como preferirem chamá-lo. É um fato profético. É o inexorável, o irresistível.
Conflito do bem com o mal é exatamente o que a Bíblia apregoa que está a ocorrer e ocorrerá ainda mais. Um espírito tenebroso envolve a presente era como uma enorme nuvem. Não há como negar que a nuvem se adensa. Quando aquele que ainda a contém for afastado e deixar de obstruí-la, de tenebroso o estado do mundo passará a maligno. A resposta de Deus a esse processo em marcha acelerada só pode ser a restauração da igreja. Por uma razão muito simples: se não o for, a resposta terá de ser o estado ordinário da Cristandade: exatamente o que foi afetado pela apostasia e carcomido pela corrupção.
Se a apostasia de 1ª e 2ª a Timóteo corta a História ao meio, não há como se crer na pureza da Igreja organizada. Não há como se afirmar que ela é o exército vestido de branco, que acompanha o Verbo de Deus em seu triunfo final(Ap 19:11-14). E a menos que aquele exército venha a ser produzido de modo contrário à tendência dos fatos (e então pior para os fatos), uma restauração terá de intervir para ele entrar em cena.