A Escola Histórica de interpretação de Apocalipse sustenta que as profecias do livro se cumprem, ao longo de séculos. Em princípio, essa distribuição dos eventos proféticos constitui a melhor maneira de se interpretar Apocalipse. Porém, os estudiosos consagrados à perquirição do livro bíblico ainda não chegaram a um consenso sobre o modo preciso como o método histórico deve ser utilizado e o conteúdo dos acontecimentos finais que ele permite desvendar.
Mesmo assim, os sete selos, as sete trombetas e as sete taças de Apocalipse permanecem a estrutura profética mais ampla e sofisticada da Bíblia. E como tais, eles têm de estender-se por períodos consideráveis, a maior parte passados, como exigem as premissas do método histórico. Porém, devemos acautelar-nos contra aplicações excessivas do historicismo, que fazem as séries de selos, trombetas e taças corresponderem a 21 períodos consecutivos, do fim do primeiro século à volta de Cristo. Em nenhuma profecia bíblica, o tempo é tratado como se fora um tecido inconsútil e sem poros. Os profetas judeus, simplesmente, não viam a História dessa maneira. Podemos encontrar oráculos com alguns, mas nunca com muitos eventos consecutivos.
Sob a perspectiva característica da profecia judaica, os selos, trombetas e taças formam um arcabouço notável, mas não uma sequência ininterrupta de acontecimentos. Os fatos dos seis primeiros selos localizam-se, no final do quarto e no quinto séculos. Descrevem o declínio e a queda do Império Romano. Por outro lado, as trombetas retratam eventos nos territórios do antigo Império Grego, como mostrarei a seguir.
Apocalipse divide o mundo abrangido pelos seus oráculos nas seções denominadas terça e quarta partes da terra. Não raro, essa divisão é interpretada, literalmente, como um terço e um quarto da superfície do globo. Porém, se ela é parte integrante de símbolos (selos e trombetas), não é possível que o seu significado seja literal.
É evidente que a divisão tampouco deve ser entendida conforme o gosto dos expositores da Bíblia, como se os números três e quatro indicassem o que cada um bem prefere. Mais coerente é buscar o significado da terça e da quarta partes da terra no interior da profecia escatológica, mais especificamente no capítulo 2 de Daniel. Nesse contexto profético, a terça parte pode ser identificada com o terceiro reino da estátua do sonho de Nabucodonosor (a Grécia), e a quarta parte, com o quarto reino (Roma). Sob essa Como os gregos conquistaram terras situadas muito além das fronteiras orientais dos Césares e a maior parte dos seus domínios nunca pertenceu aos romanos, a interpretação sugerida permite estabelecer a uma divisão territorial e política do mundo conhecido no primeiro século.
É como se a estátua representasse a terra, em diferentes épocas, e as expressões "terça parte" e "quarta parte" indicassem, na realidade, a terceira e a quarta partes dela. Portanto, os territórios dominados, respectivamente, pela Grécia e por Roma, no auge de seu poder. Sob essa concepção, os eventos das trombetas ocorrem nas terras orientais conquistadas por Alexandre Magno. Além dos Bálcãs, berço do grande príncipe, essas terras incluem a Ásia Menor (Turquia), a Palestina, o Egito, a Pérsia (Irã), a Báctria, os territórios que se estendem do Afeganistão ao Cazaquistão e partes da Índia. Uma característica notável da história desse enorme conglomerado geográfico é ter sido conquistado não apenas por Alexandre, mas também pelos muçulmanos. Como as trombetas são eventos futuros, e os muçulmanos até hoje controlam boa parte dos territórios orientais do Império Grego, é possível pensar que os eventos retratados pelas trombetas terão lugar em nações islâmicas.
No entanto, a localização dos acontecimentos das trombetas no espaço não basta para garantir uma compreensão adequada deles. Necessário é ainda os localizarmos no tempo. A quinta e a sexta trombetas trazem informações úteis para isso. Refiro-me aos cinco meses, durante os quais os gafanhotos da quinta trombeta agem na terra (Ap 9:3,5,10), e à hora, o dia, o mês e o ano da atuação dos anjos da sexta trombeta (Ap 9:15). Se adotarmos o padrão do Livro de Daniel, cada dia da profecia escatológica estará no lugar de um ano, como no caso das 70 semanas (Dn 9). As frações de dias serão frações de anos. De modo que os cinco meses da quinta trombeta serão 150 anos bíblicos de 360 dias ou 147 anos solares. E a hora, o dia, o mês e o ano da sexta trombeta corresponderão a 391 anos bíblicos (376 solares).
Se considerarmos que o oráculo das 2.300 tardes e manhãs localiza o fim da presente era, em torno de 2.320 d. C., o início da quinta trombeta deverá ser situado por volta de 1.793 d. C. Os próprios eventos dos quatro primeiros avisos não devem ter ocorrido muito antes disso. Provavelmente, tiveram lugar no século XVIII.
No tocante ao conteúdo, as quatro primeiras trombetas são juízos desencadeados por forças humanas ou naturais, no território entre a Turquia e a Índia. Já a quinta e a sexta trombetas descrevem a atuação de forças demoníacas (gafanhotos) e angélicas (cavalos), que infestam a terça parte da terra. Os demônios atuam de modo um tanto desorganizado. Os anjos caídos articulam-se em principados, o que lhes permite sujeitar as pessoas muito mais eficientemente. Por isso se afirma que os demônios atormentam, ao passo que os anjos matam as pessoas. E a sétima trombeta é continuação da sexta, já que Anticristo, que nela surge, é o anjo do abismo (Abadom ou Apoliom) e o rei dos demônios (Ap 9:11). Ele sobe do mesmo abismo em que demônios e anjos parecem estar encerrados (Ap 9:11).
Se isso estiver correto, a aliança de dez países que sustentará Anticristo, nos últimos tempos, formar-se-á no mundo muçulmano. Aliás, ele próprio, por se incluir na sétima trombeta (Ap 11:15—14:20), provavelmente, terá a mesma origem. Se os fatos das quatro primeiras e da sexta trombetas ocorrem na terça parte da terra (Ap 8:7-12; 9:15,18), não é difícil concluir que os da sétima também o fazem. Porém, esse tema será desenvolvido em outra postagem.
Na Antiguidade, as trombetas eram usadas para avisar as tropas de um exército para aprontarem-se e se colocarem em ordem para a batalha. Por isso, as sete trombetas são avisos da aproximação do combate final entre as forças de Deus e do mal. Ao mesmo tempo, elas são convocações para que os servos de Deus se aprontem para o conflito, pois terão de intervir nele.
Um aviso basta para encarecer a importância de direcionar a atenção ao evento que ele anuncia. Sete avisos formam um apelo sem precedentes. Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir veja e ouça que assim é, porque o conflito final é o evento profético mais importante da era cristã. Se os cristãos devessem ser meros expectadores dele, após o arrebatamento, talvez não fossem necessários tantos avisos. Porém, eles não o serão. Essa é a tônica do Apocalipse e a chave das suas exortações.
O conflito final não se explica pela ótica do arrebatamento como meio de preservação, mas como meio de participação ativa dos crentes no combate a Anticristo. Este é vencido pelo Verbo de Deus acompanhado de exércitos celestes com vestes de linho fino (Ap 19:14). O texto afirmar que os exércitos estavam no céu indica que haviam sido para lá arrebatados, não para assistirem, mas para virem com o Verbo de Deus e lutarem ao seu lado contra Anticristo.