A mais longa sequência de parábolas de Jesus é a de Mateus 13. Ela se abre com o pequeno conto sobre o semeador e se encerra com a parábola do pai que retira coisas novas e velhas do seu depósito. Entre outras coisas, a série mostra-nos que o reino dos céus é fortemente representado por práticas agrícolas. Poucas atividades humanas retratam melhor a ação de Deus que as de plantar, regar, colher e transformar em alimento.
Curioso é que, na sua sabedoria, o grande semeador não lança os seus grãos apenas na boa terra, mas também à beira do caminho e no terreno com espinhos e pedras. Ele deixa cair a semente do reino em todos os tipos de solo. E não o faz por descuido. Não há, na parábola, o menor sinal de que o agricultor semeie os vários tipos de solo por casualidade. Nenhuma palavra indica que ele lança os seus grãos por acaso, na beira do caminho, e voluntariamente, na boa terra. As mesmas palavras são empregadas para descrever tanto um como o outro tipo de semear.
A semeadura em diversos tipos de solo, a que Jesus se referiu, era uma prática antiga na Palestina. O conhecido teólogo Joachin Jeremias explicou: "O semeador da parábola caminha sobre um terreno ainda não arado [...] Semeia, de propósito, sobre o caminho que os habitantes da aldeia certamente fizeram através do campo de restolhos, porque esse caminho será arado juntamente com o resto do terreno. Semeia de propósito entre os espinhos ressequidos do terreno inculto, porque eles serão incluídos também na aradura. E que os grãos caiam em terreno pedregoso não nos deve surpreender: as rochas calcáreas [...] não se sobressaem ao campo ainda não arado, até que a relha do arado, rangendo, tope nelas" (JEREMIAS, Joachin. As parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1976).
A lição inerente a esse fato é de que Jesus não realizou a sua missão de semeador, com base na acepção de pessoas. Ele não saiu pelo mundo, escolhendo: para este sim, para aquele não, para este sim, para aquele não. O reino dos céus é para todos os tipos de homens.
"Mais do que o tempo de espera, porém, a essência vital do reino é a paciência com que se espera."
O semeador tampouco implanta árvores prontas: ele semeia grãos. Quantas vezes queremos atingir resultados imediatos! Queremos convencer as pessoas, dobrar o seu entendimento, mudá-las, custe o que custar. Assim transformamos a pregação do evangelho em conflito, em esforço de desintegração de maneiras de pensar, sentir e agir. Já não realizamos Cruzadas como as da Idade Média. As cruzadas de hoje consistem em passar sobre os modos de ser das pessoas, com o trator da doutrina. Jesus nada faz de comparável a isso. Ele é um semeador. Há dois mil anos, lançou grãos ao solo e tem esperado que cresçam. Essa semeadura e a interminável espera que a segue constituem o que Mateus denomina o reino dos céus.
Mais do que o tempo de espera, porém, a essência vital do reino é a paciência com que se espera. Esta é a era da paciência. Paulo ensinou, em Gálatas 6:7-10, que é tempo de semearmos incansavelmente. Semear é espalhar grãos, não implantar árvores prontas. É implantar o germe (apenas o germe) do ensinamento cristão nos corações e esperar. Implantar pouco e esperar muito.
Quando nos tornamos incapazes de esperar, quando perdemos a paciência com as pessoas, quando ralhamos com elas e as julgamos, quando enfim as queremos condenar, perdemos a noção essencial do reino de Deus. Quantas vezes João 3:16 foi pregado, a partir dos púlpitos, como uma síntese de todo o evangelho! No entanto, esse verso só é plenamente elucidado pelo que vem a seguir: “Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele”.
De todas as palavras que já foram pronunciadas, ouvidas e escritas, “Deus enviou” são, para mim, de certo, as mais tocantes. Porém, essa singela sequência de termos tem uma explicação, um porquê, na estrutura do capítulo 3 de João. Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para o condenar, mas para o salvar. Sem esse aditivo, sem esse colírio para os olhos e calmante para o espírito, o enviar do Filho por Deus permanece sem explicação. Não faz sentido algum.
As parábolas de Mateus 13 ensinam exatamente isso. Sobretudo a do semeador. Jesus semeou em todos os tipos de terra, não porque desejasse condenar a maioria dos homens, mas porque queria e ainda quer salvar a todos. Por isso também, até hoje, o grande semeador espera com longanimidade infinita.
Ao lermos a parábola do semeador, somos tomados pela impressão de que a paciência nela ensinada é verdadeiramente infinita. No entanto, a parábola seguinte amplia ainda mais essa paciência, levando-a a abranger não apenas a messe plantada por Cristo (o trigo), mas também os filhos do maligno, isto é, o joio.
A parábola das duas sementes não afirma que o semeador cai no sono, após ter plantado, mas que “os homens” o fazem. Enquanto isso ocorre, de noite, o inimigo de Cristo semeia o campo com joio. Com as metáforas da noite, do sono e da semeadura do joio, Jesus quis indicar que uma crise sobreviria, logo após ele deixar seus discípulos.
As falsas doutrinas semeadas pelo maligno, durante o sono dos primeiros cristãos, foram as gnósticas. Os partidários dessas heresias tentaram reinterpretar o evangelho e acabaram por subvertê-lo. No século II, Ireneu de Lião escreveu uma ampla recensão, que permanece o mais importante testemunho sobre a penetração das doutrinas gnósticas no interior da igreja. Naquela época, a fé cristã ainda era recente. Não existia a diversidade estonteante de heresias, que se constituíram mais tarde. Por isso, Ireneu atribuiu ao seu livro contra os gnósticos o título Contra as heresias. Para ele, heresia era sinônimo de gnosticismo. A crermos no relato de Ireneu, é impressionante como as correntes gnósticas desenvolveram hipóteses puramente imaginativas sobre Deus, Jesus, o Espírito Santo e uma série quase interminável de entidades espirituais.
Entretanto, o erro contra o qual Jesus nos advertiu, na parábola do joio, não foi o da falta de combate aos hereges ou mesmo às heresias, mas exatamente o contrário: foi o erro do combate excessivo, da tentativa de desarraigar prematuramente os seguidores de doutrinas discrepantes, assim como as dos gnósticos. Infelizmente, essa atitude intolerante, violenta e dogmática predominou durante séculos. Ela inspirou uma parte significativa da História da Igreja. Pode-se afirmar que numerosos capítulos da existência cristã, no mundo, nada mais foram que um longo descumprimento da parábola do joio e do trigo.
"A pressa de eliminar o joio, o afã de acabar com a mistura, no reino dos céus, não correspondem à longanimidade e à paciência do semeador. Correspondem à falta de coração e de disposição para perdoar 70 vezes sete."
Jesus ensinou-nos a deixar o joio crescer, lado a lado com o trigo. Isso não significa que devemos deixar de combater as falsas doutrinas, mas deixar de reagir violentamente contra os seus seguidores. Precisamos de moderação e, ainda mais do que isso, de paciência para com eles. Se o reino dos céus não deixa de ser o reino dos céus, porque a mulher da quarta parábola de Mateus 13 mistura o fermento ao trigo plantado por Cristo, se ele não perde a sua natureza íntima, quando o trigo é ingerido juntamente com o fermento, muito menos no estágio anterior em que o trigo e o joio permanecem como lavoura. Jesus quis dizer, claramente, com isso, que a mistura continua e deve continuar no mundo, até o tempo determinado pelo Pai.
A pressa de eliminar o joio, o afã de acabar com a mistura, no reino dos céus, não correspondem à longanimidade e à paciência do semeador. Correspondem à falta de coração e de disposição para perdoar 70 vezes sete. Jesus não deixou de semear em qualquer parte do campo. Ele demonstrou misericórdia e até hoje exercita paciência, para com todos os tipos de homens.
Em suma, a parábola do joio não ensina apenas a abstenção da violência física contra os adeptos de doutrinas extravagantes e heréticas, mas a abstenção de toda sorte de excesso moral contra eles. Excessos morais, desrespeito pela dignidade intrínseca às pessoas, podem indicar maior falta de compaixão e paciência do que a própria violência física. A resistência que Jesus ensinou a opor ao mal é espiritual e moral, porém não atrevida, insolente, desrespeitosa para com o que Deus depositou em cada tipo de pessoa, até mesmo em cada indivíduo. Simplesmente, não temos discernimento bastante para agir de maneira contrária a esse princípio. Ou será que alguns têm? Ou será que a alguns não se aplica a parábola do joio e do trigo?