Um olhar atento percebe que a cronologia rigorosa e quase universalmente aceita, que localiza a morte de Jesus no fim da sexta-feira, e a ressurreição, no nascer do sol do domingo, exige que o furto do seu cadáver tenha ocorrido no sábado ou durante a noite (parte inicial) do domingo, para que essa hipótese possa ser verdadeira. Não mais do que essas 35 horas estiveram disponíveis, portanto, para que a transferência fosse realizada.
Porém, é difícil imaginar alguém animado a retirar o corpo de Jesus do sepulcro, num período tão curto de tempo. Afinal, as primeiras 24 horas após o sepultamento foram as do sábado de descanso. Uma pessoa interessada em simular a ressurreição, teria sido um judeu piedoso: um fariseu, um cristão ou, no mínimo, um simpatizante desses grupos. O imaginário homem, porém, exatamente por ser piedoso, não poderia realizar trabalhos no sábado. Além disso, Jerusalém estava cheia demais para que o furto pudesse ocorrer sem mais. Isso torna bastante improvável que a transferência do corpo tenha ocorrido no sábado.
Restaria a possibilidade de ele ter acontecido, às ocultas, na noite de domingo. Para os judeus, o dia começava com o pôr do sol e terminava no ocaso do dia imediato. Marcos, Lucas e João situam a descoberta da ressurreição, no nascer do sol. O primeiro afirma que ela ocorreu “muito cedo, no primeiro dia da semana, ao despontar do sol” (Mc 16:2). Lucas diz que era “o primeiro dia da semana” e “alta madrugada” (Lc 24:1). E João, que era “o primeiro dia da semana”, “de madrugada” e que estava “ainda escuro” (Jo 20:1).
Essas expressões de sentido cronológico indicam que os evangelistas desdobraram-se para situar, com a maior exatidão possível, o horário da descoberta. Marcos deu três referenciais de tempo, Lucas, dois, e o autor de João, três. Todos apontaram a madrugada do domingo como o momento da descoberta.
O autor de Mateus foi o único a dissentir dos outros evangelistas. De acordo com ele, a ida de Maria Madalena e da outra Maria ao sepulcro se deu, “no findar do sábado, ao entrar o primeiro dia da semana” (Mt 28:1).
A diferença de cerca de 10 horas, entre a primeira ida de discípulos ao sepulcro, em Marcos, Lucas e João, e em Mateus, sugere a existência de duas versões de horário. O fato de nem Marcos, nem Lucas, nem João terem afirmado que as mulheres, que foram ao sepulcro, encontraram guardas, como Mateus o fez (Mt 27:66), ou que ocorreu um terremoto (Mt 28:2), parece indicar que versões abrangiam também outros pontos. Provavelmente, as versões nasceram de testemunhos oculares parcialmente divergentes.
Não faltaram testemunhos divergentes sobre a ressurreição. Nem poderia ter sido diferente. Mateus fala de duas mulheres que foram ao sepulcro, Marcos, de três, Lucas, de um número indeterminado. Isso para nos atermos apenas ao primeiro grupo que entrou no túmulo. Mais tarde, o discípulo amado, Pedro e muitas outras pessoas foram até lá ou ouviram falar o que se passara. É claro que dessas múltiplas observações e comunicações resultaram versões diferentes do horário da descoberta do túmulo vazio.
O horário de Mateus é uma dessas versões. Não é sequer a versão mais crível, por um simples motivo: as mulheres que descobriram o túmulo vazio não foram lá por curiosidade, mas com o objetivo de embalsamar o corpo de Jesus (Mc 16:1). Para isso, tiveram de comprar os aromas usados no embalsamamento, após o sábado. É improvável que elas os tenham adquirido na noite de domingo. Além disso, como e por que mulheres teriam ido ao túmulo à noite, quando poderiam tê-lo feito na manhã imediata? Por ansiedade? Os costumes sociais e as regras religiosas da época tornariam, no mínimo, muito difícil mulheres darem vazão à sua ansiedade, de modo a comparecerem a um sepulcro de madrugada, nas condições específicas daquele domingo pascal.
É preciso observar, porém, que vários aspectos da versão de Mateus são aprovados no teste lógico. Mateus não afirma que as mulheres entraram no sepulcro de noite, o que teria sido de se duvidar ou admirar. Além disso, na Páscoa, a cidade e seus arredores estavam lotados de peregrinos, o que pode ter encorajado as seguidoras de Jesus a saírem da cidade à noite.
Esses pormenores, sem dúvida, salvam o horário de Mateus do descrédito total, mas não o tornam mais provável que o de Marcos, adotado também por Lucas e ratificado por João. Ambas as versões são lógicas. Porém, diferentemente de Mateus, Marcos, Lucas e João deixam um lapso de tempo, também no domingo, para que o furto do corpo possa ter ocorrido.
Mas, se o lapso provavelmente existiu, não se pode afirmar o mesmo das condições e do motivo para que o furto se consumasse. Shimon Gibson afirma que, nas três grandes festas anuais (Páscoa, Pentecoste e Tabernáculos), Jerusalém recebia "dezenas de milhares de peregrinos" (GIBSON, Shimon. Os últimos dias de Jesus - a evidência arqueológica. São Paulo: Landscape, 2009. p. 80). Não seria fácil a alguém perpetrar o furto de um cadáver nessa situação. O caso se agrava, ao considerarmos que "muitos dos peregrinos ficavam em acampamentos formados por tendas fora da cidade, nas áreas norte e leste do Gólgota" (idem. p. 58). Basta olharmos um mapa da Jerusalém do século I para nos darmos conta de que essas áreas eram muito próximas do túmulo de Jesus. Nesse contexto, não seria fácil a alguém sair com o cadáver, sem ser visto.
Quanto ao motivo do furto, João relata que, após encontrar o túmulo aberto, Maria Madalena avisou Pedro e o discípulo amado, retornou ao túmulo e ali permaneceu chorando (Jo 20:11). Maria chorou, porque a ideia da ressurreição não lhe ocorreu. O mesmo deve ser afirmado de Pedro e do outro discípulo. Após declarar que estes viram o túmulo vazio, o Evangelho acrescenta: “pois ainda não tinham compreendido a Escritura, que era necessário ressuscitar ele dentre os mortos” (Jo 20:9). Os discípulos viram, mas não entenderam.
Como discípulos que nem sequer pensavam em ressurreição, poderiam ter furtado o corpo, para simular uma? A tristeza de Maria não foi diferente da de Pedro e do outro discípulo que viram o túmulo logo depois dela. Nenhum deles entendeu que Jesus haveria de ressuscitar.
Poderia alguém ter tomado atitude totalmente diversa da de Maria, de Pedro e do condiscípulo que o acompanhou ao sepulcro? É claro que poderia, mas isso não é provável. De todos os seguidores de Jesus, ninguém excedia aqueles, em proximidade e diligência. Como os discípulos mais próximos e mais diligentes poderiam ter permanecido na ignorância sobre a ressurreição, enquanto outros tramavam simulá-la? Como o contexto da Páscoa poderia ter produzido atitudes tão opostas quanto essas, em meras 35 horas?
No entanto, há um outro obstáculo à hipótese em consideração. O fato de Jesus ter sido aclamado, ao entrar em Jerusalém, e ter sido condenado pela multidão, cinco dias depois, indica que os seus seguidores se dispersaram e emudeceram, quando ele foi preso. Nesse contexto, como imaginar tanta ousadia quanto a necessária para furtar ou transferir o corpo de Jesus, a fim de simular a ressurreição? Como imaginar que isso possa ter sido pensado e executado, ainda por cima, em parcas 35 horas?
Na verdade, os discípulos de Jesus tremeram. Eles foram possuídos de medo. Por isso, sumiram dos locais dos julgamentos e da paixão. Por isso também, não podem ter reunido forças para desfechar, tão imediatamente, o contra-ataque da transferência.
Apesar disso tudo, a transferência do cadáver do santo sepulcro para outro local tem sido a tese defendida por praticamente todos os críticos. Raros deles aceitam as hipóteses da morte comum ou da sobrevivência. Ao que parece, tampouco creem na ressurreição. O mais curioso nesse entendimento é que contraria, frontalmente, o método crítico, como acabo de demonstrar. Analisados criticamente, os dados dos Evangelhos sobre o pós-morte não deixam perceber que o corpo de Jesus foi furtado ou transferido do sepulcro.
A tese absurda da transferência sustenta-se, ou é sustentada, sobre uma única base: o senso comum, não a própria Crítica. O senso comum demonstra que os homens morrem e não ressuscitam. Os críticos não precisam de mais do que isso. Não precisam sequer da Crítica que inventaram. Para eles, Jesus não pode ter ressurgido dos mortos.
Mas se realizou seu trabalho hercúleo para, ao final, trocá-lo pelo prato de lentilhas do senso comum, por que a Crítica ainda se bate contra a fé e o senso comum? Sua atitude, nesse ponto específico, não se mantém em dívida para com eles? Não se reduz à fé no senso comum?