segunda-feira, 30 de março de 2015

Filosofia e Direito (4): A Hipótese de Darwin


O fundamental e o característico tanto da Modernidade quanto da Pós-Modernidade é a superação e confirmação simultâneas de ideias religiosas, não a simples eliminação delas. Se por um lado questiona e elimina um número de ideias religiosas, por outro a Modernidade confirma doutrinas religiosas fundamentais. Esse é o método específico pelo qual a Modernidade se constroi.
Nos nossos tempos, vemos instituições e ideais tão antigos quanto a família, a religião, a autoridade paterna, e valores como a benevolência e a feminidade serem transformados de mil maneiras, sem jamais deixarem de existir e de se revigorar. Somos autorizados por esses fatos a propor a abolição de ideias tradicionais como Deus? Não me parece que seja o caso.
É possível citar fatos do nosso tempo, que exemplificam a hibridação de elementos antigos e atuais na contemporaneidade. Um deles é a influência da religião na política norteamericana. Outro é a pressão exercida pelo movimento criacionista, que se desenvolveu nos Estados Unidos, onde também assumiu formas novas, como o design inteligente. Nomes como os de Henri Morris, Duane Gish e Michael Behe estão associados às principais etapas desse movimento. No Brasil, figuras como os ex-Governadores Anthony e Rosinha Garotinho e a ex-Ministra e candidata presidencial Marina Silva professaram adesão ao movimento; na Holanda, há poucos anos, a Ministra Maria van der Hoeven defendeu o ensino do design nas escolas. Enfim, o movimento está em ascensão, no mundo todo. Entre os muçulmanos, há um grande grupo antievolucionista liderado por Adnam Otkar. A Torah Science Foundation judaica tem a mesma finalidade. Trata-se de um estado de espírito extremamente relevante, que cresceu a partir do epicentro das sociedades desenvolvidas e se espalhou por todo o mundo civilizado.
A esquerda rançosa insiste em empacotar isso e o mais que não compreende ou de que discorda num só volume ao qual não hesita em assentar o rótulo conveniente de conservadorismo. Pode de fato existir algo nefasto nesse conservadorismo.
Quero esclarecer que me identifico com muitas ideias denominadas progressistas. Na verdade, identifico-me com tantas delas e tenho tal anelo pelo triunfo de concepções progressistas do mundo que escrevo para encontrar um caminho que permita transformar o hiperurânio cosmo progressista num mundo factível e histórico.
Nesse ponto é que a ideia de conservação se imiscui. Se for despojada do ranço contrário à “revolução permanente” da esquerda, que acaba no giro de 360 graus, a ideia de conservação, em vez de impedir, poderá ser útil à implantação de uma revolução cultural orientada por ideias progressistas, uma vez que está animada de algo essencial à viabilidade de qualquer transformação histórica.
A incapacidade de dialogar com o passado na intensidade exigida pelo processo histórico inviabiliza qualquer revolução. Nietzsche anunciou a falência, o estado de putrefação do fundamento teológico-metafísico da cultura ocidental por meio de uma expressão morte de Deus (NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. 3ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2005. pp. 135, 147-148, 233-234), que se fez abjeta a muitas pessoas.
Creio não me equivocar quando considero que Deus, na filosofia da morte de Deus, não é apenas um ser real ou hipotético, mas o amplo fundamento filosófico e teológico de toda a cultura ocidental. Deus é a base das crenças, valores e do próprio funcionamento das instituições cristãs e seculares ocidentais. Nietzsche anunciou o esgotamento definitivo do modelo civilizatório calcado nessa ampla base filosófica e teológica.
O que me levou a investigar em profundidade a Teoria da Evolução foi a percepção de que o dogma da criação especial encontra-se no cerne da base filosófico-teológica da cultura ocidental abalada pelo movimento da morte de Deus. Do ponto de vista filosófico, a novidade máxima da visão monoteísta do mundo não é o Deus supremo. É a criação do mundo por Deus, vale dizer, não um processo criador qualquer, mas um especial, vale dizer, um ato originador intencional e movido por um poder que não conhece limites.
Embora a revolta contra Deus (quero dizer contra o mundo erguido sobre essa palavra) não tenha cessado de se desenvolver durante séculos, enquanto a ideia da criação especial não foi abalada, nas décadas que se seguiram à publicação de A origem das espécies, de Charles Darwin, a concepção teológico-metafísica à base do mundo ocidental manteve a sua hegemonia. A obra de Darwin deu os motivos para que o terremoto final se desencadeasse.
Curioso é que o terremoto ocorreu contra a vontade do autor da teoria que o desencadeou. Darwin nunca propôs a remoção total da ideia de criação especial herdada da tradição judaico-cristã. Ele não via “qualquer bom motivo para os pontos de vista apresentados neste volume [A origem das espécies] chocarem os sentimentos religiosos de alguém" (DARWIN, Charles Robert. The origin of species. New York: Penguin, 1958. p. 452). Mais do que isso, Darwin pode ser apontado como precursor da doutrina da Evolução Teísta, ao propor que a primeira ou as primeiras formas de vida foram criadas por Deus, tendo a evolução se desenvolvido a partir daí.
No século de Laplace, Darwin não encontrou fundamento científico para afirmar que a matéria viva se autoorganizou a partir da matéria inanimada. Ao contrário de Laplace, o grande cientista inglês demonstrou precisar da hipótese teísta. Não se pode negar que A origem das espécies admite que a evolução se seguiu a um ato ou a uns poucos atos de criação especial de formas de vida por Deus. Nas palavras do próprio Darwin, "há grandiosidade nessa visão da vida, com os seus vários poderes, tendo sido soprada pelo Criador em umas poucas formas ou mesmo em uma só. A partir de um início tão simples, enquanto o planeta seguia girando segundo a lei fixa da gravidade, infinitas formas de beleza e de maravilha insuperáveis evoluíram e continuam até hoje a evoluir" (DARWIN, Charles. The origin of species. In Great books of the western world. Nova York: Encyclopaedia Britannica, 1993. Vol. 49. p. 243).
Em outra passagem de sua mais famosa obra, Darwin defendeu os pontos de vista dos homens de ciência que admitiam a criação especial de uma ou de umas poucas formas de vida, opondo-os às idéias dos cientistas que defendiam a criação especial de todas as espécies. Ao expor o embate entre esses dois grupos de cientistas, Darwin especificou o que pretendia dizer com as poucas formas de vida, a partir das quais a evolução teria ocorrido. Mostrou que alguns cientistas afirmavam a criação especial de quase todas as espécies sem responder uma série de indagações fundamentais como: "A cada ato de criação foi produzido um único ou muitos indivíduos? O número infinito de tipos de animais e de plantas que já existiram foi criado em forma de ovos e sementes ou em forma adulta? Os mamíferos foram criados com as marcas enganosas da amamentação materna? Sem dúvida, algumas dessas perguntas não podem ser respondidas pelos que acreditam no aparecimento ou criação de umas poucas ou de uma única forma de vida. Alguns autores sustentam que é tão fácil crer na criação de um milhão como de um único ser. Mas o axioma filosófico da menor ação, enunciado por Maupércio convida à adesão à última tese" (idem. p. 240-241).
Por isso o mestre da demonstração científica conclui: "Não posso colocar em dúvida que a teoria da descendência com modificação compreende todos os membros de uma mesma grande classe ou reino. Acredito que os animais descendem de, no máximo, quatro ou cinco progenitores, e as plantas, de um número igual ou inferior" ((idem. p. 241).
Esse texto sugere que as quatro ou cinco formas primígenas de animais foram criadas por Deus, assim como poucas outras formas de plantas. Essa parece ter sido a posição pessoal de Darwin sobre a origem dos ancestrais remotos dos seres vivos. Não há grande divergência, se existir alguma, entre a posição que defendo sobre a evolução e a que Darwin expôs em sua clássica obra.
Não foi sem razão que Darwin exigiu para si o título de teísta: “Quando medito dessa maneira, sinto-me atraído a observar a Primeira Causa como tendo uma mente inteligente em algum grau análoga a essa dos homens; e mereço ser chamado Teísta" (Citado em MILLER, R. Finding Darwin’s God. Nova York: Harper Collins, 1999. p. 287).
Embora aceitasse a designação de agnóstico recém-cunhada por Thomas Huxley (COLLINS, Francis S. A linguagem de Deus – um cientista apresenta evidências de que Ele existe. São Paulo, Gente, 2007. p. 105), Darwin considerava esse termo em sentido diferente do que ele assumiu mais tarde. Tomava-o, com toda probabilidade, num sentido compatível com a admissão de algum grau de intervenção divina na história natural. No mínimo, podemos admitir que o agnosticismo de Darwin era especial o bastante para comportar alguns atos de intervenção transcendente.
Quanta diferença em relação ao pensamento pandirecional que alguns denominam pós-moderno! Darwin move-se em quatro ou até em oito direções. É o que um ser humano pode fazer sem se perder: mover-se para o norte, para o sul, para o leste, para o oeste ou ainda para o nordeste, o sudeste, o sudoeste ou o noroeste, com ajuda de uma boa bússola.
A renúncia a mover-se em todas as direções é fundamental para o homem. Infelizmente, os pós-modernos, pós-capitalistas, pós-teológicos, pós-jurídicos, enfim os pós-tudo querem revolucionar tudo ao mesmo tempo, o que implica mover-se em todas as direções: terminam por descrever o giro de 360 graus que caracteriza o seu pensamento.
Lembro essas coisas com o objetivo de tornar nítidas as linhas mestras da propedêutica filosófica em que tenho balizado o meu pensamento. Não tenho a intenção de provar qualquer coisa sobre criação ou evolução, Deus ou o ateísmo, em espaço tão mínimo quanto o deste artigo. Publiquei A hipótese de Darwin e outros livros exatamente para fornecer tal demonstração, nos limites da minha capacidade.
A demonstração parte da hipótese da criação afirmada por Darwin ao desenvolver cientificamente a Teoria da Evolução. Não só parte como é a demonstração daquela hipótese de Darwin. Deixa claro, com isso, que Darwin é, ao mesmo tempo, patrono da criação e da evolução ou, como disse Teilhard de Chardin, da Evolução Teísta.
É preciso não recebermos o preço da pós-modernidade em notas de três dólares. Pós-modernidade nunca foi, não é e não poderá ser, no futuro, um mundo sem Deus ou sem Teologia. Seu preço é pago em notas de um dólar. Dá trabalho contá-las, mas a opção envolve vantagem tão fundamental que não é necessário alardeá-la.

domingo, 29 de março de 2015

Filosofia e Direito (14): Jusnaturalismo Concreto

Não é possível negar que a Filosofia do Direito se tenha inclinado, nos últimos tempos, à negação da doutrina do direito natural. Não por certo a uma negação total, a não ser em casos isolados, mas à negação parcial ou à redução do território sobre o qual essa antiga doutrina jurídica exerceu a sua influência. Tampouco é possível rejeitar que parte considerável das críticas ao direito natural formuladas recentemente seja procedente ou, pelo menos, justificada.
No entanto, o recuo do direito natural imposto por essas tendências não se fez acompanhar pelo avanço proporcional do positivismo jurídico, a não ser durante cerca de um século. Assim, um espaço se abriu, entre os séculos XIX e XX, que veio a ser ocupado por teorias não caracterizadas como jusnaturalistas ou positivistas.  Em sua História da Filosofia do Direito em três volumes, Guido Fassò chamou antiformalistas essas teorias.
Não convém conceber as teorias antiformalistas como uma terceira via ou como uma negação simultânea do jusnaturalismo e do positivismo jurídico. Se esses dois grandes modos de pensar o direito, em seu sentido mais amplo, são metateorias jurídicas, como temos defendido, as escolas antiformalistas aproximam-se necessariamente mais de uma delas. E, se não são casos puros de uma ou de outra metateoria, elas devem ser vistas como concepções mistas em que ora predomina uma, ora outra das metavisões jurídicas.
Era, porém, necessário que a força das concepções predominantes na História do Direito se impusesse, mais cedo ou mais tarde, às tentativas de concentração do pensamento na zona cinzenta entre elas, uma vez que, quanto mais tempo se despende em tal região, mais o sentimento avulta de perda dos referenciais primários do jurídico. Assim, do final da 2ª Guerra até hoje, observamos senão uma nova polarização entre o direito natural e o positivismo, ao menos uma retomada deles.
Tratarei, neste texto, da retomada do direito natural. Curioso é que, em alguns autores, essa retomada foi inspirada em resultados da reflexão juspositivista como a de Kelsen, que concluiu que, ao ser integralmente desenvolvida, a teoria positivista, em vez de eliminar a noção de direito natural, a implica. É o que encontramos no Apêndice à Teoria geral do direito e do Estado publicada por aquele autor:
"A norma fundamental foi aqui descrita como a pressuposição essencial de qualquer cognição jurídica positivista. Caso se deseje considerá-la como elemento de uma doutrina de Direito natural, a despeito de sua renúncia a qualquer elemento de justiça material, pouca objeção se pode fazer; na verdade, tão pouca objeção quanto se pode opor caso se queira chamar metafísicas as categorias da filosofia transcendental de Kant por não serem elas dados da experiência, mas condições da experiência [...] A teoria da norma fundamental pode ser considerada uma doutrina de Direito natural em conformidade com a lógica transcendental de Kant” (KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 3ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 625).
Sabemos que a teoria da norma fundamental não é só inspirada em Kant, mas também desenvolvida em termos acentuadamente kantianos. Kelsen não o dissimula em momento algum. A passagem acima, por exemplo, o reafirma ao caracterizar a norma fundamental como pressuposição essencial de toda cognição jurídica de cunho positivista. Essa dívida com Kant tem, porém, as suas consequências, visto que o filósofo alemão denominou metafísico o conhecimento de conceitos e juízos a priori. Como neokantiano, Kelsen não nega, antes reconhece tal corolário, o que torna o seu positivismo um direito natural peculiaríssimo e baseado na lógica transcendental de Kant.
Vejamos os passos do raciocínio pelo qual Kelsen caracteriza a teoria da norma fundamental como uma espécie de direito natural. Como Bobbio explica, a norma fundamental ou “norma-base tem no sistema jurídico [...] uma função diferente daquela que tem a norma-base no sistema moral (ou no caso do direito natural). Não se trata da norma de cujo conteúdo todas as outras normas são deduzidas, mas da norma que cria a suprema fonte do direito, isto é, a que autoriza ou legitima o supremo poder existente num dado ordenamento a produzir normas jurídicas” (BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico – lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 201).
No entanto, a admissão do caráter jusnaturalista da norma fundamental por Kelsen leva-nos muito além desse ponto. Chega a constituir uma autêntica confissão da consistência e da quase inevitabilidade da doutrina do direito natural, por um dos maiores positivistas. Como a confissão se deve à racionalidade da teoria da norma fundamental, do ponto de vista da Lógica Transcendental, o mesmo critério pode ser usado para fundamentar o caráter lógico do ordenamento jurídico como um todo. Se a norma fundamental é perfeitamente racional, do ponto de vista de sua correlação com as fontes do ordenamento, pelo mesmo motivo devemos concluir que as relações entre ela e os princípios e regras é racional. E se Kelsen reconhece que a teoria da norma fundamental é jusnaturalista, a que conclusão devemos chegar a respeito do ordenamento construído com base na mesma Lógica?
Essas considerações conduzem-nos à conclusão de que o ordenamento jurídico inteiro e não apenas uma parte dele pode ser visto como um sistema de direito natural, uma vez que as relações de seus elementos constituintes (princípios e regras) com a norma fundamental se estabelece de acordo com a Lógica Transcendental.
Em outras palavras, se a norma fundamental determina a configuração do sistema e é um conceito de direito natural, o sistema como um todo também o é. É como se a norma fundamental comunicasse algo do seu caráter ao sistema. Essa é a conclusão mais consequente que se pode extrair da admissão de Kelsen. Com ela, a discussão das relações entre o direito natural e o positivo se estabiliza de maneira extraordinária, uma vez que o último passa a ser visto como uma modalidade do primeiro. Assim, a afirmação de Bobbio de que não há direito (em sentido próprio) a não ser positivo se resolve nesta outra: não há direito a não ser natural. 
Por outro lado, se o positivismo jurídico, como Kelsen e Bobbio o compreendem, “estuda o direito real sem se perguntar se além deste existe também um direito ideal (como aquele natural), sem examinar se o primeiro corresponde ou não ao segundo” (idem. p. 136), sua pretensão torna-se impossível na medida em que o direito real se torna objeto de disputas, ao mesmo tempo em que permanece sujeito a uma lógica bem determinada. Nesse caso, a solução de conflitos não pode ser alcançada com a mesma objetividade com que estabelecemos se a Cordilheira do Himalaia está ou não localizada na América do Sul. O tanto de subjetividade que o pensamento jurídico comporta basta, pois, para que ele inclua, sempre e ao mesmo tempo, juízos de fato e de valor.
Diante disso, não é melhor admitirmos que o direito natural continua vivo e capaz de cumprir seu papel de noção fundante do pensamento jurídico? O próprio argumento da irrelevância fundado no caráter abstrato do direito natural perde sentido, na medida em que reconhecemos que as decisões dos casos jurídicos concretos pautam-se inevitavelmente nos parâmetros abstratos da ratio scripta e não se constituiriam sem eles. Perde sentido também ao nos darmos conta de que o direito positivo inteiro pode ser visto como uma espécie de direito natural.
Quando um teórico tão proeminente quanto Ronald Dworkin sugere um retorno aos princípios de cada precedente judicial e de cada lei, no fundo ele propõe uma explicitação lógica mais perfeita das normas gerais a que as particulares se prendem. Os princípios são gêneros aos quais as normas particulares se reportam enquanto espécies, pois, como Bobbio explica, “de um conjunto de regras que disciplinam uma certa matéria, o jurista abstrai indutivamente uma norma geral não formulada pelo legislador, mas da qual as normas singulares expressamente estabelecidas são apenas aplicações particulares: tal norma geral é precisamente aquilo que chamamos de um princípio do ordenamento jurídico” (idem. p. 220).
É verdade que, com essas palavras, Bobbio se refere aos princípios gerais do direito que o legislador determina devem ser utilizados para preencher as lacunas de normas particulares. Verdade é também que os usos dos princípios a que Bobbio e Dworkin se referem são diferentes. O primeiro pretende que eles sejam utilizados para suprir lacunas do ordenamento. O outro quer que eles sejam empregados para esse e outros fins. No entanto, para ambos, os princípios jurídicos são aproximadamente o mesmo. São normas gerais inferidas a partir de outras particulares.
Dworkin refere-se aos princípios como direitos anteriores à própria legislação, portanto como algo semelhante, embora não idêntico ao direito natural: "A teoria dominante [positivista e utilitarista] é falha porque rejeita a ideia de que os indivíduos podem ter direitos contra o Estado, anteriores aos direitos criados através da legislação" (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. XIII). E provê um exemplo desses direitos anteriores por meio da "derivação de direitos particulares do direito abstrato à consideração e ao respeito, considerados como fundamentais e axiomáticos" (idem. p. XX). 
Embora Dworkin não seja um jusnaturalista típico, sua afirmação de direitos anteriores à legislação o aproxima do marco do direito natural. Não que aqueles direitos sejam entendidos como universais e imutáveis. Dworkin não os vê dessa maneira. Mas tampouco me parece necessário que todo direito natural seja universal e imutável. Ao contrário, parece-me necessário que isso não se dê. 
De qualquer modo, se as regras do ordenamento se prendem a princípios e não apenas umas às outras, é possível entender perfeitamente que, por meio deles, é que as normas se articulam em sistema. Pode ocorrer de o sistema apresentar antinomias, colisões entre normas, mas nem por isso ele deixa de ser um sistema, posto que as antinomias tendem a ser resolvidas a partir do conhecimento dos princípios. E tão consistente afigura-se a concepção do ordenamento assentado em princípios que o caráter natural destes, como expressões da ratio do sistema, comunica-se às regras que se fundam neles.
Não foi por outro motivo que sistemas jurídicos inteiros, como o direito romano, o canônico e o ordenamento fundado pelo Código de Napoleão, chegaram a ser concebidos como direito natural. Para os romanos, por exemplo, suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu) e neminem laedere (a ninguém lesar) eram princípios gerais que serviam de base para uma multiplicidade de outras normas. Claro que muitos outros princípios eram reconhecidos ao lado desses, de maneira que o direito romano pode ser concebido como um complexo de princípios e regras. O mesmo pode ser afirmado dos direitos canônico e napoleônico. Como o direito romano, o canônico e o napoleônico foram sistemas concretos e não são abstratos, devemos concluir que nem todo direito natural é abstrato. Há um direito natural concreto.
Wilson Batalha escreveu que o “Direito natural com conteúdo concreto, nada mais é do que aspiração, tendência à reforma ou justificação conservadora do Direito existente, elevando-se à categoria de absoluto, universal, supra-empírico o que é contingente, relativo, histórico, cultural, empírico” (BATALHA, Wilson de Souza Campos. Nova Introdução ao Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 234). Não me refiro a essa espécie de direito natural concreto.  Se o direito romano, o canônico e o napoleônico foram todos contingentes, a atribuição do caráter de direito natural a eles não os faz universais. Pelo contrário, implicou apenas o reconhecimento de que certas realidades contingentes podem ser naturais, porque consistentes com princípios adotados pelas instituições sociais de uma época e reconhecidos espontaneamente pela maioria das pessoas.
No fundo, a polêmica acerca da sobrevivência do direito natural como categoria jurídica tem por contexto a multiplicação exponencial das leis, nas sociedades emergentes da Revolução Industrial. Essa multiplicação tornou indispensável a sistematização do direito para que o ordenamento jurídico não se convertesse numa barafunda impenetrável e ininteligível.
A alguns estudiosos do fenômeno da sistematização pareceu que ela se deve a um procedimento formal, já que umas normas, consideradas superiores, são utilizadas como instrumento de controle de outras, tidas como inferiores. Sob esse ponto de vista, as normas formam um sistema porque, quando colidem, as que foram criadas por um poder subalterno são afastadas pelas que se originaram de um poder superior, independentemente do conteúdo delas. Assim, por exemplo, o conflito entre uma norma constitucional e outra ordinária é resolvido a favor da constitucional, porque o poder constituinte é tido como superior ao legislativo. Por basear-se em razões formais e não relacionadas ao conteúdo das normas, a valorização do critério hierárquico de sistematização parece fornecer um forte argumento em prol do positivismo jurídico.

Porém, a consciência do papel dos princípios acabou por arrastar os juristas a uma conclusão diversa da que é sugerida pelo critério hierárquico, já que os princípios, diferentemente de regras, quase nunca são criados por um sujeito determinado, como a Assembleia Constituinte ou o Legislativo, mas decorrem ao mesmo tempo do trabalho desses corpos e de outros agentes. Por serem produzidos de modo descentralizado por múltiplos sujeitos, sob influências mutáveis, os princípios são expressões privilegiadas da ratio do ordenamento, portanto elementos constituintes do conteúdo dele. Assim é que Bobbio e Dworkin os concebem.
Se por um lado o caráter sistemático do ordenamento advém do modo como as normas são criadas, por outro lado ele é assegurado por princípios inerentes ao sistema. E se o modo de criação das normas permite conceber o sistema sem recorrer à ideia de direito natural, por outro lado, a imanência dos princípios exige que ele seja pensado em termos jusnaturalistas ou, pelo menos, de modo consistente com o marco do direito natural. Mais do que isso, a consistência e a solidariedade entre as partes do sistema sugerem que ele todo e não apenas seu núcleo abstrato constitui expressão do direito natural.
Resta tratar de um último ponto da concepção renovada do direito natural a que me refiro. Trata-se de um ponto de importância incomensurável. O direito natural como ratio legis é tão coinato com o pensamento jurídico elaborado que não parece possível modificar a sua estrutura essencial. Assim como o direito é o direito, da Antiguidade aos nossos tempos, o mesmo sucede com o direito natural, categoria por demais fundamental para ser revolucionada.
Por isso, quando as correntes jurídicas que partem de Kant e, depois dele, de Stammler e del Vecchio propõem uma nova fundamentação lógica para o direito natural, que passa a repousar na razão pura e não na ratio das instituições jurídicas, o resultado só pode ser um desencaminhamento em relação ao que o direito natural sempre foi e – gostaríamos de enfatizar – não pode deixar de ser. Não é possível revolucionar a estrutura conceitual do jus naturale, que tem de continuar a ser hoje o que sempre foi ou ser abandonado como erro, se uma falha naquela estrutura tiver sido ou puder ser detectada.
Apesar da extensão das críticas dirigidas ao direito natural, nos últimos 150 anos, não me parece que uma falha com essas características tenha sido jamais encontrada. O direito natural como ratio de todo inconfundível com os primeiros princípios da razão prática, permanece tão válido hoje quanto sempre foi. É o que pretendemos mostrar nesta obra.
Contudo, embora o núcleo da concepção de direito natural não tenha sido alterado, não é possível negar que os desafios contemporâneos exigem que o uso do conceito seja bastante flexibilizado. A ratio legis tem algo de universal e imutável que os teóricos do direito natural de todos os séculos sempre ressaltaram com razão. Porém, esse núcleo do conceito de que tratamos. O uso dele não precisa, nem deve ser tão universal quanto seu núcleo. Pelo contrário, deve ser tão alterado e particularizado quanto as circunstâncias mutáveis do tempo o exijam.
A adaptação do direito natural à necessidade dos tempos faz-se, sem dúvida, pela flexibilização dos princípios que o exprimem, mas também pelas regras mediante as quais ele é aplicado. Seja-me permitido denominar concreta essa modalidade de direito natural cuja forma usual é a do sistema de princípios flexíveis e regras mutáveis conforme a necessidade dos tempos e as incertezas da interpretação.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Evidence for Creation: The Reptiles and Time

The creation of reptiles is narrated in verses 24 and 25 of Genesis 1 as follows: "And God said, Let the earth bring forth living animals according to their kind, cattle and creeping things and animals of the earth according to their kind; and it was so. And God made the animals of the earth according to their kind, and the cattle according to their kind, and everything that creeps on the ground according to its kind, and God saw that it was good."
To understand these verses it is first necessary to grasp the meaning of the word kind. It is frequently understood as if it had been used in the plural, but in Hebrew the word is in the singular number. Therefore, each group of living beings mentioned in the text includes one kind and not several.
This particularity changes the interpretation of the verses transcribed. If God had created the animals according to their kinds, in the plural, we would have to understand that he created all of their species. But Genesis tells us something different. It tells us that God created the cattle after their only kind, the wild animals after their kind, and the reptiles also according to their unique kind.
This means that the domestic animals form one kind in the biblical sense of the word, the wild beasts, one kind, and the reptiles, also one kind. Fortunately, it is not difficult to establish the meaning of each of these groups or kinds for the Jews, since the Bible contains only one animal classification, that of Leviticus 11 repeated in Deuteronomy 14:3-21. No information is available that the Jews have ever used any other classification until a long time after the New Testament was written.
In Leviticus 11:2-8, one group of quadrupeds is mentioned, including the camel, the dormouse, the hare and the pig. The same group appears in Deuteronomy 14:4-8. But beyond these four animals, several others are mentioned: the ox, the sheep, the goat, the deer, the gazelle, the doe, the mountain goat, the antelope, the mountain sheep and the fallow deer. With the exception of the dormouse and the hare, all others are animals with four large legs. This is the main anatomical feature of the group. The other one is that it includes animals having the nail split and the hoof divided, in addition to not being plantigrades (not walking on the soles of the feet).
Some animals in this group are domesticated, others are not. The mountain goat is described as not domesticated in Job 39:1-4. The deer, the gazelle, the doe, the antelope and the fallow deer can be kept in captivity, but not domesticated. They are wild animals. The camel, the ox and the pig, in their turn, are domestic. Although not cited, the dog, the cat and other animals are also included in this group. Therefore, the biblical quadrupeds include both the domestic and the wild animals of Genesis 1.
Let us skip those groups that are not mentioned in the first chapter of the Bible, such as fish and insects, which are clearly defined as categories in Leviticus. The birds of the fifth day appear in Leviticus as a defined group, and the reptiles are mentioned in verses 29-30 and 43-44.
Thus, a complete classification of animals is provided in Leviticus, including a group of quadrupeds (domestic and wild), one of fish, one of birds, one of insects and one or two of reptiles. The basis of the classification is the means of locomotion: on legs, on the belly, on feet, by flippers or by wings. And in order to avoid all doubt that the groups are well defined and stagnant, each is reported to have a distinct criterion of ritual purity: for quadrupeds, the criteria are rumination, possession of split nails and cloven hooves and not being plantigrade; for fish, they are the flippers and scales; for birds it is belonging to a defined list of species; for insects, it is to have longer hind legs.
There are two reptile groups in Leviticus. This conclusion is based on several reasons. First, verses 29 and 30 mention no arthropods (millipede, arachnid etc.). Verse 42, in contrast, cites basically arthropods ("whatever goes on its belly, and whatever goes on all fours, or whatever has many feet"). Therefore, from an anatomical point of view, there are as good reasons to differentiate the animals of 29 and 30 from those of verse 42 as there are to distinguish them from the quadrupeds of verses 2 to 8.
In addition, the criteria of purity for the groups mentioned in 11:29-30 and 11:42 are different. All members of the first group have four feet, but most are considered pure. Only eight species are impure. In the second group, in contrast, all four feet animals and all beings that have many feet (millipedes) are unclean. By exclusion, therefore, only those with six feet (hexapods) are considered pure. These criteria confirm that we deal with different groups.
Both reptile groups are mentioned in Genesis 8:19, which states that "every animal, every creeping thing, every bird and everything that moves upon the earth" came out of Noah's ark. The group of Leviticus 11:29-30 is that of the "creeping things" mentioned in Genesis 8:19; that of Leviticus 11:42-43 is formed by "everything that moves on the earth." So, there is no doubt that the Bible refers to two groups of reptiles and not to one.
However, Genesis 1:25 says that God made "every creeping thing of the earth after its kind." The term kind in the singular means that only one group of reptiles of Leviticus 11 and Genesis 8:19 was created on the sixth day. Again, there is little doubt that the group is that of which arthropods are excluded because, on the fourth day, God created the lights in order to provide "signs and seasons" to animals. Plants are not guided by signs from celestial bodies. They also do not recognize seasons. Therefore, the arthropods seem to have been created in the fourth day or before, leaving only the other group of reptiles to be identified with the one created on the sixth day.
Based on the difference between the verbs create (in Hebrew bara) and make (asah), which we discussed elsewhere, we know that the created beings had not existed before, while those made in Genesis 1 were recreated. One of the reasons I adopt this interpretation is that Genesis 1:1—2:4 was written in order to tell the story of the origins, which is clear not only from the narrative of the seven days, but also from the last verse of the passage, which states: "This is the origin of the heavens and of the earth" (Genesis 2:4).
As the sacred author chose to narrate the origins in a sequence of days, we face two and only two alternatives: if we do not admit that God recreated the Earth after a catastrophe devastated it, Genesis will convey only one sequence of creative acts by God; but if we adopt the interpretation that there were an original creation and a re-creation, two series of divine acts will appear instead of one. In the latter case, the days will be applied in sequence both to the original creation and to the re-creation, with the sole exception of the fifth and the last part of the sixth day, for the beings mentioned in them were created (bara), and did not exist before. 
Thus, the difference between create and make is the criterion that allows us to compose the sequence in which the original creation occurred. This sequence consists of the first four days and the first part of the sixth. When it is compared with the information provided by science, we have the following picture:

Bible
Science
Origin of light on the 1st day
Origin of light 4,5 to 3,9 billion years ago
Origin of the atmosphere, clouds and ocean on the 2nd day
Origin of the atmosphere, clouds and ocean 3,9 to 3,5 billion years ago
Origin of the Earth’s crust, herbs and fruit trees on the 3rd day
Origin of the Earth’s crust, herbs and fruit trees 3,5 billion to 360 million years ago
Origin of lights on the 4th day
Origin of lights 360 million years ago
Origin of earth animals on the first part of the 6th day
Origin of earth animals 360 to 50 million years ago

As I showed in detail in the book Darwin's hypothesis, the table above points out that, according to scientific data, the items of the original creation arose in the exact sequence indicated by the days of Genesis 1. Of course, this interpretation depends on taking the days of Genesis as ages, but that is one of the possible translations of the Hebrew word yom (day).
It is important to remember that the origin of celestial bodies mentioned in the table consisted of the clearing of the atmosphere, after a meteor collision with the Earth, 360 ​​million years ago. The collision was proven by the discovery, in 2013, of a crater in the East Warburton Basin in South Australia, with no less than 10 to 20 km in diameter. The scientist Andrew Glikson, from the Australian National University, declared that the fall of the asteroid that opened the crater caused a "regional and global impact" (Glikson, Andrew. UOL News. 20.02.2013, 1932 hours).
This cataclysmic event marks the time when the work of the fourth day took place. The age of the reptiles began not long after, from the viewpoint of geological time. Thus, in addition to the items mentioned in the table (light, atmosphere etc.), we have to place the creation of "every creeping thing" between 360 million and 50 million years ago.
Fortunately, the geological date of the origin of most forms of life can be found in available sources like the Wikipedia. Of 123 families of animals with the characteristics of the reptiles mentioned in Genesis 1:24-25 and Leviticus 11:29-30 I could find 92 which originated between 360 and 50 million years ago, only five that came after, and none preexistent. About 26 families no information was provided.
This means we have 92 correct locations of living creatures besides those listed in the table. To form a concept, albeit rough, of what that means, consider how many combinations of the 92 items with the others mentioned in the four and a half days are possible. The link http://matematica2.no.sapo.pt/12Year/Matemilhoes2.htm helps us to estimate this number as it calculates how many bets combinations of six numbers out of the 49 of the lottery known as Lotto are possible. The answer is 13,983,816.
The calculation is simple. To win the Lotto, a gambler needs to hit the combination of six of the 49 numbers included in the draw. It is not necessary to add that the chance of someone hitting the "right" combination is almost zero, because otherwise the lottery would not exist for lack of means to pay the premiums.
What about the 92 families of living beings located correctly in Genesis 1? In fact, the selection of the living beings that make up the biblical sequence is much more unlikely than that of the lottery numbers, since 92 is not the number of options from which we must take the items of our sequence. The 92 families of reptiles are for the biblical sequence as the six drawn numbers are for Lotto. Therefore, the number of options from which the 92 families were taken is much higher. It equals the number of varities of living beings that were known in Antiquity. That means all kinds of plants, trees, fish, arthropods and other living beings that old man knew.
This number is much higher than 92, which increases the difficulty in choosing the correct sequence. If that sequence is made of 92 items (of more than 100, in fact, since it also includes inanimate things), the universe from which they were taken is much higher. It certainly includes thousands of groups of living beings that could have been placed in the biblical sequence.
How many different forms of fish, insects, arthropods did old man know? The truth is that we do not know. But we know that they were too many. How many fish, insects and other arthropods did Aristotle know, when he wrote his History of animals with hundreds of pages? When it mentions "all reptiles" and other groups of animals, the Bible utilises a knowledge of kinds that was probably not inferior to that of Aristotle, for a simple reason: the Jews needed to separate clean animals from unclean, which forced them to create one of the most comprehensive and rigorous classification of animals known in ancient times.
This is a very important point. Historical data show that the Jews needed to separate clean and unclean animals not only for religious, but also for social reasons. Therefore, they created the broad classification of clean and unclean animals found in Leviticus and Deuteronomy that is rigidly repeated throughout the Bible. It is essential to realize that the only way a Jew could always decide whether an animal was pure or impure was by creating a comprehensive ranking. That was what they did, from the time of the Babylonian Exile, when the Jews were exposed to a different diet, and were forced to differentiate not only a few, but all kinds of clean and unclean animals.
Thus, we are forced conclude that, when Genesis 1 refers to the broad groups of living beings, such as herbs, trees, birds and quadrupeds, without adding the word all, the origin of the groups as wholes is mentioned. But when verse 25 mentions all reptiles something different is involved. The reference is no longer to the broad group of reptiles, that is, to the first species of it that ever existed, but to all the varieties comprised in the group. That makes a big difference, since it adds hundreds and not only one form of life to the biblical sequence. 
For all that, the main requirement for one to understand the chances of mentioning the correct sequence of origins by chance is not the number of broad groups cited in Genesis 1, but the number of varieties known by the ancient Jews. Only this last number allows a realistic idea of ​​the degree of difficulty involved in composing the sequences of creation and re-creation. It is amazing that this number is not 49 or 92, but thousands! And from that number we should take not only one, but 92 groups in the correct sequence!
It is not easy to understand the comparison of the Genesis sequence and the Lotto. As the structure of the sequence is composed not only by the reptiles of the sixth day, but by all the items that originated on other days, to put one group of reptiles in the correct place of the sequence corresponds to hitting the Lotto once. And placing the 92 groups in the right order is equivalent to hitting the Lotto 92 times in a row. Not forgetting, of course, that the Lotto draws 6 numbers out of 49, while to make up the Genesis sequence 92 groups of reptiles are to be chosen out of hundreds or even thousands of other categories.
Let us reason calmly: how many combinations of hundreds or thousands of integers are possible? We can calculate, but it will be in vain. We have no idea of ​​the difference between a million and this defiantly high number. The magnitude of the number involved is so high that we cannot understand it.
Have we finished? Not yet. We still have to consider other factors that may possibly influence the number of combinations. The results of the draws of Lotto are sets of numbers. The task of choosing the right sequence of origins is infinitely more complex because, in addition to choosing the right items among thousands of others, we have to locate them in the correct time frame, as living beings were not created in a week or in a month. It will be useless to put the right sequence in the wrong places of the timeline. Only the right sequence in the right places will be of advantage.
Someone will say that the biblical sequence is undated. That the Bible merely puts the items created one after the other, without locating them here or there in time. Only the scientific sequence is dated. I agree in part. Scientific sequence is really dated, but Genesis does not state its sequence is timeless. Quite otherwise, the implication is that it fits into the timeline in one way among infinite others.
The same sequence can be seen differently, as we stretch it more or less on the timeline. In how many ways can it be seen? Under how many chronological variations can it be conceived? In infinite ways and under infinite variations, since time and numbers are infinite. However, the claim of the biblical text is not that any one of the infinite ways and of the infinite variations is true. The intention is to say that one way and one variation are correct.
This implies that, as a single event (e.g. the origin of the ocean) is identified with a particular event on the timeline, the place of all the others will necessarily be before or after it. This conception does not lead to random distribution of the biblical sequence in time. It leads to a specific location. So, the more we identify the statements of Genesis with facts of Cosmic History, the more determined the chronological meaning of the sequence will become. Since time is infinite, the selection of the right sequence can be described as a number among infinite others.
This seems to be the most correct way to deduce the meaning of the sequence of origins in Genesis. But let us make a concession to skepticism. In fact, a big one. Let us admit that the correct sequence was not taken from endless others. Given this hypothesis, we have two ways to estimate the correctness of the sequence. One is to consider that it comprises a hundred items among thousands of others that could have been cited, since the Jews knew thousands of groups of living beings. The number of combinations of these thousands is very high, but finite. On the other hand, we can consider that the parallel between the divine acts of creation and the corresponding cosmic events implies that the items of the sequence are distributed in a limited section of time. Thus, the chance of reaching the correct sequence by chance should be assessed as one in an infinite number.
For a non-alienated science, what practical difference can be said to exist between one or two trillions and an infinite number? The chances of random selection of a number out of the two are not equal for all relevant purposes? The method employed to come to both numbers is not scientific? Why cannot that method be used to establish a fact?
What is a fact? Is creation a fact? And evolution? In Darwin's hypothesis, I admitted evolution as a fact, and that creation was considered a hypothesis by Darwin. Is it not necessary to consider that the hypothesis was confirmed?
In the fourth century, Hilary of Poitiers expressed the difference not only logical, but existential between believing that the world is a fluke and that it was created by God in the following words: "It would not be worthy of God to let man take part in counsel and wisdom in this life [...] in a way he would be brought into this world in order to cease to exist. Therefore, it must be discerned that the reason for our creation is not that what started to exist should cease to be, but that what was not should start to exist" (POITIERS, Hilary Treaty on the Trinity. São Paulo: Paulus, 2005. p. 31).
Is it possible to ignore so huge a difference? Is it possible not to consider that unbelief implies the contradiction of a being who aspires immortality due to his rational tendency existing only in order to cease to exist? Is it not more rational to think, with Hilary, we were lovingly created by God, so that also by him we would have access to immortality?

quinta-feira, 19 de março de 2015

Páscoa (2): Debates no Templo

Ao examinarmos o material dos quatro Evangelhos sobre o processo de Cristo com um olhar jurídico, notamos que contém diferentes enfoques dos motivos da crucificação. Um é o modo como os sinóticos explicam esse fato; outra, a maneira de João apresentá-lo. Mateus, Marcos e Lucas não se preocupam em ligar o processo de Cristo a uma orquestração anterior das autoridades; João, ao contrário, mostra que tanto os fariseus como os principais sacerdotes, os escribas e os anciãos quiseram matar Jesus, desde o início do seu ministério, e tramaram acusá-lo perante o Sinédrio ou o procurador romano.
Os debates de Jesus com os judeus, no Templo, nos dias que antecederam a sua prisão, estão registrados nos sinóticos, mas não em João. Na estrutura dos primeiros Evangelhos, isso indica que os debates não só introduzem a prisão que sucederia alguns dias depois como a anunciam e explicam. Isso porque a arte de narrar fatos verdadeiros envolve não apenas os mencionar, mas também explicar. Na arquitetura dos Evangelhos sinóticos, a prisão e o processo contra Jesus ficariam desprovidos de explicação se não houvesse a entrada triunfal, a expulsão dos vendilhões e os debates no Templo. Esses são os fatos que explicam o processo perante Pilatos, do ponto de vista sinótico. Portanto, mais que apontar para as divergências doutrinárias ou o conteúdo do ensinamento de Jesus, eles descrevem a formação do temporal que se avizinhava. Mostra como foram gestadas as acusações que seriam formuladas contra Jesus e o levariam à morte alguns dias depois.
A primeira questão apresentada a Jesus, no Templo, foi a respeito da autoridade com que ele expulsara os vendilhões na véspera. Se a considerarmos à luz das acusações contra Jesus, compreenderemos que a pergunta tinha por foco a identidade dele como o Cristo, assim como a questão do tributo formulada em seguida preparou a acusação de desobediência a Roma. Era Jesus o Messias? Sua autoridade decorria do fato de ser o libertador de Israel? Os líderes judeus queriam conhecer as respostas a essas indagações.
Quando Jesus foi conduzido ao Sinédrio, na noite em que foi preso, os primeiros questionamentos que lhe foram dirigidos tinham o propósito de investigar esse ponto. Foram, portanto, o prolongamento direto e inquisitorial da questão a respeito da autoridade proposta no Templo. Sabemos que, ao ouvir tal pergunta, Jesus formulou aos arguidores outra indagação, a propósito de João. Perguntou-lhes se o batismo deste era do céu ou da terra, divino ou humano? Como ninguém respondeu tal pergunta, ele declarou que tampouco daria resposta à inquietação dos judeus sobre a sua autoridade. Com isso, como de costume, evitou afirmar publicamente que era o Cristo. Dias mais tarde, ele o evitaria de novo, perante o Sinédrio.
A pergunta sobre a autoridade trai a acusação de messianismo. Mostra que esse ponto particular do libelo contra Jesus já estava preparado e que seus acusadores só aguardavam a ocasião mais adequada para apresentá-lo oficialmente. Era, contudo, uma acusação frágil, pois vários candidatos a Messias tinham surgido e ainda surgiriam, no palco da Judeia, sem que tivessem sido ou viessem a ser acusados de crime religioso. Alguém proclamar-se o Messias ou ser proclamado tal não era considerado crime em Israel. Mesmo assim, o questionamento de Jesus foi aberto com a questão a respeito da autoridade. Isso mostra, a meu ver claramente, que os judeus não tinham uma razão mais forte para acusarem Jesus. Não deixa de evidenciar, também, que, à luz dos sinóticos, o processo contra Jesus foi montado do fim para o começo. Seus acusadores partiram do fim colimado (a morte), para alcançar o qual reuniram elementos escassos e desarticulados que, em alguns casos, sequer conduziam àquele resultado.
É provável que os sacerdotes e os outros líderes que formularam a primeira questão fossem fariseus e saduceus. Tudo aponta para essa conclusão. Não foi diferente no tocante ao segundo questionamento a que Jesus foi submetido naquele dia. Em estrita concordância com Marcos, Mateus afirma que esse questionamento foi articulado por fariseus e herodianos. Sabemos que o último termo designa, basicamente, os saduceus alinhados a Roma. Apenas enfatiza a ligação mais direta dessa seita com Herodes do que com César. Portanto, também dessa vez, vemos os fariseus e os saduceus se aliarem, a fim de questionar Jesus.
Repelidos no ponto atinente à autoridade, esses grupos retornaram à carga com a questão do tributo. Perguntaram se era ou não correto pagar tributo a César. De novo, a resposta que Jesus lhes ofereceu não traduz uma escolha tão nítida quanto entre o preto e o branco. Após ter pedido um denário, perguntado de quem era a efígie na face daquela moeda e ouvido que era de César, Jesus mandou darem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Nem só preto, nem apenas branco, mas preto e branco. A resposta deixou os futuros acusadores admirados com o futuro acusado.
Não é difícil entender o que significava dar a César o que é de César, no contexto daquela pergunta. Significava pagar tributos. Mas e dar a Deus o que é de Deus? Nada tinha sido indagado a Jesus a esse respeito. Mesmo assim, a intenção implícita da resposta pode ser inferida, a partir da pergunta anterior, que permanecera aberta, pois não tinha sido respondida. Se Jesus era o Cristo, dar a Deus o que é de Deus provavelmente significava reconhecer que ele não viera por si ou em seu próprio nome, mas fora enviado por Deus. Dar a Deus o que é de Deus, nesse contexto, era reconhecer a missão messiânica de Jesus.
No entanto, ao responder a segunda questão, tanto quanto ao dar resposta à primeira, Jesus não declarou ser o Cristo. E, ainda que o tivesse afirmado, ele não poderia ser acusado de crime, pois o messianismo não era propriamente ilegal. Vemos que, todo o tempo, Jesus se manteve dentro de uma margem de segurança, em relação às afirmações que poderiam ser usadas para imputar-lhe crimes.
Não foi diferente com o mandamento de dar a César o que é de César. Também nesse ponto, a resposta de Jesus repeliu a pretensão dos questionadores de virem a acusá-lo de desobediência política. Nem os fariseus nacionalistas, nem os herodianos pró-Roma podiam encontrar em tal resposta o mais leve motivo para processarem Jesus.
Até aquele momento, os fariseus e os saduceus tinham formulado questões em conluio. A intenção subjacente a essa estratégia era levar Jesus a desagradar fortemente um dos dois partidos e, com isso, minar a possibilidade de ele vir a protegê-lo do complô que se armava. Como o Sinédrio era composto por membros das duas seitas (At 23:6), a falta dos votos de uma delas podia ter as mais sérias consequências. Porém, a atitude de Jesus ante a intenção dos dois grupos mostrou que a sua única preocupação era realizar o propósito de se entregar, a fim de cumprir as profecias segundo as quais o Messias seria perseguido e morto. Para isso, em vez de se opor, ele usou o propósito dos grupos de se colocarem em choque com ele, oferecendo respostas que afrontavam diretamente as doutrinas dos saduceus e proferindo, em seguida, os famosos ais contra os escribas e os fariseus. Isso deixa claro que Jesus serviu-se do propósito de seus questionadores de se colocarem em confronto com ele para levar o litígio a um ponto em que não houvesse retorno, e o processo se tornasse o único caminho possível. 
Mesmo assim, as respostas às duas primeiras questões foram suficientes para que os fariseus e saduceus, que até então tinham agido juntos, mudassem de estratégia e passassem a questionar Jesus separadamente. É o que percebemos na terceira e na quarta perguntas, nas quais os saduceus questionaram Jesus a respeito da ressurreição, e os fariseus, sobre o maior mandamento. 
A primeira dessas indagações foi proposta a partir da instituição judaica conhecida como levirato, de acordo com a qual, se um homem falecesse, deixando mulher e irmãos, o mais velho deveria desposá-la. Se esse irmão morresse também, o seguinte deveria tomá-la por esposa e assim sucessivamente, até o último irmão. Os saduceus vislumbraram nessa implicação bizarra, mas inevitável e legítima do levirato uma refutação da doutrina farisaica da ressurreição: se Deus havia ordenado o matrimônio com a cunhada e mortes sucessivas de irmãos podiam ocorrer, como era possível pensar em ressurreição? A implicação era que, se os mortos ressuscitassem, a mulher pertenceria a todos os irmãos, na vida futura, o que era proibido pela Lei de Moisés.
Os saduceus formularam a questão sobre essa implicação do levirato com uma clareza e uma força argumentativa nunca vistas nos integrantes do seu partido, ao menos nos quatro Evangelhos. Sugeriram que a ressurreição era uma contradição em termos, quando formulada à luz do Pentateuco. Ou o Pentateuco era a palavra de Deus, ou havia ressurreição. As duas coisas não podiam ser verdadeiras ao mesmo tempo.
Jesus discordou deles. E o fez com base num método argumentativo semelhante ao que os fariseus adotavam. Como os saduceus só consideravam sagrada a Torá (Pentateuco), Jesus utilizou uma informação externa a esses cinco livros para fundamentar sua resposta. Afirmou que, na ressurreição, não há homem e mulher, marido e esposa, pois as pessoas se tornam semelhantes aos anjos. Em nenhuma passagem do Pentateuco essa informação havia sido fornecida. Portanto, Jesus procedia como os fariseus, que inovavam, em certos limites, não só a doutrina da Torá, mas também a dos Profetas, a fim de adaptá-las ao tempo.
Invocou ainda a passagem da Torá em que o Senhor diz ser o “Deus de Abraão, Isaque e Jacó”. Acrescentou que ele não é Deus de mortos, mas de vivos. O que significa não só que Abraão, Isaque e Jacó estavam vivos como que haviam ressuscitado. Portanto, o conceito de ressurreição que Jesus utilizou foi um tanto elástico, como elástico era aquele defendido pelos fariseus. Jesus não se referiu, simplesmente, à ressurreição do último dia. Deixou, ao contrário, implícito que, se Deus não o era dos mortos e sim de vivos, Abraão, Isaque e Jacó tinham ressuscitado.
Assim, do cerne da questão política (o pagamento de tributos a César), Jesus e seus indagadores retornaram a um ponto eminentemente doutrinário. Diria que eles retornaram ao próprio cerne desse ponto que, mais que a ressurreição, envolvia as interpretações variantes da Lei por parte dos saduceus e dos fariseus. 
A questão por trás de compreensões tão diversas da Lei era saber onde estava a verdade em matéria de fé. A verdade era o Pentateuco ou os 22 livros das Escrituras? Devia a Torá ser interpretada à risca? Nesse caso, o processo contra Jesus havia de ser conduzido do modo previsto em Deuteronômio 17:2-13. Veremos que os saduceus não agiram de maneira distinta, no processo contra Jesus. Eles se pautaram nas instruções da passagem de Deuteronômio ao examinar, sucessivamente, as acusações de messianismo e blasfêmia formuladas contra Jesus. Ao final, inclinaram-se à condenação, mas não conseguiram votos suficientes para aprovar esse veredito, provavelmente em razão de divergências por parte dos fariseus.
Assim, a brecha entre os dois partidos, no tocante ao rabi galileu, abriu-se durante os debates no Templo. É o que a formulação das duas últimas perguntas separadamente, pelos partidos, sugere. Ela haveria de alargar-se, até o ponto da divergência a respeito da acusação de blasfêmia, que pode não ter prosperado por falta de acordo entre os dois partidos.
As divergências doutrinárias entre as duas seitas emanavam de os fariseus verem a palavra de Deus de modo distinto dos saduceus. Eles a consideravam algo mais flexível e, por assim dizer, relativo a cada época. Pensavam que, em cada momento histórico, as palavras das Escrituras diziam algo um pouco diferente. Esse modo de ver a Bíblia levava os fariseus a se absterem de condenar pessoas acusadas de proferir profecias, fossem elas verdadeiras ou falsas, embora Saulo de Tarso adotasse outro comportamento (At 9:1; 26:10). 
À pergunta sobre a ressurreição seguiu-se o questionamento final, movido pelos fariseus, que perguntaram a Jesus qual é o maior mandamento da Lei. Jesus respondeu-lhes: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22:37-39).
Como de costume, Jesus não apenas respondeu o que lhe perguntaram, mas formulou, ele próprio, uma pergunta conexa à dos seus indagadores. Ele disse: “Que pensais vós do Cristo? De quem é filho? Responderam eles: de Davi. Replicou-lhes Jesus: Como, pois, Davi, pelo Espírito, chama-lhe Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés? Se Davi, pois, lhe chama Senhor, como é ele seu filho?” (Mt 22:42-45).
Com essas palavras, Jesus tornou evidente que, em matéria de perguntas, não menos do que de respostas, ele estava à frente de seus opositores. Estes tinham o objetivo manifesto de o questionar, mas coube a Jesus, não a eles, formular a pergunta final, que permaneceria em todos os corações. Uma vez feito isso, os questionadores não mais retornaram. Ao menos, não o fizeram com novas perguntas. Do questionamento no campo das ideias, eles preferiram passar ao processo.
Assim, a grande pergunta da mais refinada teologia que o mundo conhecera até então não era sobre a ressurreição ou o maior mandamento. À luz das Escrituras, a pergunta das gerações era a respeito do Cristo. Quem é o Cristo? É ele filho ou Senhor de Davi? Jesus não respondeu tal pergunta, como não tinha oferecido resposta à outra a respeito da autoridade. Somente mostrou aos intérpretes criativos, aos fariseus que lhe questionaram, que se tratava de uma pergunta legítima, de uma pergunta que não emanava do texto do Pentateuco, mas de um Salmo em que eles também criam. Portanto, era obrigação dos fariseus formular tal questão.
Quantas coisas estão envolvidas na pergunta final do debate! O Cristo é filho de Davi? A questão pressupõe o conhecimento de quem foi Davi. Sabiam-no os fariseus? A resposta pode parecer óbvia a nós, dois milênios depois. Não era tão óbvia no primeiro século, posto que os fariseus criam numa revelação continuada, que se iniciara com Moisés e prosseguira com os profetas. Eles acreditavam na lei escrita, mas também na oral. Criam na lei, escrita e oral, tanto quanto nos Profetas. Na Lei e nos Profetas, assim como nas glosas da Tradição. Isso tornava a palavra de Deus menos rígida e mais flexível para eles.
Se hoje ainda se ouve a pergunta sobre o que Jesus fez e o que ele falou, os fariseus, no seu tempo, tinham razões para indagar o que Davi fez e falou. Para eles, isso só estava estabelecido em parte. E, se o Cristo era ao mesmo tempo filho e Senhor de Davi, as coisas se embaralhavam ainda mais. Para empregar a expressão de Paulo, esses mistérios permaneciam ocultos dos séculos e das gerações. O véu continuava sobre o rosto dos fariseus, quando liam Moisés e ouviam os Profetas.
As facções em que Israel estava dividido não eram, em si mesmas, fruto de um erro, porém erraram ao considerar os pontos debatidos no Templo. Foi o que Jesus procurou mostrar-lhes, em Mateus 21-22, Marcos 11-12 e Lucas 20. Porém, a favor dos partidos judeus, pode ser afirmado que erraram ao tentar acertar. Erraram ao julgar, não por terem julgado. Isso nunca constituiu um erro. Buscar a verdade com o rigor de um processo não pode ser equiparado a erro. É antes um grande acerto. Talvez o maior de todos os acertos que uma cultura é capaz de produzir. O equívoco lamentável, o irremediável tropeço, consistiu em terem condenado Jesus, o que, do ponto de vista dos Evangelhos sinóticos, não foi mais do que consequência de terem escolhido respostas erradas aos exatos questionamentos ouvidos no Templo.