A palavra dia (em hebraico yom), no primeiro capítulo de Gênesis, pode significar um período de 24 horas ou de extensão indeterminada. Com base nesse último significado, já se propôs que a criação dos seis dias se deu em seis eras.
Em 1876, George Hawkins Pember publicou Earth’s earliest ages, em que combateu a interpretação dos dias como eras geológicas, por entender que a palavra yom pode significar período indeterminado, mas o mesmo não ocorre com os termos tarde e manhã, em que os dias da criação se dividem e que só podem indicar as metades dos ciclos de 24 horas (Earth’s earliest ages. 2ª ed. 1884. pp. 87-88).
Essas dificuldades da compreensão dos dias como eras levaram Pember a explicar os fósseis de seres vivos que viveram há milhões de anos, por meio da teoria do intervalo entre Gênesis 1:1 e 1:2. O primeiro desses versículos descreve a criação original dos céus e da Terra. Pember explicou os fósseis como remanescentes desse período, em que a Terra foi amplamente habitada por seres vivos. Até que um cataclisma introduziu o caos do segundo verso. Então, durante os seis dias, Deus recriou o que fora destruído pelo cataclisma.
É preciso lembrar que, após mais de um século da publicação de Earth’s earliest ages, está claro que nem o evento extintivo, nem a recriação mencionados na obra podem ter ocorrido há poucos milhares de anos, como Pember supôs. A impressão que se tem é de que, do modo como foi elaborada, a teoria do intervalo troca uma criação há 6.000 anos por uma extinção e uma recriação nessa mesma época, o que pouco altera o descompasso de Gênesis com a evidência científica, já que as provas de uma Terra jovem são tão inexistentes quanto as de uma extinção em massa há apenas alguns milhares de anos.
Os problemas da teoria de Pember só desaparecem, quando a adotamos juntamente com a interpretação dos dias como períodos indeterminados, que fazem o grande cataclisma e a recriação recuarem indefinidamente. O intervalo de Gênesis 1:1-2 permite entender os seis dias como uma progressiva passagem do caos à ordem. Essa transição explica por que as palavras tarde e manhã foram empregadas, em cada um dos seis dias: como período de trevas, tarde refere-se metaforicamente ao caos (ou à ordem inferior) existente antes de Deus intervir; já a palavra dia indica a nova ordem implantada pela intervenção divina.
Essa reinterpretação de tarde e manhã permite explicar ainda outras características do texto da criação. Por exemplo: todos os seis primeiros dias são encerrados pela expressão “Houve tarde e manhã, o dia tal”. Só no sétimo dia, essas palavras não aparecem. A omissão pode ser explicada, com base em que, no sétimo dia, a obra de Deus estava completa. Não havia mais caos ou ordem inferior, apenas a ordem sublime da criação divina.
No entanto, apesar dessas vantagens, assim como ocorre com a teoria do intervalo, os dias-eras não bastam para eliminar as dificuldades do relato da criação. Tomadas sozinhas, as eras de Gênesis 1 formam uma sequência bastante distinta da que a ciência descobriu. Por exemplo, elas indicam que os répteis surgiram depois das aves e das “grandes baleias” (Versão Almeida Fiel), o que contraria os dados científicos.
Porém, é notável que, ao serem adotadas simultaneamente, as teorias do intervalo e dos dias-eras eliminam toda e qualquer incompatibilidade do relato da criação com as descobertas da ciência. O intervalo restringe a criação original ao primeiro versículo bíblico (“No princípio criou Deus os céus e a terra”). E a interpretação dos dias como eras permite entender que a extinção em massa e a restauração do planeta ocorreram numa época indeterminada, não há 6.000 anos.