segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A Dracma Perdida

Em Lucas 15, a conversão do pecador é apresentada como uma experiência da Trindade divina. A parábola da ovelha mostra a atuação do Filho na salvação do homem perdido. O texto sobre a dracma fala do trabalho do Espírito Santo. E a história do filho pródigo descreve a atuação do Pai.
Jesus exprime o ponto fundamental dessa tríplice atuação, em linguagem totalmente clara, em João 14:16-17,23: “Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, o Espírito da verdade [...] Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada”. A vinda simultânea ao crente do Consolador, do Pai e do Filho é toda a experiência de conversão e, ao mesmo tempo, a sua síntese. Converter-se é receber o Pai, o Filho e o Espírito Santo, experimentá-los, senti-los, saber que não estão apenas vivos, mas atuantes e estabelecidos no nosso interior. É de certa maneira coincidir com eles e habitá-los.
Que resultado esse encontro com a Trindade produz no coração humano? A parábola da ovelha perdida ensina-nos que o resultado primeiro é sentirmo-nos carregados nos ombros pelo Filho de Deus. Jesus declarou que ninguém vai ao Pai, senão por ele. A parábola mostra algo além disso. Mostra que ninguém vai ao Pai, a não ser carregado por Jesus Cristo. Essa ida não deixa pegadas no chão, a não ser as do dono das 100 ovelhas. Porém, a experiência de conversão tem um segundo aspecto, que é desvendado no texto a respeito da dracma: nele, o Espírito acende a candeia e varre a sua casa, em busca da moeda arrojada num canto, em meio à sujeira.
Jesus afirmou que o Consolador, o Espírito Santo, “vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14:26). Todos vivemos numa cultura cristã. Portanto, estamos expostos às palavras de Cristo e a uma multidão de costumes enraizados nelas. Porém, nada disso se confunde com o lembrar produzido pelo Espírito da verdade. Na parábola da dracma, o acender a candeia e o varrer a casa indicam que a recordação das palavras de Jesus Cristo é uma obra especial do Espírito Santo.

“Ainda que a pessoa se submeta ao melhor curso de Teologia existente no mundo ou despenda a maior soma possível de horas para estudar as Escrituras, a experiência de lembrar as palavras de Cristo, com a comoção provocada pelo Espírito Santo, permanece singular e distinta.”

Lembrar as palavras de Jesus não é algo irracional ou místico. Pelo contrário, é uma experiência intelectual: é um fiel recordar do sentido da sua pregação e ensinamento. Por isso, o Consolador é chamado o Espírito da verdade. Ele não altera, não distorce as palavras de Cristo, antes conduz a pessoa ao sentido veraz delas. No entanto, o acender da lâmpada e o varrer da casa vão muito além disso: eles geram um sentir totalmente novo, no mais profundo do coração humano. Ali, cordas que nunca haviam vibrado, que estavam em estado de total abandono, são tocadas pela primeira vez. Esse vibrar é o resultado da obra do Espírito Santo, na salvação e para a salvação do pecador.
A experiência é inconfundível, para todos os que a tiveram e têm. Não se confunde com a aquisição de uma educação cristã ou o frequentar de uma igreja. É algo muito mais subjetivo, pessoal e marcante. Ainda que a pessoa se submeta ao melhor curso de Teologia existente no mundo ou despenda a maior soma possível de horas para estudar as Escrituras, a experiência de lembrar as palavras de Cristo, com a comoção provocada pelo Espírito Santo, permanece singular e distinta.
Imediatamente após declarar que o Espírito Santo levaria os discípulos a se lembrarem do que lhes havia dito, Jesus entregou um claríssimo mandamento. Não foi um dos mandamentos incluídos na Lei de Moisés. Mesmo assim, a entrega desse novo comando e de outros assemelhados foi tão importante quanto a outorga das tábuas escritas pelo dedo de Deus, no Monte Sinai. Em João 14:27, Jesus ordenou aos discípulos: “Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (Jo 14:27).
Pouco depois, ele deu aos seus seguidores próximos ainda um outro comando, que é geralmente tomado como o mais importante de todos os que lhes comunicou: “Amai-vos uns aos outros” (Jo 15:12). Porém, o mandamento do amor pressupõe o da paz. Não há amor, sem que o coração tenha encontrado definitiva paz. A paz que Jesus nos deixou é a que o Espírito Santo ensina e produz em nós. Não se trata de uma paz débil, de um estado oscilante, que ora temos, ora não temos. Ao menos, ela não foi transmitida assim por Jesus. A paz de Jesus é, antes, o mandamento primeiro que o seu Espírito nos empodera para cumprirmos.
Ao meditar sobre tudo isso, em Romanos 7—8, Paulo bradou: “Desventurado homem que sou!” (Rm 7:24). E completou: “A lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte” (Rm 8:2). O capítulo 8 da Epístola de Paulo aos Romanos é, de certa forma, o pináculo de todo o Novo Testamento, o ponto culminante da cordilheira da revelação de Deus ao homem, pois apresenta o resultado líquido e claro de crer em Cristo. O capítulo inteiro alterna frases na primeira, segunda e terceira pessoas do plural. Ora Paulo se refere a ele e aos crentes romanos (nós), ora apenas a estes (vós), ora aos que creem em Cristo como uma coletividade (eles ou aqueles). Numa única ocasião, ele usa a segunda pessoa do singular: o versículo 2. Nesse trecho, Paulo emprega a palavra te: “A lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou”. Para quem a emprega? Para si mesmo. Num arrebatamento, o apóstolo dirige-se ao desventurado homem de Romanos 7:24. É como se lhe dissesse: “A lei do Espírito da vida te livrou, ó desventurado homem, da lei do pecado e da morte!” Tão grande é esse fato que o apóstolo o grita e proclama até para si. Não creio que haja outra passagem, em Paulo, em que esse procedimento se repita.
Vê-se que as epístolas do Novo Testamento são a revelação minuciosa do que as parábolas de Lucas 15 enunciam sucintamente. O objeto da parábola da dracma é particularmente elucidado por Paulo, quando ele explica (indiretamente) o acender da lâmpada como o resplandecer de Deus, no coração humano, para a iluminação do conhecimento da glória divina na face de Cristo (2 Co 4:6). Quem assim refulge, diz Paulo, é o Deus que disse: “De trevas resplandecerá a luz”. A alusão é à palavra criadora de Deus, em Gênesis 1:3. Quem pronunciou tal palavra foi Elohim, que Paulo identifica com Iahweh e a quem ele sempre se refere como o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Essa é a maravilhosa cooperação da Trindade para a salvação do pecador. Nada disso seria possível sem a atuação do Espírito Santo, ao acender a candeia e varrer a casa.
Ao praticar esses atos, o Espírito não ilumina a si mesmo. Ele não se revela. Antes, revela-nos Deus, mediante as palavras de Cristo. Essa revelação é a condição indispensável para que o Espírito varra a casa, elimine a impureza acumulada, troque os nossos sentimentos por outros inspirados por ele e descubra a dracma perdida.
Não é preciso acrescentar que o Espírito exulta com a descoberta da sua moeda, tanto quanto o Filho ao encontrar a ovelha perdida. Porém, de certa maneira, a sua exultação é ainda mais chocante, para nós, já que o Filho de Deus se fez carne, viveu com os homens e os conheceu. É natural que exulte ao salvá-los. Porém, o Espírito exulta ao achar uma só moedinha perdida. Para quem se comove com o amor do Pai e do Filho, descobrir o amor terno e profundo do Espírito é totalmente indizível.