quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Livre Exame de Romanos (3): A Depravação Sexual dos Gentios

Em Romanos 1, Paulo afirmou três vezes que os gregos rejeitaram o conhecimento de Deus e, também três vezes, que Deus os entregou a pecados. Em duas ocasiões, os pecados mencionados por ele foram sexuais; só na terceira ocasião, foram pecados não sexuais.
No versículo 24, lemos: “Por isso Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seus próprios corações, para desonrarem os seus corpos entre si”. Imundícia e desonra, nesse versículo, são pecados sexuais.
Já os versículos 26 e 27 afirmam: “Por causa disso os entregou Deus a paixões infames: porque até as suas mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas, por outro contrário à natureza; semelhantemente, os homens também, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo em si mesmos a merecida punição de seus erros”.Também aqui,o pecado citado,o homossexualismo, é de natureza sexual.
Por esses motivos, pode-se afirmar que, em Romanos, a impureza sexual é o pecado primeiro dos gentios. Curioso é que essa conclusão não aparece no restante dos escritos de Paulo. É uma característica peculiar de Romanos. Indispensável é, portanto, encontrarmos uma explicação para ela.
A centralidade dos pecados sexuais e do homossexualismo, em Romanos, parece-me mais histórica do que teológica. Roma não era só o centro do Império, mas também das bacanais, festa que se tornou célebre pela prática das mais grotescas licenciosidades. A princípio, só mulheres participavam das bacanais. Porém, mais tarde, os homens foram admitidos. O historiador Tito Lívio afirmou que, quando isso ocorreu, eles passaram a “se entregar mais entre si do que com mulheres” (Liv. 39, 13,10). Plutarco descreve o comportamento das damas da elite romana em termos ainda mais pungentes: "Essas mulheres são insaciáveis na busca do prazer. Na sua concupiscência, experimentam  tudo, desviam-se e exploram, do princípio ao fim, toda a escala da devassidão até resultarem nas mais indizíveis práticas".
Paulo toma essa liderança, essa posição de vanguarda dos romanos nas orgias como um espelho de toda a sua vida. Como se destacavam na celebração dos festins de libertinagem, os romanos praticavam as mesmas impurezas no seu dia a dia, como Plutarco atesta. Não era diferente, pelo contrário era o que ocorria corriqueiramente, também na Corte de César.
Por esse motivo, só ao citar pela terceira vez os pecados a que os gregos foram entregues, Paulo aludiu a transgressões não sexuais. E é digno de nota que, ao fazê-lo, ele mudou totalmente a sua abordagem do elemento comportamental para o motivacional do pecado. Com efeito, ao descrever os pecados sexuais, em 1:24,26-27, Paulo se concentrou na conduta externa, assim como o ato de desonrar o próprio corpo e as relações homossexuais. Porém, ao abordar os pecados não sexuais, nos versículos 29 a 31, ele depositou ênfase na intenção e não na conduta.
Esse corte é assinalado pela “disposição mental reprovável” (1:28) e pelo fato de os gentios estarem “cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade” (1:29). Estar cheio ou possuído de algo não é ainda o praticar, mas tê-lo no coração. Não é diferente com os outros pecados não sexuais mencionados por Paulo. Quase todos eles são internos, assim como o aborrecer-se, a soberba, a presunção, a invenção de males, a insensatez, a perfídia e a falta de afeto ou de misericórdia (1:30-31).
Por que Paulo mudou sua ênfase do aspecto externo para o interno do ato pecaminoso, em Romanos 1? O motivo parece ter sido a dualidade fundamental do pecado. Para Paulo, assim como o homem possuía uma substância física e outra espiritual, havia duas classes distintas de pecado: os que tinham sede no corpo e os que se passavam fora do corpo. Em 1ª aos Coríntios 6:18, ele escreveu: “Fugi da impureza [sexual]! Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer, é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo”. O pecado no corpo é físico; o pecado fora do corpo é psíquico.
Assim como em Coríntios, em Romanos 1, são mencionados pecados físicos (sexuais) e também psíquicos. Os primeiros têm por característica contribuir de modo direto para a morte física do homem. É o que acontece com a prostituição, que é o comércio do próprio corpo e o aniquila, por expô-lo a doenças, quando não a outros males, já que um pecado físico costuma vir associado a outros, assim como a prostituição e os excessos de lascívia à bebedeira.
Mas, se os pecados se dividem em físicos e psíquicos, a embriaguez, a glutonaria, a prostituição e o homossexualismo não diferem tanto em princípio. Paulo não hierarquiza os pecados. Não os dispõe em graus. Limita-se a dividi-los em físicos e psíquicos ou em pecados no corpo e fora do corpo. Essa parece ser a maior distinção que ele traça. Entende cada um desses tipos de pecado como regido por princípios próprios. E que os primeiros revelam o julgamento presente de Deus, ao passo que os outros tornam necessário o vindouro.
Nesse sentido e sob essa luz, Romanos 1:18 afirma que a ira de Deus já se revela do céu. Revela-se onde? Nos pecados físicos. Nesse caso, os pecados não são a causa do julgamento, mas o próprio julgamento divino. Já em 2:1-2,5, é dito que o juízo futuro virá como punição e em consequência dos pecados não sexuais de 1:29-31: “Portanto [isto é, por causa dos pecados não sexuais mencionados antes] és indesculpável, ó homem, quem quer que sejas; porque no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as próprias coisas que condenas. Bem sabemos que o juízo [vindouro] de Deus é segundo a verdade, contra os que praticam tais coisas [...] Segundo a tua dureza e coração impenitente acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus”.
Temos aqui dois tipos de pecados: os físicos e os psíquicos. Os primeiros são, eles próprios, juízos divinos, não causas de outros juízos. São o término e não o início de um processo de desvio espiritual. Já os últimos, são causas de julgamentos futuros de Deus. Portanto, são o início de um desvio que terminará com o julgamento vindouro.
Quando lemos Romanos 1:18-32, sentimos que não é possível a alguém traçar condenação mais completa e enfática. No entanto, Paulo não se contentou com afirmação tão cabal da perdição dos gentios. Prova disso é que continuou a desenvolver o tema, em 2:1-16. E por que o fez? Porque Romanos 1:18-32 trata apenas do juízo presente, isto é, dos pecados físicos. Para uma pessoa com visão dualista do pecado, como era o caso de Paulo, era indispensável mencionar também o juízo vindouro, que é consequência dos pecados psíquicos. Isso ele fez em Romanos 2:1-16.
A chave para a compreensão da depravação sexual dos gentios, com toda a imundícia a ela relacionada, em Romanos 1, é a sua natureza de pecado físico. Portanto de juízo, e não de causa do juízo de Deus. Os atos sexuais são mais instintivos e menos voluntários. O que é instintivo produz consequências imediatas, inclusive quando se deprava. É o que Romanos 1 está a nos dizer. O capítulo 2, porém, afirma outra coisa. Afirma que, no terrível juízo vindouro, os homens terão de prestar contas a Deus de toda injustiça, malícia, avareza, maldade, inveja, homicídio, contenda, dolo, malignidade, difamação, calúnia, desagrado de Deus, insolência, soberba, presunção, invenção de males, desobediência aos pais, insensatez, perfídia, falta de afeição e falta de misericórdia. Esses males envolvem a vontade, não impulsos irrefreáveis. Por isso, nenhum deles escapará da avaliação divina. Sobre eles, recairá a sentença de morte de Deus.