Em João 13:16, Jesus afirmou: “Em verdade, em verdade vos digo que o servo não é maior do que seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou”. No texto original, “o enviado” é apóstolos, palavra empregada para indicar qualquer emissário ou pessoa comissionada para tratar assuntos com outrem. É comum o apóstolo ser mencionado ao lado do profeta, em outras passagens bíblicas (Ef 2:20; 3:5; 1 Co 12:28-29). A comparação entre eles parece indicar que o primeiro leva às pessoas uma palavra já proclamada anteriormente, enquanto o profeta leva uma palavra nova.
No Novo Testamento, o papel dos primeiros apóstolos é enfatizado não apenas por terem ensinado doutrinas espirituais, mas por se terem tornado depositários das maiores revelações de Deus ao homem, a saber: as que foram dadas por intermédio de Jesus Cristo. A escolha da palavra apóstolos, em vez de profetas (termo muito mais utilizado na época), deve-se ao fato de eles não terem sido o instrumento ou canal primário da revelação que anunciaram, como no caso dos profetas. Pelo contrário, os apóstolos foram enviados do porta-voz primário, pelo qual a revelação veio ao mundo.
Hebreus 1:1-2 esclarecem quem foi esse porta-voz primário de Deus do qual os apóstolos se tornaram enviados: “Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho” (Hb 1:1-2). De um lado, estão todos os profetas; de outro, apenas o Filho de Deus. Coube aos apóstolos transmitir e explicar as palavras do Filho Unigênito ao mundo.
Flávio Josefo esclarece que o Antigo Testamento foi constituído por meio dos profetas: “Temos somente vinte e dois livros [os nossos 39 compactados em 22] que compreendem tudo o que se passou [...] até o reinado de Artaxerxes, filho de Xerxes, rei dos persas [...] Escreveu-se também tudo o que se passou desde Artaxerxes até os nossos dias, mas como não se teve, como antes, uma sequência de profetas não se lhes dá o mesmo crédito” (JOSEFO, Flávio. Resposta de Flávio Josefo a Ápio. Livro Primeiro, Cap. 2. In História dos Hebreus – obra completa. 5ª ed., Rio de Janeiro, 1999. p. 712).
De acordo com o historiador, a formação das Escrituras sempre dependeu da sucessão dos profetas, ou seja, da recepção das palavras de antigos servos de Deus por outros posteriores, e da adição de novos oráculos a elas, de modo a compor uma mensagem orgânica. Não é preciso acrescentar que essa mensagem são as Sagradas Escrituras.
Mas se a função dos antigos profetas foi constituir a sucessão pela qual as Escrituras foram compostas, a dos profetas de hoje não pode consistir em romper essa sucessão ou em substituir as Escrituras por novas palavras. Nenhum profeta está proibido de trazer novas palavras de Deus, mas é preciso que o faça em conformidade com as Escrituras: “Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus” (1 Pe 4:11). Portanto, o trabalho do profeta atual consiste em completar a interpretação da Bíblia, muito mais do que em apresentar revelações novas. Da mesma forma, o trabalho do apóstolo é levar as palavras de Cristo às pessoas de hoje.
Em A vida normal da igreja cristã (disponível em www.tochrist.org), Watchman Nee recorda que os apóstolos podem ser agrupados em duas categorias: os que foram constituídos diretamente por Cristo e os que foram designados pelo Espírito Santo. Entre os últimos, contam-se Barnabé e Saulo, como Atos 13:1-2 claramente mostra: “Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres [...] Disse o Espírito Santo [a eles]: Separai-me, agora, a Barnabé e a Saulo, para a obra a que os tenho chamado”.
Nee enfatiza que Barnabé e Saulo foram separados pelos profetas e mestres de Antioquia. Isso é obviamente correto. Porém, gostaria de chamar a atenção para a frase do versículo 2: “Disse o Espírito Santo”. Ela corresponde à expressão “Assim diz o Senhor”, muito comum no Antigo Testamento. Ambas introduzem oráculos proféticos. Portanto, devemos concluir que aquilo que o Espírito Santo disse foi uma palavra profética e que a designação dos apóstolos se deu por meio do ofício deles (profetas) e não pelo dos mestres. Pelo menos é o que me parece expresso na passagem de Atos.
Os versículos citados subordinam o ofício apostólico ao profético não apenas no tocante ao conteúdo (a entrega de uma revelação), mas também quanto à gênese. O apostolado origina-se do ofício profético, com uma peculiaridade: ele tem a função de completar a palavra formada durante a sucessão de profetas. O texto original de Colossenses 1:25 afirma que Paulo se tornou “ministro de acordo com a dispensação da parte de Deus, que me foi confiada a vosso favor, para completar [plerosai] a palavra de Deus”. Por ter a incumbência de completar a palavra divina, o apóstolo é um tipo especial de profeta, que não traz revelação nova, mas consuma a que já existe.
No Novo Testamento, o preenchimento dos ofícios da igreja ocorre por inspiração de Deus, que elege os apóstolos, presbíteros, diáconos e todos os outros líderes. Porém, a escolha de Deus manifesta-se por meio da intervenção humana. Em Atos 6:3,6, os apóstolos disseram: “Irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço [...] Apresentaram-nos perante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos”. Vê-se que os instrumentos humanos da designação dos primeiros diáconos foram a assembleia de crentes e os apóstolos. Atos 14:23 deve ser interpretado no mesmo sentido.
Importam-nos os princípios, mais do que a forma seguida nessas designações. Todo princípio bíblico constitui-se, quando vários exemplos apontam para o mesmo fato, sem contradições ou oposições. Portanto, o princípio é a densificação de uma revelação, por reafirmações que a tornam aplicável a um grande número de situações. Como a designação de líderes locais sempre ocorre por meio dos titulares de ofícios supralocais, temos aí um princípio. E ao princípio bíblico deve-se obediência, embora não à forma de que se reveste, como a investidura por imposição de mãos.
Generalizando um pouco mais, o preenchimento dos ofícios bíblicos obedece a dois princípios: Deus sempre escolhe as pessoas que o irão exercer por meio da intervenção humana, e esta consiste em manifestações da comunidade ou de líderes. Quando os ofícios a serem preenchidos são locais, os líderes que realizam a designação são apóstolos. Quando os ofícios são supralocais, a designação ora é feita por outros líderes supralocais, como Níger, Lúcio e Manaém no caso de Atos 13:1-2, ora se realiza sem intervenção de pessoa alguma. Porém, em ambos os casos, a escolha ou a aceitação dos líderes pelas igrejas é indispensável para que a designação se complete.
Nas passagens do Novo Testamento que mostram a designação de um líder supralocal por outro, como Saulo e Barnabé por Níger, Lúcio e Manaém, ou Timóteo por Paulo, o ato pode criar um vínculo permanente de subordinação entre o designado e quem o designa. É o que Watchman Nee mostra, com muitos exemplos, no controvertido livro Autoridade e submissão (São Paulo: Árvore da Vida, 1991) e também em Autoridade espiritual (São Paulo: Vida, 1987). Embora as afirmações dessas obras sejam, aqui e ali, moderadas por frases complementares com sentido levemente contrário, o significado geral dos textos é de que os ofícios bíblicos conferem autoridade a quem os exerce, o que importa a necessidade de submissão dos demais a eles. Por esse motivo, embora diferencie a submissão da obediência, é certo que Nee amplia excessivamente o alcance da autoridade delegada.
Darei alguns exemplos dessa hipertrofia. Ninguém duvidará de que as palavras dos profetas interessam a todos os cristãos do mundo e que, por isso, eles são líderes supralocais. O mesmo se aplica aos evangelistas e aos mestres, além dos apóstolos. Na época do Novo Testamento, a função de mestre pressupunha discípulos, como hoje a de professor pressupõe alunos. No entanto, o Novo Testamento retira todo destaque da relação discípulo-mestre, no interior da igreja. Ele quase não menciona discípulos de mestres cristãos. Tiago chega a dissuadir os crentes da ideia de se tornarem mestres (Tg 3:1). É como se a ordem do atual Testamento desse realização integral àquele verso de Isaías: "Todos os teus filhos serão ensinados do Senhor" (Is 54:13). Numa tradução mais literal, o texto afirma que todos "serão discípulos de Iahweh".
Não se acende uma lâmpada em praça pública, ao meio-dia. Depois de Jesus ter ensinado, o brilho da sua doutrina ofusca o de todos os outros mestres. Por isso, a relação discípulo-mestre continua a existir, mas é enfraquecida na igreja. Cabe, pois, a pergunta: onde se encontra a radical autoridade do mestre cristão no quadro do Novo Testamento? Se a doutrina da autoridade delegada de Nee está certa, o mestre deve ter ampla ascendência sobre seus discípulos. Estes devem submeter-se a ele, de modo absoluto. No entanto, os mestres citados no Novo Testamento não concentram muita autoridade, pelo contrário. E se um ofício bíblico não comporta radicalização de autoridade, os outros tampouco o podem fazer.
Sabemos que, além de mestre, Jesus também foi apóstolo, profeta, evangelista e pastor. Diante do seu desempenho dessas funções, onde vai parar o nosso? Pensemos a fundo nessa pergunta e esvaziemo-nos de toda pretensão desmedida, risível. No Novo Testamento, os líderes supralocais designados por outros devem submissão e obediência voluntárias, não obrigatórias, a eles. Une-os algo semelhante a um voto, a uma deliberação que se toma livremente, mas que se pode também não tomar.
Nesse sentido, Lucas afirma que ele e seus companheiros foram para Assôs, “onde devíamos receber a Paulo, porque assim nos fora determinado” (At 20:13), e o autor da Epístola a Tito declara: “deixei-te em Creta para que pusesses em ordem as cousas restantes, bem como, em cada cidade, constituísses presbíteros, conforme te prescrevi” (Tt 1:5). Paulo ordenava essas coisas, pois os seus cooperadores submetiam-se voluntariamente a ele.
Assim era com os líderes designados por outros líderes. Porém, na maioria das vezes, as dignidades supralocais, como apóstolos e profetas, sequer eram designadas por outras pessoas. Os Doze foram escolhidos por Cristo e por mais ninguém. Paulo “não consultou carne e sangue”, quando aprouve a Deus revelar seu Filho nele (Gl 1:16). Quanto aos demais apóstolos, profetas, evangelistas e mestres, simplesmente não há informação, no Novo Testamento, de que tenham sido designados por intervenção humana. Não podemos presumir que o foram, apenas para fechar o arcabouço de um sistema de autoridade que nos interesse ou favoreça igrejas e ministérios já implantados.
A igreja é, sem dúvida, um exército, mas um exército de voluntários. Nela, há apóstolos e profetas até o dia de hoje, por uma bastante razão: porque necessitamos deles, e Deus não deixa essa necessidade desatendida. Não importa se os denominamos apóstolos e profetas ou missionários e pregadores. Se a igreja não possuísse pessoas como essas, de que outro modo os cristãos seriam ajudados, quando as pessoas ao seu redor não lhes pudessem estender a mão ou os membros da sua comunidade local não lhes comunicasem ajuda? Deixaria Deus essas necessidades sem suprimento? Penso que não. Porém, nada disso importa a investidura de autoridade radical em alguém.
“Não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, aquele que está no céu. Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo. Mas o maior dentre vós será vosso servo” (Mt 23:8-11). A consequência dessas palavras não falha: “quem a si mesmo se exaltar, será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado” (Mt 23:12).
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
domingo, 12 de agosto de 2012
O Fariseu e o Publicano
O Templo de Salomão foi construído para ser um lugar de oração. As palavras de Isaías o confirmam: “Minha casa será chamada casa de oração” (Is 56:7). Porém, poucas vezes se diz que o santuário de Jerusalém foi consagrado a um só tipo de oração, o que é de certo modo verdadeiro, já que, na oração inaugural dele, Salomão aludiu somente às pessoas contritas, quebrantadas, vencidas da vida que ali haveriam de se dirigir a Deus: “Quando o teu povo Israel for derrotado diante do inimigo, por ter pecado contra ti [...] perdoa-lhe o pecado [...] Quando o céu se fechar e não houver chuva, por terem pecado contra ti [...] perdoa o pecado dos teus servos e do teu povo Israel” (1 Rs 8:33-34). E de novo: “Se houver na terra fome ou peste, se houver crestamento ou ferrugem, gafanhotos ou lagarta [...] toda súplica que qualquer homem ou todo o teu povo Israel fizer, conhecendo cada um a chaga do seu coração [...] perdoa, e age” (1 Rs 8:36-39).
Mil anos depois de Salomão, na parábola de Lucas 18:10-14, Jesus referiu-se a um fariseu que subiu ao Templo e orou: “Ó Deus, graças te dou que não sou como os demais homens, roubadores, injustos, adúlteros, nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou o dízimo de tudo quanto ganho” (Lc 18:11-12). O homem da parábola é o oposto daquele a quem Salomão se referiu, na oração dedicatória do Templo. Ele agradece a Deus a sua retidão. Portanto, reconhece nele a fonte da sua justiça. Mas esse reconhecimento não é mais que uma capa teológica rota e andrajosa, que encobre o convencimento profundo do fariseu de que a fonte da sua retidão é o eu. Por isso, Jesus afirmou que o religioso tido como exemplar retornou para casa cumulado de pecados.
A parábola recorda a lição de que o Templo não existe para qualquer oração. Há oração que é pecado: “Quando ele for julgado, saia condenado; em pecado se lhe torne a oração” (Sl 109:7).
"Como Narciso morreu por não comer e beber enquanto mirava sua imagem, o homem religioso aniquila-se no abismo da piedade egocêntrica."
O pecado do fariseu, sua soberba, envolve frequentes comparações: “Não sou como os demais homens [...] nem ainda como este publicano”. A primeira comparação coloca o orante de um lado e o resto da humanidade do outro. O fariseu sente-se absolutamente só, por isso declara: "Não sou como os demais homens". Carl Gustav Jung ensinou que essa atitude pode resultar de uma doença que leva a pessoa a identificar-se sistematicamente com imagens arquetípicas, como a de profeta ou de mártir. A pessoa que se assimila ao profeta considera-se a única que se atreve a dizer a verdade. A que se identifica com o mártir pensa-se incompreendida e hostilizada, enquanto caminha em direção ao sofrimento. No fundo, essa assimilação heroica a figuras arquetípicas não passa de grave manifestação de soberba.
O hábito inveterado de se elevar rebaixando o próximo leva o fariseu a se comparar também com indivíduos. Ele encontra prazer especial em se diferenciar do publicano que ora ao seu lado. A parábola situa os dois num dos átrios do Templo de Jerusalém, quando diz que o fariseu não ousa erguer os olhos ao céu. Os átrios eram os únicos espaços do Templo, nos quais era possível divisar o céu. Ali estavam, portanto, o fariseu e o publicano. Mas, se estavam nos átrios reservados às pessoas comuns, eles não tinham de que se ufanar. A jactância do fariseu era de todo infundada. Por um grave erro de avaliação, ele não se via igual, mas superior ao publicano. Podemos pensar que esse erro consistia em encontrar uma espécie de justiça nas obras exteriores e nos rituais piedosos que o fariseu encenava.
A verdadeira justiça da lei consiste em enxergar o outro, em entender-lhe as razões e amá-lo. Porém, a religião do pecado trabalha o tempo todo para diminuir o próximo e torná-lo desprezível. O homem que, por estranha alquimia, transforma a justiça em atos mecânicos como os de jejuar e de dar o dízimo, passa a enxergar quem não os pratica como uma aberração. Torna-se, assim, uma aberração ele próprio.
Dois são os passos necessários para uma pessoa assemelhar-se ao fariseu da parábola: confiar na justiça inerente às suas atitudes e condenar o próximo. Esses passos se tornam o espelho, no qual a pessoa se torna capaz de enxergar-se sacrossanta. Como o jovem Narciso permaneceu vários dias curvado, a olhar seus traços formosos na água da fonte, o fariseu da parábola olha para o outro, mas vê-se a si mesmo. E, como Narciso morreu por não comer e beber enquanto mirava sua imagem, o homem religioso aniquila-se no abismo da piedade egocêntrica.
O transtorno conhecido como narcisismo pode manifestar-se em todas as áreas da vida humana: em qualquer relacionamento familiar, em qualquer profissão, entre amigos. Por que não apareceria no terreno da religião? Chego a me perguntar se não é exatamente nesse terreno que o narcisismo atinge o grau mais elevado. O fariseu envereda pelo narcisismo espiritual por se acreditar diferente dos outros homens. Essa frase desvenda o caminho interior que ele percorre até pronunciar a oração que o o faz um escravo da soberba. A demarcação da humanidade em dois campos, num dos quais está o fariseu e no outro, o restante dos homens, mostra que a identificação com figuras arquetípicas forja o narcisismo espiritual, que Jesus denunciou como o maior de todos os males espirituais.
Narcisismo é amor excessivo de si. Não, por certo, qualquer amor, mas amor de perdição. Se um conselho deve ser transmitido a todo ser humano com especial gravidade, é: "Não entre pela porta desse pecado. Não abrace o heroísmo espiritual indevido, pois pode não haver retorno dele".
Contudo, a parábola propõe outro exemplo, ao lado do fariseu: “O publicano, estando em pé de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18:13). Salomão orou com as mãos estendidas ao céu (1 Rs 8:22). E não menos do que cinco vezes pediu que Deus ouvisse “do céu” as orações feitas no Templo (1 Reis 8:30,32,34,36,39). No entanto, o publicano não se atreveu sequer a olhar para o céu. Deve ter fitado, ao contrário, o chão e nele encontrado uma imagem muito distinta da que Narciso avistou na face da água.
A esses dois olhares (dirigidos à terra e a si) correspondem duas formas de espiritualidade em tudo antagônicas. Quando olha para a terra (húmus), o homem se faz humilde. A virtude brota no seu coração com a espontaneidade com que a semente germina no solo. Mas, quando olha para a virtude que ele próprio forjou, com amor sazonado ao ponto da vaidade, o homem produz os frutos pútridos da autojustificação.
Kierkegaard formulou a pergunta ousada: quem pertence às fileiras da verdade: quem ora ao Deus verdadeiro com sentimento dobre ou quem ora a um deus falso em verdade? A pergunta é um paradoxo; a parábola do fariseu e do publicano não. Seu ensino é límpido e fácil de entender, uma vez detectado o seu foco. Não há graça ao alcance do homem que faz do ego um bezerro de ouro. A genuína graça sempre se tinge de verdade. E a verdade primaz da fé é a pobreza constitutiva do homem. A pobreza recordada na oração pungente do publicano.
Mil anos depois de Salomão, na parábola de Lucas 18:10-14, Jesus referiu-se a um fariseu que subiu ao Templo e orou: “Ó Deus, graças te dou que não sou como os demais homens, roubadores, injustos, adúlteros, nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou o dízimo de tudo quanto ganho” (Lc 18:11-12). O homem da parábola é o oposto daquele a quem Salomão se referiu, na oração dedicatória do Templo. Ele agradece a Deus a sua retidão. Portanto, reconhece nele a fonte da sua justiça. Mas esse reconhecimento não é mais que uma capa teológica rota e andrajosa, que encobre o convencimento profundo do fariseu de que a fonte da sua retidão é o eu. Por isso, Jesus afirmou que o religioso tido como exemplar retornou para casa cumulado de pecados.
A parábola recorda a lição de que o Templo não existe para qualquer oração. Há oração que é pecado: “Quando ele for julgado, saia condenado; em pecado se lhe torne a oração” (Sl 109:7).
"Como Narciso morreu por não comer e beber enquanto mirava sua imagem, o homem religioso aniquila-se no abismo da piedade egocêntrica."
O pecado do fariseu, sua soberba, envolve frequentes comparações: “Não sou como os demais homens [...] nem ainda como este publicano”. A primeira comparação coloca o orante de um lado e o resto da humanidade do outro. O fariseu sente-se absolutamente só, por isso declara: "Não sou como os demais homens". Carl Gustav Jung ensinou que essa atitude pode resultar de uma doença que leva a pessoa a identificar-se sistematicamente com imagens arquetípicas, como a de profeta ou de mártir. A pessoa que se assimila ao profeta considera-se a única que se atreve a dizer a verdade. A que se identifica com o mártir pensa-se incompreendida e hostilizada, enquanto caminha em direção ao sofrimento. No fundo, essa assimilação heroica a figuras arquetípicas não passa de grave manifestação de soberba.
O hábito inveterado de se elevar rebaixando o próximo leva o fariseu a se comparar também com indivíduos. Ele encontra prazer especial em se diferenciar do publicano que ora ao seu lado. A parábola situa os dois num dos átrios do Templo de Jerusalém, quando diz que o fariseu não ousa erguer os olhos ao céu. Os átrios eram os únicos espaços do Templo, nos quais era possível divisar o céu. Ali estavam, portanto, o fariseu e o publicano. Mas, se estavam nos átrios reservados às pessoas comuns, eles não tinham de que se ufanar. A jactância do fariseu era de todo infundada. Por um grave erro de avaliação, ele não se via igual, mas superior ao publicano. Podemos pensar que esse erro consistia em encontrar uma espécie de justiça nas obras exteriores e nos rituais piedosos que o fariseu encenava.
A verdadeira justiça da lei consiste em enxergar o outro, em entender-lhe as razões e amá-lo. Porém, a religião do pecado trabalha o tempo todo para diminuir o próximo e torná-lo desprezível. O homem que, por estranha alquimia, transforma a justiça em atos mecânicos como os de jejuar e de dar o dízimo, passa a enxergar quem não os pratica como uma aberração. Torna-se, assim, uma aberração ele próprio.
Dois são os passos necessários para uma pessoa assemelhar-se ao fariseu da parábola: confiar na justiça inerente às suas atitudes e condenar o próximo. Esses passos se tornam o espelho, no qual a pessoa se torna capaz de enxergar-se sacrossanta. Como o jovem Narciso permaneceu vários dias curvado, a olhar seus traços formosos na água da fonte, o fariseu da parábola olha para o outro, mas vê-se a si mesmo. E, como Narciso morreu por não comer e beber enquanto mirava sua imagem, o homem religioso aniquila-se no abismo da piedade egocêntrica.
O transtorno conhecido como narcisismo pode manifestar-se em todas as áreas da vida humana: em qualquer relacionamento familiar, em qualquer profissão, entre amigos. Por que não apareceria no terreno da religião? Chego a me perguntar se não é exatamente nesse terreno que o narcisismo atinge o grau mais elevado. O fariseu envereda pelo narcisismo espiritual por se acreditar diferente dos outros homens. Essa frase desvenda o caminho interior que ele percorre até pronunciar a oração que o o faz um escravo da soberba. A demarcação da humanidade em dois campos, num dos quais está o fariseu e no outro, o restante dos homens, mostra que a identificação com figuras arquetípicas forja o narcisismo espiritual, que Jesus denunciou como o maior de todos os males espirituais.
Narcisismo é amor excessivo de si. Não, por certo, qualquer amor, mas amor de perdição. Se um conselho deve ser transmitido a todo ser humano com especial gravidade, é: "Não entre pela porta desse pecado. Não abrace o heroísmo espiritual indevido, pois pode não haver retorno dele".
Contudo, a parábola propõe outro exemplo, ao lado do fariseu: “O publicano, estando em pé de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18:13). Salomão orou com as mãos estendidas ao céu (1 Rs 8:22). E não menos do que cinco vezes pediu que Deus ouvisse “do céu” as orações feitas no Templo (1 Reis 8:30,32,34,36,39). No entanto, o publicano não se atreveu sequer a olhar para o céu. Deve ter fitado, ao contrário, o chão e nele encontrado uma imagem muito distinta da que Narciso avistou na face da água.
A esses dois olhares (dirigidos à terra e a si) correspondem duas formas de espiritualidade em tudo antagônicas. Quando olha para a terra (húmus), o homem se faz humilde. A virtude brota no seu coração com a espontaneidade com que a semente germina no solo. Mas, quando olha para a virtude que ele próprio forjou, com amor sazonado ao ponto da vaidade, o homem produz os frutos pútridos da autojustificação.
Kierkegaard formulou a pergunta ousada: quem pertence às fileiras da verdade: quem ora ao Deus verdadeiro com sentimento dobre ou quem ora a um deus falso em verdade? A pergunta é um paradoxo; a parábola do fariseu e do publicano não. Seu ensino é límpido e fácil de entender, uma vez detectado o seu foco. Não há graça ao alcance do homem que faz do ego um bezerro de ouro. A genuína graça sempre se tinge de verdade. E a verdade primaz da fé é a pobreza constitutiva do homem. A pobreza recordada na oração pungente do publicano.
segunda-feira, 6 de agosto de 2012
Sobre a Alma
Na Idade Média, os europeus esperavam o fim repentino do mundo. Previram-no e se prepararam como puderam para ele, durante séculos. Porém, os povos cristãos sempre encerraram o mundo inteiro uma vez. Eles sempre esperaram que o advento iminente de Cristo liquidasse o imenso empreendimento do braço humano num piscar de olhos.
Quanta coisa mudou, de lá para cá! Porém, a consciência do grande destino, que a todos atrai com a precisão de um relógio, permanece aninhada na alma do homem. A ponto de Drummond situar o fim do mundo, no atropelo secular e sem coração da metrópole contemporânea:
Últimos pensamentos! últimos telegramas!
José, que colocava pronomes
Helena, que amava os homens
Sebastião, que se arruinava
Artur, que não dizia nada
embarcam para a eternidade
Tudo era irreparável
Ninguém sabia que o mundo ia acabar
(apenas uma criança percebeu mas ficou calada)
que o mundo ia acabar às 7 e 45.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião - 10 Livros de Poesia. São Paulo: José Olympio. p. 30)
No entanto, a criação mais recente a respeito do tema fúnebre foi o “método de Jack”, consistente em acabar com o mundo por partes. Tornou-se moda o homem decretar o fim ou exterminar, parte por parte, setor por setor, a realidade conhecida por ele há séculos. Deus, a fé, a religião, a metafísica, a ideologia, a utopia, a história, o Estado, foram todos liquidados, por este ou aquele pensador, nos últimos séculos. Para não falar das classes sociais, do direito, do capitalismo, que são destinados à desgraça eterna de tempos em tempos, mas principalmente quando a crise atraca no cais ou se condensa nas nuvens de possibilidades dos pregões das bolsas.
Não há dúvida de que estamos diante de um modo nunca antes visto de pôr termo ao mundo. Estamos diante de uma escatologia por partes. E uma das partes mais importantes do mundo, que alguns se sentem incumbidos de exterminar, no apocalipse da descrença, é sem dúvida a alma humana. Soou a trombeta: o homem não tem, nunca teve, alma. Esta é uma invenção metafísica forjada para fundamentar a esperança ilusória de que a vida continuará após a morte. “Tirem do homem a ilusão, e tirarão a sua esperança!”
Porém, tal é o emaranhado, tal a barafunda das doutrinas céticas, que se ofertam no nosso tempo, que é preciso cuidado para discernir o que cada uma realmente propõe. No caso da alma humana, é preciso critério para discernir que entidade espiritual cada doutrina aniquila com ardor e convicção que chamaríamos crédulos se não se dissessem ateus. Há dois modos principais e ambos clássicos de entender a alma. O mais antigo é o que a concebe como princípio dos movimentos do corpo. Nesse sentido mais amplo, a alma não é concebida como imortal, nem como oposta à matéria. É simplesmente o que explica o fato de um ser possuir a capacidade de mover-se ou de mudar independentemente de causas exteriores. Porém, no segundo sentido, a alma se opõe não só ao corpo que habita, mas a todos os corpos. Ela é o que se opõe à matéria e que, por isso, é imortal. A obsessão moderna dirige-se contra essa segunda concepção. Dirige-se à alma imortal, já que a outra nunca foi concebida como indestrutível.
A defesa racional mais arguta da primeira concepção de alma foi-nos legada por Aristóteles, no seu livro De anima. A da segunda talvez seja a de Santo Agostinho, no diálogo A grandeza da alma, que sustenta que a alma não possui grandeza espacial, portanto é inextensa. Nas palavras do próprio Santo, "a alma não é nem extensa, nem larga, nem forte, nem possui alguma dessas propriedades que se costuma encontrar nas medidas dos corpos" (HIPONA, Agostinho de. A grandeza da alma. In Santo Agostinho. São Paulo:Paulus, 2008. p. 263). Esse segundo modo de pensar a alma atravessou os séculos e, após toda a Escolástica, foi justificado como inteiramente racional por Descartes, no século XVII.
As duas concepções de alma fizeram escola e tornaram-se clássicas. Neste texto, cuidarei preferencialmente da segunda, pois é a que tem sofrido os maiores ataques na atualidade. De todos os argumentos apresentados em favor da existência desse tipo de alma imortal, o mais inexpugnável talvez seja o que reconhece que "as faculdades superiores [do homem] podem compreender as subalternas, enquanto estas não podem jamais elevar-se ao nível das que lhes são superiores". Essa é a razão primeira por que "os sentidos não podem perceber nada além da matéria" (BOÉCIO. A consolação da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 144).
O argumento está implícito na doutrina dos sete graus de atividade da alma, que Santo Agostinho desenvolveu na sua obra citada acima (Ob. cit. pp. 339-344). Os dois primeiros graus são aqueles pelos quais conhecemos os corpos. É em parte possível explicá-los com base no movimento dos próprios corpos. Porém, por ser mais simples, a atividade dos dois primeiros graus não explica a dos outros cinco, que tem de ser produzida por um espírito imaterial.
Essa particular fundamentação da existência de uma alma independente do corpo atravessou os séculos. Tão tarde quanto “em 2004, onze eminentes neurocientistas alemães [...] publicaram um Manifesto sobre a realidade presente e futura da pesquisa do cérebro [...] Eles apresentam agora um sóbrio e diferenciado balanço de sua ciência [...] Foram conseguidos importantes avanços: por um lado, ao nível mais elevado – foram pesquisadas as funções e interações das áreas cerebrais mais extensas [...] por outro lado, ao nível menos elevado, entendemos hoje amplamente os processos em nível das células e moléculas individuais [...] mas não em nível intermediário – onde sabemos pouquíssimo o que acontece [...] Atualmente, a pesquisa do cérebro não tem a oferecer sobre a ligação entre cérebro e espírito, entre consciência e sistema nervoso, nenhuma teoria que possa ser empiricamente verificada.” (KUNG, Hans. O princípio de todas as coisas – ciências naturais e religião. Petrópolis: Vozes, 2007. pp. 245-247).
Essa citação deveria bastar para exibir as dificuldades do dilema mente-corpo. No entanto, o consenso que se delineia, não só na Alemanha, mas em muitos outros países, no sentido de que não é possível se refutar ou provar a existência da alma, tem servido de estímulo para os esquartejadores do mundo se erguerem, tomarem a trombeta dourada e anunciarem, do eirado, a consumação da alma. De fato, é impossível mencionar uma a uma as invectivas que têm sido dirigidas aos defensores da ideia de que o dilema alma-corpo não está resolvido. Uma avalanche de artigos com tal teor tem inundado a mídia. E o pior é que, no contexto de guerra de teorias que se criou, fica difícil entender a própria questão controvertida.
Não posso deixar de observar que o estado real da questão é muito diferente do que esses artigos sugerem. Recentemente, o neurocientista Giulio Tononi, da Universidade Wisconsin-Madison, propôs que a consciência é idêntica ao que costumamos denominar informação integrada (TONONI, Giulio. “Integrated information theory of consciousness: na updated account”. In Archives italiennes de Biologie. Dez/2012, nº 4, pp. 293-329). De acordo com essa teoria, a consciência depende de um substrato físico, mas não é redutível a ele. Por exemplo, a experiência da cor azul está ligada ao cérebro, mas é diferente dele.
Podemos perguntar por que é assim. A teoria de Tononi, que foi saudada por Christof Koch como "passo gigantesco para a resolução final do problema mente-corpo", responde que a integração é uma característica de certos sistemas físicos e não de outros. Ela não po-de ser quebrada, sem que a consciência desvaneça. Não po-demos nos forçar a ver um objeto azul em preto e branco, porque a consciência é a integração da cor com a forma e muitas outras informações, ao mesmo tempo. Eliminar um aspecto da experiência integrada (por exemplo, a cor) implica apagar a consciência.
A integração não decorre do aumento da informações. Ainda que a memória de um computador viesse a exceder a do cérebro humano, nenhuma informação dentro dele é integrada. Para que a integração se produza, é necessário que cada informação seja, desde o início, conectaa a outras. A qualidade integrada tem de estar presente, entre as menores informações, para que o sistema adquira autoconsciência. Do contrário, isso jamais acontecerá.
Em outras palavras, a consciência não é um fenômeno associado à organização essencial da matéria, vale dizer, ao que diferencia a matéria do que não o é, já que ela pode não ocorrer quando todos os elementos constitutivos da matéria estão presentes. É, antes, um fenômeno associado de modo não causal e imprevisto a certos corpos materiais.
Quero acrescentar duas palavras sobre a questão mente-corpo, do ponto de vista teológico. Em boa parte do Antigo Testamento, a ideia predominante a respeito da alma é a de uma entidade inseparável do corpo, enquanto o homem vive, e da sepultura, depois que ele morre. Porém, antes do século II a. C., os judeus não criam numa sobrevivência muito definida da alma à morte. Para eles, a alma era uma espécie de sombra. Não exatamente um nada, mas um ser pouco definido e que não se apartava da sepultura ao morrer.
Pouco a pouco, essa concepção mudou. Pouco antes do tempo de Jesus, porém, a maior parte do povo e a seita mais numerosa (a dos fariseus) passaram a crer numa sobrevivência mais definida da alma à morte. Vários ditos de Jesus o confirmam: “Não temais os que podem matar o corpo, porém não a alma” (Mt 10:28), “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc 23:43) e assim por diante. A própria história do rico e de Lázaro não só pressupõe como ensina essa nova noção.
Foi essa a alteração mais importantes a que a noção de alma foi submetida, durante o período bíblico. Pode-se afirmar que ela se deveu à introdução da ideia de ressurreição em Israel. A princípio, a ideia assumiu uma variedade de significados. O conteúdo comum a boa parte deles era o de um despertar do sono da morte. Assim como criara as almas uma a uma, Deus era capaz de as ressuscitar, ou seja, de despertá-las e as vivificar.
Sob essa concepção, o sono usado tanto no Antigo como no Novo Testamento para descrever a morte é uma experiência muito mais da alma do que do corpo. Os judeus não eram obtusos de mente, a ponto de não perceberem que o corpo se decompunha com a morte. Para eles, o corpo realmente morria. Por isso, quando afirmavam que alguém descansou com os seus, ao morrer, os judeus não estavam a sugerir que os ossos dormiam, mas que a alma o fazia, até que Deus a despertasse pela ressurreição.
Porém, é preciso esclarecer que, apesar da introdução da ideia de imortalidade da alma, não há, no Novo Testamento, sinal explícito da separação radical, platônica, cartesiana, entre a alma e o corpo. A alma neotestamentária não se molda à concepção de alma imortal que depois se tornou clássica. Esta é a concepção platônico-agostiniana, que Descartes reafirmou, de alma inextensa e imortal. A alma bíblica é imortal, mas também é herdeira da doutrina judaica da inseparabilidade entre corpo e alma, que não se altera entre Gênesis e Apocalipse.
Voltemos um instante à ciência. Que arma tem ela nas mãos, para mostrar que a alma assim concebida não existe? A resposta mais coerente me parece a dos signatários do Manifesto citado acima: nenhuma. Claro que os próprios signatários do documento não esclareceram a que concepção de alma se referiam. Mas, até mesmo por isso, torna-se implícito que se referem a uma gama delas, sobretudo às concepções mais elásticas, dentre as quais a concepção primitiva da alma merece destaque. Esse fato é às vezes encoberto pela confusão que se faz entre as várias concepções de alma. Principalmente, entre as duas doutrinas clássicas a seu respeito. A segunda doutrina, platônico-agostiniana e cartesiana, de fato, foi refutada pelos dados da ciência. Não há mais lugar para a alma radicalmente inextensa, sem relação com o espaço-tempo, isto é, para a alma radicalmente distinta do corpo, nos quadros do pensamento mais adiantado. Porém, o mesmo não ocorre com a noção mais primitiva de alma, que não foi refutada pela ciência.
Boa parte do que os filósofos e cientistas céticos alegam para negar a existência da alma consiste em experiências que provam a relação entre o sistema nervoso e a mente. O que chamamos de alma sempre aparece em conexão com o cérebro ou com o sistema nervoso. Normalmente, essa relação é descrita em termos de causa e efeito. Por isso, até hoje, os que desejam reduzir a mente à matéria afirmam que a primeira é um efeito de causas cerebrais.
Porém, a ideia de relação é a de uma sucessão de ações e de reações, entre dois ou mais seres. Normalmente, não é possível predizer, numa relação, qual ser praticará a ação, e qual, a reação. Já na relação causal, essa ordem parece predeterminada, isto é, a causa deve vir antes do efeito. David Hume, porém, mostrou que apenas parece, sem vir realmente. A predeterminação pode resultar do hábito mental de simplificar excessivamente a observação e de generalizar para todos os acontecimentos o que se dá em alguns casos.
Quando parte dos cientistas afirma que o dilema mente-corpo não foi resolvido, portanto, uma das consequências é que não sabemos o que vem antes e o que vem depois, na experiência que chamamos pensar: se o cérebro ou a alma. A afirmação de que o cérebro vem antes não é mais do que ingênua, na medida em que considera causal uma relação muito mais complexa.
Mais poderia ser dito sobre este assunto. Mas vou concluir com o que nele interessa ao tratamento dos males da alma. Se por um lado a relação entre milhares ou mesmo milhões de reações que constituem a mente é indiscernível, por outro lado a natureza básica dos problemas psíquicos é mais fácil de se compreender. Pode até ser proposta por meio de observações empíricas. Refiro-me a fenômenos como o da possessão demoníaca. As mentes céticas consideram esses fenômenos meramente cerebrais. Reduzem os males espirituais associados à possessão à esquizofrenia e às psicoses em geral.
No entanto, as possessões descritas nos Evangelhos e observadas ainda hoje permanecem irredutíveis às psicoses. Nestas, o indivíduo não perde a noção de si. Pelo contrário, conserva uma forma modificada, mas nítida de noção de si. O esquizofrênico ouve vozes, vê vultos e interage com eles, mas sabe de quem são as vozes, de quem os vultos e quem é ele próprio. Isso é completamente claro tanto na observação como na literatura especializada.
O mesmo parece ocorrer nas outros transtornos e doenças psíquicas. Em todos eles, persiste o senso que o indivíduo doente possui de si. E nos estados inconscientes não patológicos, como o sono e as alucinações causadas por drogas, não é diferente. Na possessão e talvez apenas nela, impera a sensação de ser outro ente. O mínimo que se pode afirmar sobre essa terrível experiência é que, nela, a perda da noção de si é a regra, não a exceção, está presente todo o tempo, não se esvai rapidamente. Temos, pois, evidências empíricas importantes de transtornos que não seguem o figurino das doenças psíquicas e parecem ter raízes muito mais profundas.
Posso afirmar tudo isso com a autoridade do neurologista ou do psicanalista? Não. Posso fazê-lo apenas como investigador atento da religião e do mundo. Mas essas duas ciências, que juntas moem a alma, também a afirmam. E o fazem empiricamente, na medida em que mostram que certos eventos psíquicos possuem uma natureza exclusiva e inteiramente diversa de tudo o que tem causa cerebral aparente.
A verdade das mortes que o homem contemporâneo anunciou e das ezéquias que celebrou tem sido a ressurreição. Os fins revelaram-se novos começos, e as realidades aniquiladas retornaram. Eis o mundo de novo povoado delas. A alma, porém, vai adiante do séquito. E no seu estandarte se lê: “Pecca fortiter, sed fortius fide et gaude in Christo” (“Peca com ardor, mas com mais ardor confia e regozija-te em Cristo”) – carta de Lutero a Melanchton.
Quanta coisa mudou, de lá para cá! Porém, a consciência do grande destino, que a todos atrai com a precisão de um relógio, permanece aninhada na alma do homem. A ponto de Drummond situar o fim do mundo, no atropelo secular e sem coração da metrópole contemporânea:
Últimos pensamentos! últimos telegramas!
José, que colocava pronomes
Helena, que amava os homens
Sebastião, que se arruinava
Artur, que não dizia nada
embarcam para a eternidade
Tudo era irreparável
Ninguém sabia que o mundo ia acabar
(apenas uma criança percebeu mas ficou calada)
que o mundo ia acabar às 7 e 45.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião - 10 Livros de Poesia. São Paulo: José Olympio. p. 30)
No entanto, a criação mais recente a respeito do tema fúnebre foi o “método de Jack”, consistente em acabar com o mundo por partes. Tornou-se moda o homem decretar o fim ou exterminar, parte por parte, setor por setor, a realidade conhecida por ele há séculos. Deus, a fé, a religião, a metafísica, a ideologia, a utopia, a história, o Estado, foram todos liquidados, por este ou aquele pensador, nos últimos séculos. Para não falar das classes sociais, do direito, do capitalismo, que são destinados à desgraça eterna de tempos em tempos, mas principalmente quando a crise atraca no cais ou se condensa nas nuvens de possibilidades dos pregões das bolsas.
Não há dúvida de que estamos diante de um modo nunca antes visto de pôr termo ao mundo. Estamos diante de uma escatologia por partes. E uma das partes mais importantes do mundo, que alguns se sentem incumbidos de exterminar, no apocalipse da descrença, é sem dúvida a alma humana. Soou a trombeta: o homem não tem, nunca teve, alma. Esta é uma invenção metafísica forjada para fundamentar a esperança ilusória de que a vida continuará após a morte. “Tirem do homem a ilusão, e tirarão a sua esperança!”
Porém, tal é o emaranhado, tal a barafunda das doutrinas céticas, que se ofertam no nosso tempo, que é preciso cuidado para discernir o que cada uma realmente propõe. No caso da alma humana, é preciso critério para discernir que entidade espiritual cada doutrina aniquila com ardor e convicção que chamaríamos crédulos se não se dissessem ateus. Há dois modos principais e ambos clássicos de entender a alma. O mais antigo é o que a concebe como princípio dos movimentos do corpo. Nesse sentido mais amplo, a alma não é concebida como imortal, nem como oposta à matéria. É simplesmente o que explica o fato de um ser possuir a capacidade de mover-se ou de mudar independentemente de causas exteriores. Porém, no segundo sentido, a alma se opõe não só ao corpo que habita, mas a todos os corpos. Ela é o que se opõe à matéria e que, por isso, é imortal. A obsessão moderna dirige-se contra essa segunda concepção. Dirige-se à alma imortal, já que a outra nunca foi concebida como indestrutível.
A defesa racional mais arguta da primeira concepção de alma foi-nos legada por Aristóteles, no seu livro De anima. A da segunda talvez seja a de Santo Agostinho, no diálogo A grandeza da alma, que sustenta que a alma não possui grandeza espacial, portanto é inextensa. Nas palavras do próprio Santo, "a alma não é nem extensa, nem larga, nem forte, nem possui alguma dessas propriedades que se costuma encontrar nas medidas dos corpos" (HIPONA, Agostinho de. A grandeza da alma. In Santo Agostinho. São Paulo:Paulus, 2008. p. 263). Esse segundo modo de pensar a alma atravessou os séculos e, após toda a Escolástica, foi justificado como inteiramente racional por Descartes, no século XVII.
As duas concepções de alma fizeram escola e tornaram-se clássicas. Neste texto, cuidarei preferencialmente da segunda, pois é a que tem sofrido os maiores ataques na atualidade. De todos os argumentos apresentados em favor da existência desse tipo de alma imortal, o mais inexpugnável talvez seja o que reconhece que "as faculdades superiores [do homem] podem compreender as subalternas, enquanto estas não podem jamais elevar-se ao nível das que lhes são superiores". Essa é a razão primeira por que "os sentidos não podem perceber nada além da matéria" (BOÉCIO. A consolação da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 144).
O argumento está implícito na doutrina dos sete graus de atividade da alma, que Santo Agostinho desenvolveu na sua obra citada acima (Ob. cit. pp. 339-344). Os dois primeiros graus são aqueles pelos quais conhecemos os corpos. É em parte possível explicá-los com base no movimento dos próprios corpos. Porém, por ser mais simples, a atividade dos dois primeiros graus não explica a dos outros cinco, que tem de ser produzida por um espírito imaterial.
Essa particular fundamentação da existência de uma alma independente do corpo atravessou os séculos. Tão tarde quanto “em 2004, onze eminentes neurocientistas alemães [...] publicaram um Manifesto sobre a realidade presente e futura da pesquisa do cérebro [...] Eles apresentam agora um sóbrio e diferenciado balanço de sua ciência [...] Foram conseguidos importantes avanços: por um lado, ao nível mais elevado – foram pesquisadas as funções e interações das áreas cerebrais mais extensas [...] por outro lado, ao nível menos elevado, entendemos hoje amplamente os processos em nível das células e moléculas individuais [...] mas não em nível intermediário – onde sabemos pouquíssimo o que acontece [...] Atualmente, a pesquisa do cérebro não tem a oferecer sobre a ligação entre cérebro e espírito, entre consciência e sistema nervoso, nenhuma teoria que possa ser empiricamente verificada.” (KUNG, Hans. O princípio de todas as coisas – ciências naturais e religião. Petrópolis: Vozes, 2007. pp. 245-247).
Essa citação deveria bastar para exibir as dificuldades do dilema mente-corpo. No entanto, o consenso que se delineia, não só na Alemanha, mas em muitos outros países, no sentido de que não é possível se refutar ou provar a existência da alma, tem servido de estímulo para os esquartejadores do mundo se erguerem, tomarem a trombeta dourada e anunciarem, do eirado, a consumação da alma. De fato, é impossível mencionar uma a uma as invectivas que têm sido dirigidas aos defensores da ideia de que o dilema alma-corpo não está resolvido. Uma avalanche de artigos com tal teor tem inundado a mídia. E o pior é que, no contexto de guerra de teorias que se criou, fica difícil entender a própria questão controvertida.
Não posso deixar de observar que o estado real da questão é muito diferente do que esses artigos sugerem. Recentemente, o neurocientista Giulio Tononi, da Universidade Wisconsin-Madison, propôs que a consciência é idêntica ao que costumamos denominar informação integrada (TONONI, Giulio. “Integrated information theory of consciousness: na updated account”. In Archives italiennes de Biologie. Dez/2012, nº 4, pp. 293-329). De acordo com essa teoria, a consciência depende de um substrato físico, mas não é redutível a ele. Por exemplo, a experiência da cor azul está ligada ao cérebro, mas é diferente dele.
Podemos perguntar por que é assim. A teoria de Tononi, que foi saudada por Christof Koch como "passo gigantesco para a resolução final do problema mente-corpo", responde que a integração é uma característica de certos sistemas físicos e não de outros. Ela não po-de ser quebrada, sem que a consciência desvaneça. Não po-demos nos forçar a ver um objeto azul em preto e branco, porque a consciência é a integração da cor com a forma e muitas outras informações, ao mesmo tempo. Eliminar um aspecto da experiência integrada (por exemplo, a cor) implica apagar a consciência.
A integração não decorre do aumento da informações. Ainda que a memória de um computador viesse a exceder a do cérebro humano, nenhuma informação dentro dele é integrada. Para que a integração se produza, é necessário que cada informação seja, desde o início, conectaa a outras. A qualidade integrada tem de estar presente, entre as menores informações, para que o sistema adquira autoconsciência. Do contrário, isso jamais acontecerá.
Em outras palavras, a consciência não é um fenômeno associado à organização essencial da matéria, vale dizer, ao que diferencia a matéria do que não o é, já que ela pode não ocorrer quando todos os elementos constitutivos da matéria estão presentes. É, antes, um fenômeno associado de modo não causal e imprevisto a certos corpos materiais.
Quero acrescentar duas palavras sobre a questão mente-corpo, do ponto de vista teológico. Em boa parte do Antigo Testamento, a ideia predominante a respeito da alma é a de uma entidade inseparável do corpo, enquanto o homem vive, e da sepultura, depois que ele morre. Porém, antes do século II a. C., os judeus não criam numa sobrevivência muito definida da alma à morte. Para eles, a alma era uma espécie de sombra. Não exatamente um nada, mas um ser pouco definido e que não se apartava da sepultura ao morrer.
Pouco a pouco, essa concepção mudou. Pouco antes do tempo de Jesus, porém, a maior parte do povo e a seita mais numerosa (a dos fariseus) passaram a crer numa sobrevivência mais definida da alma à morte. Vários ditos de Jesus o confirmam: “Não temais os que podem matar o corpo, porém não a alma” (Mt 10:28), “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc 23:43) e assim por diante. A própria história do rico e de Lázaro não só pressupõe como ensina essa nova noção.
Foi essa a alteração mais importantes a que a noção de alma foi submetida, durante o período bíblico. Pode-se afirmar que ela se deveu à introdução da ideia de ressurreição em Israel. A princípio, a ideia assumiu uma variedade de significados. O conteúdo comum a boa parte deles era o de um despertar do sono da morte. Assim como criara as almas uma a uma, Deus era capaz de as ressuscitar, ou seja, de despertá-las e as vivificar.
Sob essa concepção, o sono usado tanto no Antigo como no Novo Testamento para descrever a morte é uma experiência muito mais da alma do que do corpo. Os judeus não eram obtusos de mente, a ponto de não perceberem que o corpo se decompunha com a morte. Para eles, o corpo realmente morria. Por isso, quando afirmavam que alguém descansou com os seus, ao morrer, os judeus não estavam a sugerir que os ossos dormiam, mas que a alma o fazia, até que Deus a despertasse pela ressurreição.
Porém, é preciso esclarecer que, apesar da introdução da ideia de imortalidade da alma, não há, no Novo Testamento, sinal explícito da separação radical, platônica, cartesiana, entre a alma e o corpo. A alma neotestamentária não se molda à concepção de alma imortal que depois se tornou clássica. Esta é a concepção platônico-agostiniana, que Descartes reafirmou, de alma inextensa e imortal. A alma bíblica é imortal, mas também é herdeira da doutrina judaica da inseparabilidade entre corpo e alma, que não se altera entre Gênesis e Apocalipse.
Voltemos um instante à ciência. Que arma tem ela nas mãos, para mostrar que a alma assim concebida não existe? A resposta mais coerente me parece a dos signatários do Manifesto citado acima: nenhuma. Claro que os próprios signatários do documento não esclareceram a que concepção de alma se referiam. Mas, até mesmo por isso, torna-se implícito que se referem a uma gama delas, sobretudo às concepções mais elásticas, dentre as quais a concepção primitiva da alma merece destaque. Esse fato é às vezes encoberto pela confusão que se faz entre as várias concepções de alma. Principalmente, entre as duas doutrinas clássicas a seu respeito. A segunda doutrina, platônico-agostiniana e cartesiana, de fato, foi refutada pelos dados da ciência. Não há mais lugar para a alma radicalmente inextensa, sem relação com o espaço-tempo, isto é, para a alma radicalmente distinta do corpo, nos quadros do pensamento mais adiantado. Porém, o mesmo não ocorre com a noção mais primitiva de alma, que não foi refutada pela ciência.
Boa parte do que os filósofos e cientistas céticos alegam para negar a existência da alma consiste em experiências que provam a relação entre o sistema nervoso e a mente. O que chamamos de alma sempre aparece em conexão com o cérebro ou com o sistema nervoso. Normalmente, essa relação é descrita em termos de causa e efeito. Por isso, até hoje, os que desejam reduzir a mente à matéria afirmam que a primeira é um efeito de causas cerebrais.
Porém, a ideia de relação é a de uma sucessão de ações e de reações, entre dois ou mais seres. Normalmente, não é possível predizer, numa relação, qual ser praticará a ação, e qual, a reação. Já na relação causal, essa ordem parece predeterminada, isto é, a causa deve vir antes do efeito. David Hume, porém, mostrou que apenas parece, sem vir realmente. A predeterminação pode resultar do hábito mental de simplificar excessivamente a observação e de generalizar para todos os acontecimentos o que se dá em alguns casos.
Quando parte dos cientistas afirma que o dilema mente-corpo não foi resolvido, portanto, uma das consequências é que não sabemos o que vem antes e o que vem depois, na experiência que chamamos pensar: se o cérebro ou a alma. A afirmação de que o cérebro vem antes não é mais do que ingênua, na medida em que considera causal uma relação muito mais complexa.
Mais poderia ser dito sobre este assunto. Mas vou concluir com o que nele interessa ao tratamento dos males da alma. Se por um lado a relação entre milhares ou mesmo milhões de reações que constituem a mente é indiscernível, por outro lado a natureza básica dos problemas psíquicos é mais fácil de se compreender. Pode até ser proposta por meio de observações empíricas. Refiro-me a fenômenos como o da possessão demoníaca. As mentes céticas consideram esses fenômenos meramente cerebrais. Reduzem os males espirituais associados à possessão à esquizofrenia e às psicoses em geral.
No entanto, as possessões descritas nos Evangelhos e observadas ainda hoje permanecem irredutíveis às psicoses. Nestas, o indivíduo não perde a noção de si. Pelo contrário, conserva uma forma modificada, mas nítida de noção de si. O esquizofrênico ouve vozes, vê vultos e interage com eles, mas sabe de quem são as vozes, de quem os vultos e quem é ele próprio. Isso é completamente claro tanto na observação como na literatura especializada.
O mesmo parece ocorrer nas outros transtornos e doenças psíquicas. Em todos eles, persiste o senso que o indivíduo doente possui de si. E nos estados inconscientes não patológicos, como o sono e as alucinações causadas por drogas, não é diferente. Na possessão e talvez apenas nela, impera a sensação de ser outro ente. O mínimo que se pode afirmar sobre essa terrível experiência é que, nela, a perda da noção de si é a regra, não a exceção, está presente todo o tempo, não se esvai rapidamente. Temos, pois, evidências empíricas importantes de transtornos que não seguem o figurino das doenças psíquicas e parecem ter raízes muito mais profundas.
Posso afirmar tudo isso com a autoridade do neurologista ou do psicanalista? Não. Posso fazê-lo apenas como investigador atento da religião e do mundo. Mas essas duas ciências, que juntas moem a alma, também a afirmam. E o fazem empiricamente, na medida em que mostram que certos eventos psíquicos possuem uma natureza exclusiva e inteiramente diversa de tudo o que tem causa cerebral aparente.
A verdade das mortes que o homem contemporâneo anunciou e das ezéquias que celebrou tem sido a ressurreição. Os fins revelaram-se novos começos, e as realidades aniquiladas retornaram. Eis o mundo de novo povoado delas. A alma, porém, vai adiante do séquito. E no seu estandarte se lê: “Pecca fortiter, sed fortius fide et gaude in Christo” (“Peca com ardor, mas com mais ardor confia e regozija-te em Cristo”) – carta de Lutero a Melanchton.
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