Muitas passagens bíblicas afirmam que somos servos (em grego, douloi: escravos) de Deus. Mas só em Lucas 17:7-10, o estatuto dessa servidão é proclamado. Só esse texto expõe à luz do meio-dia em que consiste ser servo de Deus: “Qual de vós, tendo um servo ocupado na lavoura ou em guardar o gado, lhe dirá quando ele voltar do campo: Vem já e põe-te à mesa? E que antes não lhe diga: Prepara-me a ceia, cinge-te, e serve-me, enquanto eu como e bebo, depois comerás tu e beberás. Porventura terá de agradecer ao servo por ter este feito o que lhe havia ordenado? Assim também vós, depois de fazerdes tudo quanto vos for ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer.”
As parábolas de Lucas contêm solilóquios. A do filho pródigo é o clássico exemplo. O anti-heroi não abandona, apenas, a velha vida. Antes de o fazer, ele cogita: “Quantos empregados de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, irei ter com meu pai”. Nessa e em outras parábolas, a comunicação da personagem consigo mesma despe a sua alma, mostra quem realmente ela é. O mesmo se dá no texto em exame, com a só diferença de que, aqui, o monólogo surge ao final, quando Jesus exorta: “Dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer”.
Não exagera quem reconhece, nesse tanto de solilóquio, nesse dizer de si para si, o centro da parábola e da própria vida de fé. Ter fé é dizer-se essa frase. É dizê-la do fundo de si e para si mesmo. É até mesmo pregá-la, mas pregá-la para si, com a verve com que Antônio pregou aos peixes: “Aos homens deu Deus a razão sem o uso; aos peixes, o uso sem a razão”. É convocar-se ao arrependimento e arrepender-se. É comparecer livremente ao tribunal da consciência, nele erguer-se e confessar a própria inutilidade. Mas só vale confessá-la de modo sentido. Com os olhos baixos e a alma desnuda. Sem esse fundo reconhecimento, pode haver serviço a Deus, mas não há reino de Deus.
O monólogo de Lucas 17:10 é o que constitui o servo de Deus. Sem o dizer íntimo, o dizer de si para si, o servo-por-fora é apenas um falso servo. Alguém pronto para o passo da traição. Ele só se torna um servo verdadeiro, quando se faz servo-também-por-dentro. Ecoando essa lição, Paulo disse a Filemon que o escravo Onésimo antes lhe fora inútil (Fm 11). Pode-se distinguir nessas palavras o aroma de Lucas 17:10. Onésimo fora escravo de Filemon, portanto lhe fora inútil. Esse o conceito bíblico de servidão.
Lutero foi homem colérico. Historiadores católicos tentaram, de todas as formas, retratá-lo como pecador contumaz. Só não é possível negar que Lutero tenha alcançado sensação profunda da própria miséria e da acabada inutilidade humana. Num texto famoso, ele resumiu nossa condição nas palavras: “Somos mendigos: esta é a verdade”. É preciso desconhecer totalmente a condição humana para negar tal veredito.
No entanto, o mundo está cheio de pessoas que pensam servir a Deus, sem se pensarem inúteis. Quantos sabem tudo sobre tudo! Quantos estavam ao lado de Deus, quando ele lançou os fundamentos da terra, quando lhe pôs medidas e estendeu sobre ela o cordel, quando as bases do mundo foram esquadrinhadas, e as estrelas da alva cantavam de júbilo (Jó 38:4-7). Quantos têm respostas prontas sobre esses e todos os outros mistérios. Sobre o passado remoto e a eternidade futura. Sobre Gênesis e Apocalipse. Sobre tudo o que é preciso para consertar os outros e a própria igreja de Deus. Só não sabem uma coisa: que são totalmente inúteis.
“A criação consistiu em formar tudo o que existe e dizer 'É bom'; a nova criação consiste em o homem, coroa da criação, pronunciar o bom solilóquio.”
E o mais espantoso é que, não raro, esse enxame de presunçosos não está disposto a mover uma palha para buscar a sabedoria. Eles não querem ir para o campo. Muito menos voltar exaustos, preparar a ceia e servir a mesa. Claro que, assim, permanecem infinitamente longe da condição necessária para proclamarem “somos inúteis”. A parábola nem os exorta a dizê-lo, mas a irem para o campo, derramarem suor, conhecerem o que é fadiga e só então se reconhecerem miseráveis, pobres, cegos e nus.
Uma coisa é alguém nada fazer e dizer-se inútil; outra muito diferente é tudo fazer, completar uma obra extenuante, talvez esplendorosa, e dizer sobre ela: “Senhor, sou servo inútil, pois fiz apenas o que devia fazer”. Essa é a obra-prima do Espírito de Deus no homem. A criação consistiu em formar tudo o que existe e dizer “É bom”; a nova criação consiste em o homem, coroa da criação, pronunciar o bom solilóquio.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
Evidence for Creation: A Wonderful Find
The verb bara (create) is used only to beings that God formed the first time. With this meaning, the term appears in Genesis 2:4: "This [the story of the six days] is the genesis of heaven and earth when they were created [bara]."
Clearly, the verse refers to the days of Genesis 1 as the creation of heaven and earth. In other words, it makes them a detailed explanation of verse 1:1: "In the beginning God created the heavens and the earth". I want to show that this sense of the days of creation, when compared to scientific data, allows us to make a truly wonderful find.
On the first day, God said "Let there be light. And there was light" (Gen 1:3). The light of the first first day was much weaker than that of the fourth. If the six days describe the original creation, we can compare the first one with the state of the Earth when it was created. The physicist Fred Hoyle describes that state as follows: "Such was the situation in the first few hundred million years of Earth’s history [...] a period of tremendous devastation, during which the surface of the planet was hit by a rain of objects that, due to the greater gravity of Earth, must have been more destructive than the intense bombardment which simultaneously produced the deeply carved landscape of the Moon "(Hoyle, Fred. The intelligent universe - a new perspective of creation and evolution. Lisbon: Presence, 1983. pp. 70-71).
Another physicist, Robert Jastrow, describes the end of the first billion years of Earth as follows: "The earth is a billion years old. There's a chill in the air, because the sun is a star young and relatively weak, producing only half of the radiating heat and light that will produce later "(Jastrow, Robert. Until the sun goes out. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980. p. 29). If the Earth was bathed with only half the light that exists today, when it was one billion years old, because the sun was too young, an even smaller amount of light radiation existed when she came into being. And if the planet was constantly bombarded by celestial bodies, we have to agree that the dust thus raised caused the brightness on its surface to decrease even more. Does this scenario agree with the dim light of Genesis 1:3? If the six days synthetize God’s original creation, we can conclude that the first of them does so with admirable precision.
Let’s proceed to the second day, when God made the firmament (atmosphere) between the waters below (the ocean) and above (clouds). Robert Jastrow says: "Once the land was formed, the radioactive atoms contained in the planet started to crumble, one by one. By releasing their small power loads, they heated the rocks inside [...] seven hundred million years after [...] the molten rocks burst through the earth's crust, a volcano erupted, and a stream of lava was poured. Surprisingly, this lava was the source of the atmosphere and oceans of the earth" (pp. idem. 29-30). A third scientist, Hubert Reeves, thus reports the formation of the seas: "When the planet received a vast and dense atmosphere, the water condensed. It rained as it will never happen again. It rained the waters of all the oceans" (Reeves, Hubert. A bit of blue - the cosmic evolution. New York: Random House, 1986. p. 91).
In these descriptions, we see that the atmosphere and the ocean were formed after 700 million years of the Earth spinning in space. This milestone is the beginning of the second day of Genesis, in which the seas and the atmosphere were made. Once more there is clear coincidence between the biblical account of origins and the sequence painfully discovered by science.
The period following the formation of the atmosphere and ocean is described by the scientist as follows: "A shallow sea covers the surface of the planet. Its waters are sterile; there, life will bloom later, but has not yet emerged" (Jastrow, Robert. Op. cit. p. 31). If the soil emerged on the third day, it is because it had been flooded, as the text above informs. At that time, no living creature had been formed. Again, the Genesis account proves wonderfully compatible with science.
Jastrow continues: "The earth has made its first billion years, in the second day of life [metaphor used to facilitate the understanding of evolution], the planet stirs restlessly [...] The intensity of the movement increases, the depths are devastated by convulsions, and the top of the first continents rises above sea level "(idem. p. 35). A billion years refers to the period that followed the formation of the atmosphere and seas, that is, to the third day of Genesis, when the land emerged from the waters. Are we not before another amazing convergence between the Bible and science?
We could stop our analysis at this point, since the structural formation of the planet before the emergence of living beings is complete. If we did, we would have the formidable challenge of explaining the agreement of the biblical text with scientific discoveries made millennia after its writing. Of course, the challenge would prove insurmountable, no matter what conclusion we came to about the formation of living beings.
However, let us go on. Perhaps our eyes are fooling us... Or a spell like those of Jannes and Jambres has paralyzed us. Still on the third day, Genesis narrates the creation of terrestrial plants. Scientific data show that the first fossil records of terrestrial plants are between 500 and 470 million years old (Nature, 30/11/2000). The first large trees called Archaeopteris appeared 370 million years ago (Nature, 22/04/1999). This period may well correspond to the second part of the third day (yom), if each day (yom) is taken as an era of indefinite duration.
On the fourth day, the creation of lights is reported. On this point, the ever-useful narrative of Jastrow asserts: "Rocks a thousand miles bellow the planet’s surface, partially melted and transformed by intense heat and pressure, began to find their way upwards. Molten material reached the surface, volcanoes erupted [...] These changes occurred within and on the surface of the earth, three hundred and fifty million years ago. During the hundred million years prior to that period, the interior of the globe rested in quiet "(Jastrow, Robert. Op. cit. p. 40).
The intense volcanism mentioned in the text appeared soon after the onset of early plants, and raised a thick layer of gas in many parts of the world. These gases prevented the lights (sun, moon and stars) from being seen in the sky. Thus the work of the fourth day coincided with the end of volcanism, and the purification of the atmosphere 350 million years ago. Another wonderful agreement between the Biblical and scientific discourses can be seen.
The fifth day is not applicable to the original creation of the Earth, since the items in it were created (bara) and blessed by God. We must then jump to the sixth day, when God formed reptiles, wild beasts and domestic animals. In the Bible, reptiles are creeping and wingless beings, endowed or not with legs. Such biblical reptiles appeared abundantly in the fossil record between 350 and 250 million years ago. That means after the volcanism of the fourth day.
The first four-legged animals, with complicated names (thecodonts and therapsids), date from the same time. About them, Wikipedia elaborates: "Thecodonts first appeared in the Permian, and flourished until the end of the Triassic period," "The therapsids arose in the Permian period." The same encyclopedia places the Permian between 299 and 251 million years ago. Therefore, the first four-legged animals appeared, at the exact point of Earth's history where the biblical sequence locates them.
The lines above summarize the result of applying the six days to the original creation, in accordance with Genesis 2:4. The comparison with scientific findings shows that the days wonderfully reconstitute the exact sequence in which the structural items and the living beings originated on Earth. Jannes and Jambres would not have done better, even though they had used the best Egyptian secrets.
Before the intellectual landscape thus glanced, is it still possible to consider the seven days a mere account of the restoration of the Earth, after the devastation which made it chaotic and void? Is it still possible to think that the first chapter of Genesis is a mere piece of human craft, and not a divine revelation to man? That it is not an irrefutable evidence of creation?
Clearly, the verse refers to the days of Genesis 1 as the creation of heaven and earth. In other words, it makes them a detailed explanation of verse 1:1: "In the beginning God created the heavens and the earth". I want to show that this sense of the days of creation, when compared to scientific data, allows us to make a truly wonderful find.
On the first day, God said "Let there be light. And there was light" (Gen 1:3). The light of the first first day was much weaker than that of the fourth. If the six days describe the original creation, we can compare the first one with the state of the Earth when it was created. The physicist Fred Hoyle describes that state as follows: "Such was the situation in the first few hundred million years of Earth’s history [...] a period of tremendous devastation, during which the surface of the planet was hit by a rain of objects that, due to the greater gravity of Earth, must have been more destructive than the intense bombardment which simultaneously produced the deeply carved landscape of the Moon "(Hoyle, Fred. The intelligent universe - a new perspective of creation and evolution. Lisbon: Presence, 1983. pp. 70-71).
Another physicist, Robert Jastrow, describes the end of the first billion years of Earth as follows: "The earth is a billion years old. There's a chill in the air, because the sun is a star young and relatively weak, producing only half of the radiating heat and light that will produce later "(Jastrow, Robert. Until the sun goes out. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980. p. 29). If the Earth was bathed with only half the light that exists today, when it was one billion years old, because the sun was too young, an even smaller amount of light radiation existed when she came into being. And if the planet was constantly bombarded by celestial bodies, we have to agree that the dust thus raised caused the brightness on its surface to decrease even more. Does this scenario agree with the dim light of Genesis 1:3? If the six days synthetize God’s original creation, we can conclude that the first of them does so with admirable precision.
Let’s proceed to the second day, when God made the firmament (atmosphere) between the waters below (the ocean) and above (clouds). Robert Jastrow says: "Once the land was formed, the radioactive atoms contained in the planet started to crumble, one by one. By releasing their small power loads, they heated the rocks inside [...] seven hundred million years after [...] the molten rocks burst through the earth's crust, a volcano erupted, and a stream of lava was poured. Surprisingly, this lava was the source of the atmosphere and oceans of the earth" (pp. idem. 29-30). A third scientist, Hubert Reeves, thus reports the formation of the seas: "When the planet received a vast and dense atmosphere, the water condensed. It rained as it will never happen again. It rained the waters of all the oceans" (Reeves, Hubert. A bit of blue - the cosmic evolution. New York: Random House, 1986. p. 91).
In these descriptions, we see that the atmosphere and the ocean were formed after 700 million years of the Earth spinning in space. This milestone is the beginning of the second day of Genesis, in which the seas and the atmosphere were made. Once more there is clear coincidence between the biblical account of origins and the sequence painfully discovered by science.
The period following the formation of the atmosphere and ocean is described by the scientist as follows: "A shallow sea covers the surface of the planet. Its waters are sterile; there, life will bloom later, but has not yet emerged" (Jastrow, Robert. Op. cit. p. 31). If the soil emerged on the third day, it is because it had been flooded, as the text above informs. At that time, no living creature had been formed. Again, the Genesis account proves wonderfully compatible with science.
Jastrow continues: "The earth has made its first billion years, in the second day of life [metaphor used to facilitate the understanding of evolution], the planet stirs restlessly [...] The intensity of the movement increases, the depths are devastated by convulsions, and the top of the first continents rises above sea level "(idem. p. 35). A billion years refers to the period that followed the formation of the atmosphere and seas, that is, to the third day of Genesis, when the land emerged from the waters. Are we not before another amazing convergence between the Bible and science?
We could stop our analysis at this point, since the structural formation of the planet before the emergence of living beings is complete. If we did, we would have the formidable challenge of explaining the agreement of the biblical text with scientific discoveries made millennia after its writing. Of course, the challenge would prove insurmountable, no matter what conclusion we came to about the formation of living beings.
However, let us go on. Perhaps our eyes are fooling us... Or a spell like those of Jannes and Jambres has paralyzed us. Still on the third day, Genesis narrates the creation of terrestrial plants. Scientific data show that the first fossil records of terrestrial plants are between 500 and 470 million years old (Nature, 30/11/2000). The first large trees called Archaeopteris appeared 370 million years ago (Nature, 22/04/1999). This period may well correspond to the second part of the third day (yom), if each day (yom) is taken as an era of indefinite duration.
On the fourth day, the creation of lights is reported. On this point, the ever-useful narrative of Jastrow asserts: "Rocks a thousand miles bellow the planet’s surface, partially melted and transformed by intense heat and pressure, began to find their way upwards. Molten material reached the surface, volcanoes erupted [...] These changes occurred within and on the surface of the earth, three hundred and fifty million years ago. During the hundred million years prior to that period, the interior of the globe rested in quiet "(Jastrow, Robert. Op. cit. p. 40).
The intense volcanism mentioned in the text appeared soon after the onset of early plants, and raised a thick layer of gas in many parts of the world. These gases prevented the lights (sun, moon and stars) from being seen in the sky. Thus the work of the fourth day coincided with the end of volcanism, and the purification of the atmosphere 350 million years ago. Another wonderful agreement between the Biblical and scientific discourses can be seen.
The fifth day is not applicable to the original creation of the Earth, since the items in it were created (bara) and blessed by God. We must then jump to the sixth day, when God formed reptiles, wild beasts and domestic animals. In the Bible, reptiles are creeping and wingless beings, endowed or not with legs. Such biblical reptiles appeared abundantly in the fossil record between 350 and 250 million years ago. That means after the volcanism of the fourth day.
The first four-legged animals, with complicated names (thecodonts and therapsids), date from the same time. About them, Wikipedia elaborates: "Thecodonts first appeared in the Permian, and flourished until the end of the Triassic period," "The therapsids arose in the Permian period." The same encyclopedia places the Permian between 299 and 251 million years ago. Therefore, the first four-legged animals appeared, at the exact point of Earth's history where the biblical sequence locates them.
The lines above summarize the result of applying the six days to the original creation, in accordance with Genesis 2:4. The comparison with scientific findings shows that the days wonderfully reconstitute the exact sequence in which the structural items and the living beings originated on Earth. Jannes and Jambres would not have done better, even though they had used the best Egyptian secrets.
Before the intellectual landscape thus glanced, is it still possible to consider the seven days a mere account of the restoration of the Earth, after the devastation which made it chaotic and void? Is it still possible to think that the first chapter of Genesis is a mere piece of human craft, and not a divine revelation to man? That it is not an irrefutable evidence of creation?
domingo, 15 de janeiro de 2012
O Juiz Iníquo
Assim como a parábola da figueira se segue ao discurso sobre Jerusalém sitiada, no capítulo 21, versos 7 a 28 de Lucas, a história do juiz iníquo vem logo depois do texto sobre a segunda vinda de Cristo, em 17:20-37. Esse dado é importante para entendermos que a parábola do juiz não se refere somente à oração, mas à oração escatológica.
Jesus afirmou que “os dias do Filho do homem” seriam como os de Noé e Sodoma, antes do julgamento de Deus desabar sobre ela (Lc 17:26-32). Os dois episódios formam o pano de fundo da parábola do juiz. Nos dias de Noé, as pessoas não apenas “comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento” (Lc 17:27). Se isso fosse tudo a ocorrer, o juízo divino não teria arrasado aquela civilização. Semelhantemente, quando Ló residia em Sodoma, os habitantes locais não apenas “comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam” (Lc 17:28). Por trás desses atos legítimos, ocultavam-se pecados terríveis, que os homens de então praticavam e que selaram a sua condenação.
Para se ter ideia da gravidade das violações ocorridas antes do Dilúvio, basta lembrar que os filhos de Deus uniram-se com as filhas dos homens que mais lhes agradaram (Gn 6:1-2). Dois autores do século XIX (G. H. Pember e G. H. Lang) mostraram, com bons argumentos, que os filhos de Deus daquela época eram seres angélicos. Portanto, as uniões ilegítimas deles com as filhas dos homens serviram para interligar o mundo humano e a esfera angélica. A separação instituída por Deus, entre essas duas ordens da sua criação, foi totalmente desrespeitada. Esse foi o pecado que inaugurou o caos anterior ao Dilúvio.
A mesma tendência à anomia e à mais aguda desordem manifestou-se em Sodoma, cujos habitantes pretenderam abusar dos anjos que Ló recebera em sua casa (Gn 19:1-5). Portanto, não estamos a falar de pecados comuns, mas de violações gravíssimas, de verdadeiras subversões da ordem instituída por Deus para a vida humana e angélica. Foi esse tipo de pecado que Jesus predisse que aconteceria, de novo, “nos dias do Filho do homem”, inclusive antes da sua segunda vinda.
A parábola do juiz iníquo coloca os atos do adversário da mulher enviuvada, em paralelo com os pecados da época de Noé e dos sodomitas. A viúva roga ao juiz que lhe faça justiça contra essa laia, contra essa “raça” ímpia. Devemos interpretar seus rogos insistentes e às vezes desesperados como clamores por sobrevivência. A mulher ergue sua voz, como Noé ergueu a sua quando a violência encheu a terra, em seus dias (Gn 6:11), como Ló insistiu com os anjos para que entrassem na sua casa e como os israelitas clamaram a Deus, sob a cruel opressão de Faraó. Esses clamores mudaram a história, nas suas respectivas épocas. Jesus assegurou-nos que o da viúva a mudará ainda hoje.
Ele usou a figura do juiz iníquo, não porque Deus seja mau, mas porque os juízes romanos da sua época o eram. Essa era a figura que estava à disposição. Ela calha perfeitamente para ilustrar o que mais estarrece os crentes na face da Terra: a injusta prosperidade dos ímpios. Não é incomum homens maus, com o perfil do adversário da viúva, levarem vida regalada, terem poder sobre os justos, comandarem instituições públicas e o próprio mundo. Não é incomum eles fazerem tudo isso, enquanto nutrem as mais pérfidas intenções para com os justos. O paralelo com as épocas de Noé e Sodoma mostra que isso se dá, porque o adversário da frágil viúva vive em promiscuidade com espíritos maus, anjos caídos e demônios, que o influenciam e impelem.
“Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5:16): a da viúva é a súplica por excelência, a oração exemplar, paradigmática, o rogo incendiado, que faz Deus erguer diques na História.
A esse terrível estado de coisas, Jesus ensinou-nos a opor a oração da viúva. A oração é o antídoto para a prosperidade dos ímpios. É instrutivo como a parábola afirma que as constantes súplicas da mulher infelicitada forçam o juiz a realizar o que não pretende. Mais uma vez, a lição ministrada não deve ser extraída literalmente. Não se trata de que Deus não deseje livrar o seu povo das garras do adversário, mas de que ele não o pretende fazer, no momento em que a oração o desperta. No entanto, paradoxalmente, é isso que ele faz.
Deus não antecipa a vinda de Cristo, para socorrer os seus. Ele os socorre antes daquela vinda, para que não sejam consumidos pelo adversário que ruge como leão. Porém, uma ressalva há ser feita: a parábola ensina que Deus só intervém, após a viúva derramar suas súplicas. “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5:16): a da viúva é a súplica por excelência, a oração exemplar, paradigmática, o rogo incendiado, que faz Deus erguer diques na História.
Jesus afirmou que “os dias do Filho do homem” seriam como os de Noé e Sodoma, antes do julgamento de Deus desabar sobre ela (Lc 17:26-32). Os dois episódios formam o pano de fundo da parábola do juiz. Nos dias de Noé, as pessoas não apenas “comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento” (Lc 17:27). Se isso fosse tudo a ocorrer, o juízo divino não teria arrasado aquela civilização. Semelhantemente, quando Ló residia em Sodoma, os habitantes locais não apenas “comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam” (Lc 17:28). Por trás desses atos legítimos, ocultavam-se pecados terríveis, que os homens de então praticavam e que selaram a sua condenação.
Para se ter ideia da gravidade das violações ocorridas antes do Dilúvio, basta lembrar que os filhos de Deus uniram-se com as filhas dos homens que mais lhes agradaram (Gn 6:1-2). Dois autores do século XIX (G. H. Pember e G. H. Lang) mostraram, com bons argumentos, que os filhos de Deus daquela época eram seres angélicos. Portanto, as uniões ilegítimas deles com as filhas dos homens serviram para interligar o mundo humano e a esfera angélica. A separação instituída por Deus, entre essas duas ordens da sua criação, foi totalmente desrespeitada. Esse foi o pecado que inaugurou o caos anterior ao Dilúvio.
A mesma tendência à anomia e à mais aguda desordem manifestou-se em Sodoma, cujos habitantes pretenderam abusar dos anjos que Ló recebera em sua casa (Gn 19:1-5). Portanto, não estamos a falar de pecados comuns, mas de violações gravíssimas, de verdadeiras subversões da ordem instituída por Deus para a vida humana e angélica. Foi esse tipo de pecado que Jesus predisse que aconteceria, de novo, “nos dias do Filho do homem”, inclusive antes da sua segunda vinda.
A parábola do juiz iníquo coloca os atos do adversário da mulher enviuvada, em paralelo com os pecados da época de Noé e dos sodomitas. A viúva roga ao juiz que lhe faça justiça contra essa laia, contra essa “raça” ímpia. Devemos interpretar seus rogos insistentes e às vezes desesperados como clamores por sobrevivência. A mulher ergue sua voz, como Noé ergueu a sua quando a violência encheu a terra, em seus dias (Gn 6:11), como Ló insistiu com os anjos para que entrassem na sua casa e como os israelitas clamaram a Deus, sob a cruel opressão de Faraó. Esses clamores mudaram a história, nas suas respectivas épocas. Jesus assegurou-nos que o da viúva a mudará ainda hoje.
Ele usou a figura do juiz iníquo, não porque Deus seja mau, mas porque os juízes romanos da sua época o eram. Essa era a figura que estava à disposição. Ela calha perfeitamente para ilustrar o que mais estarrece os crentes na face da Terra: a injusta prosperidade dos ímpios. Não é incomum homens maus, com o perfil do adversário da viúva, levarem vida regalada, terem poder sobre os justos, comandarem instituições públicas e o próprio mundo. Não é incomum eles fazerem tudo isso, enquanto nutrem as mais pérfidas intenções para com os justos. O paralelo com as épocas de Noé e Sodoma mostra que isso se dá, porque o adversário da frágil viúva vive em promiscuidade com espíritos maus, anjos caídos e demônios, que o influenciam e impelem.
“Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5:16): a da viúva é a súplica por excelência, a oração exemplar, paradigmática, o rogo incendiado, que faz Deus erguer diques na História.
A esse terrível estado de coisas, Jesus ensinou-nos a opor a oração da viúva. A oração é o antídoto para a prosperidade dos ímpios. É instrutivo como a parábola afirma que as constantes súplicas da mulher infelicitada forçam o juiz a realizar o que não pretende. Mais uma vez, a lição ministrada não deve ser extraída literalmente. Não se trata de que Deus não deseje livrar o seu povo das garras do adversário, mas de que ele não o pretende fazer, no momento em que a oração o desperta. No entanto, paradoxalmente, é isso que ele faz.
Deus não antecipa a vinda de Cristo, para socorrer os seus. Ele os socorre antes daquela vinda, para que não sejam consumidos pelo adversário que ruge como leão. Porém, uma ressalva há ser feita: a parábola ensina que Deus só intervém, após a viúva derramar suas súplicas. “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5:16): a da viúva é a súplica por excelência, a oração exemplar, paradigmática, o rogo incendiado, que faz Deus erguer diques na História.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Evidências da Criação (6): Um Achado Maravilhoso
Vimos que o verbo bara (criar) é usado só para os seres que Deus formou pela primeira vez. Com esse significado, o termo aparece em Gênesis 2:4: “Esta [a história dos seis dias] é a gênese dos céus e da terra, quando foram criados [bara]”.
Claramente, o versículo se refere aos dias de Gênesis 1 como a criação dos céus e da terra, portanto como o detalhamento do que está afirmado concisamente no verso “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1:1). Desejo mostrar que esse sentido dos dias da criação, quando comparado aos dados científicos, nos permite realizar um achado verdadeiramente maravilhoso.
No primeiro dia, Deus disse: “Haja luz. E houve luz” (Gn 1:3). A luz do primeiro dia era muito mais fraca que a que surgiu com os luzeiros. Se os dias descrevem a criação original, podemos comparar o primeiro deles ao estado da Terra, logo que foi criada. O físico Fred Hoyle descreve esse estado da seguinte maneira: “É este o quadro correspondente às primeiras centenas de milhões de anos da história da Terra [...] um período de formidável devastação, durante o qual a superfície da Terra foi atingida por uma chuva de objetos que, devido à maior gravidade da Terra, deve ter sido mais destrutiva do que o intenso bombardeamento que simultaneamente produzia a paisagem marcada da Lua” (HOYLE, Fred. O universo inteligente – uma nova perspectiva da criação e da evolução. Lisboa: Presença, 1983. pp. 70-71).
Outro físico, Robert Jastrow, descreve o final do primeiro bilhão de anos da Terra nos seguintes termos: “A terra está com um bilhão de anos de idade. Há uma friagem no ar, pois o sol é um astro jovem e relativamente fraco, irradiando apenas a metade do calor e da luz que irá produzir mais tarde” (JASTROW, Robert. Até que o sol se apague. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980. p. 29).
Se com um bilhão de anos, a Terra era banhada por metade da luz existente hoje, pois o sol era jovem demais, uma quantidade ainda menor de radiação luminosa existia quando ela se formou. E se o planeta era bombardeado constantemente por corpos celestes, temos de convir que a poeira erguida diminuía ainda mais a luminosidade. Esse cenário não é assaz convergente com o da luz tênue de Gênesis 1:3? Se os seis dias registram os atos criadores de Deus, pode-se concluir que o primeiro o faz com admirável precisão.
Avancemos, porém, ao segundo dia, quando Deus fez o firmamento (a atmosfera), entre as águas de baixo (o oceano) e as de cima (as nuvens). É ainda Robert Jastrow quem diz: “Assim que a terra se formou, os átomos radioativos contidos no planeta começaram a desintegrar-se, um a um. Ao liberar suas pequenas cargas de energia, aqueceram as rochas internas [...] setecentos milhões de anos depois [...] lá em cima, nos pontos fracos, a rocha fundida irrompeu pela crosta terrestre, um vulcão entrou em erupção na superfície e uma torrente de lava foi derramada. Surpreendentemente, essa lava foi a fonte da atmosfera e dos oceanos da terra” (idem. pp. 29-30). Um terceiro cientista, Hubert Reeves, assim relata a formação dos mares: “Quando o planeta se reveste de vasta e densa atmosfera, a água se condensa. Chove como nunca mais choverá. Chovem todos os oceanos” (REEVES, Hubert. Um pouco mais de azul – a evolução cósmica. São Paulo: Martins Fontes, 1986. p. 91).
Por essas descrições se vê que a atmosfera e o oceano foram formados, após 700 milhões de anos de existência da Terra a girar pelo espaço. Esse marco corresponde ao início do segundo dia de Gênesis, no qual os mares e a atmosfera foram constituídos. Portanto, mais uma vez, há manifesta coincidência entre o relato bíblico e a sequência de origens penosamente descoberta pela ciência.
O período seguinte ao da formação da atmosfera e do oceano é descrito nos seguintes termos pelo cientista: “Um mar raso cobre a superfície do planeta. Suas águas são estéreis; nelas, a vida brotará mais tarde, embora ainda não tenha surgido” (JASTROW, Robert. Ob. cit. p. 31). Se a terra emergiu das águas, no terceiro dia, é porque havia estado inundada, como o texto citado esclarece. Nessa época, nenhum ser vivente havia sido formado. De novo, a descrição de Gênesis se mostra maravilhosamente compatível com a da ciência.
Jastrow prossegue: “A terra já deixou seu primeiro bilhão de anos para trás; hoje, no segundo dia de vida [metáfora usada por ele para facilitar o entendimento da evolução], o planeta adormecido remexe-se incansavelmente [...] A intensidade do movimento aumenta; logo as profundezas são devastadas por convulsões, e o topo dos primeiros continentes ergue-se acima do nível do mar” (idem. p. 35). Um bilhão de anos nos remete ao período que se seguiu à formação da atmosfera e dos mares. Portanto, ao terceiro dia de Gênesis, quando a terra emergiu das águas. Não estamos, de novo, diante de uma convergência espantosa entre a Bíblia e a ciência?
Poderíamos parar a análise neste ponto, posto que a formação estrutural do planeta, antes do surgimento dos seres vivos, está concluída. Se o fizéssemos, já teríamos o desafio formidável de explicar a concordância do texto analisado com descobertas científicas realizadas milênios depois da sua redação. Claro que o desafio seria insuperável, independentemente do que viéssemos a concluir sobre a formação dos seres vivos.
Porém, prossigamos. Talvez nossos olhos estejam a iludir-nos... Talvez um feitiço, como os de Janes e Jambres, nos tenha paralisado. Ainda no terceiro dia, Gênesis narra a criação dos vegetais terrestres. Os dados científicos mostram que as primeiras plantas terrestres do registro fóssil têm entre 500 e 470 milhões de anos (Revista Nature, 30/11/2000). As primeiras árvores de grande porte, chamadas archaeopteris, são de 370 milhões de anos atrás (Revista Nature, 22/04/1999). Esse período pode perfeitamente corresponder à segunda parte do terceiro dia (yom), se cada dia (yom) for tomado como uma era de duração indefinida.
No quarto dia, é narrada a criação dos luzeiros. Sobre esse ponto, a sempre útil narrativa de Jastrow assevera: “Rochas a mil quilômetros abaixo da superfície do planeta, parcialmente derretidas e transformadas por calor e pressão intensa, começaram a abrir caminho para cima. Material derretido atingiu a superfície; vulcões entraram em erupção [...] Essas mudanças ocorreram, no interior e na superfície da terra, há trezentos e cinqüenta milhões de anos. Durante os cem milhões de anos anteriores àquele período, o interior da terra repousava em calma” (JASTROW, Robert. Ob. cit. p. 40).
O intenso vulcanismo a que Jastrow se refere coincidiu com a colisão de um meteorito com a Terra, há 360 milhões de anos. A colisão resultou numa gigantesca cratera descoberta em 2013 na bacia de East Warburton, no sul da Austrália, que tem 10 a 20 km de diâmetro. De acordo com Andrew Glikson, professor convidado da Universidade Nacional da Austrália, "o que realmente impressiona é a extensão da zona de impacto, de no mínimo 200 km (de diâmetro), o que torna a terceira maior superfície no mundo impactada por um corpo celeste”. Glikson concluiu que a queda desse asteroide, há 360 milhões de anos, provocou um "impacto regional e mundial" (GLIKSON, Andrew. Uol News. 20/02/2013, 19h32). Não é preciso acrescentar que esse evento cataclísmico ajusta-se com precisão aos fatos do final do terceiro dia da criação. Portanto, a obra do quarto dia consistiu no desanuviamento da atmosfera terrestre, após a colisão do meteorito e o surto de vulcanismo descritos.
O quinto dia não se aplica à criação original da Terra, pois os itens nele originados foram criados pela primeira vez e abençoados por Deus. Devemos, então, saltar para o sexto dia, quando foram formados os répteis, os animais selvagens e os domésticos. Na Bíblia, répteis são seres rastejantes, sem asas e dotados ou não de patas.
Os répteis bíblicos surgiram abundantemente, no registro fóssil, entre 350 e 250 milhões de anos. Portanto, após o fim do vulcanismo do quarto dia. Os primeiros animais quadrúpedes, de nome complicado (tecodontes e terapsidas), datam da mesma época. Sobre eles, a Wikipedia discorre: “Os tecodontes [...] apareceram pela primeira vez no Permiano e floresceram até ao fim do período Triássico”; “Os terapsídeos surgiram no período Permiano”. A enciclopédia situa o Permiano, entre 299 e 251 milhões de anos atrás. Portanto, também os primeiros animais não rastejantes surgiram, no ponto exato da História da Terra em que a sequência bíblica os localiza.
As linhas acima resumem o resultado da aplicação dos seis dias à criação original. A comparação com as descobertas científicas mostra que os dias reconstituem, de modo maravilhoso, a exata sequência de origens dos itens estruturais e dos seres vivos da Terra. Janes e Jambres não teriam feito melhor, ainda que tivessem tentado revelar as origens com base nos mais bem guardados segredos egípcios.
Ante tamanha convergência, será possível pensar que os sete dias descrevem apenas a recriação e não a criação original de Deus? Mais do que isso: será possível pensar que o capítulo 1 de Gênesis é um simples relato humano e não uma revelação divina? Ou que ele não constitui uma irrefutável evidência da criação?
Claramente, o versículo se refere aos dias de Gênesis 1 como a criação dos céus e da terra, portanto como o detalhamento do que está afirmado concisamente no verso “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1:1). Desejo mostrar que esse sentido dos dias da criação, quando comparado aos dados científicos, nos permite realizar um achado verdadeiramente maravilhoso.
No primeiro dia, Deus disse: “Haja luz. E houve luz” (Gn 1:3). A luz do primeiro dia era muito mais fraca que a que surgiu com os luzeiros. Se os dias descrevem a criação original, podemos comparar o primeiro deles ao estado da Terra, logo que foi criada. O físico Fred Hoyle descreve esse estado da seguinte maneira: “É este o quadro correspondente às primeiras centenas de milhões de anos da história da Terra [...] um período de formidável devastação, durante o qual a superfície da Terra foi atingida por uma chuva de objetos que, devido à maior gravidade da Terra, deve ter sido mais destrutiva do que o intenso bombardeamento que simultaneamente produzia a paisagem marcada da Lua” (HOYLE, Fred. O universo inteligente – uma nova perspectiva da criação e da evolução. Lisboa: Presença, 1983. pp. 70-71).
Outro físico, Robert Jastrow, descreve o final do primeiro bilhão de anos da Terra nos seguintes termos: “A terra está com um bilhão de anos de idade. Há uma friagem no ar, pois o sol é um astro jovem e relativamente fraco, irradiando apenas a metade do calor e da luz que irá produzir mais tarde” (JASTROW, Robert. Até que o sol se apague. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980. p. 29).
Se com um bilhão de anos, a Terra era banhada por metade da luz existente hoje, pois o sol era jovem demais, uma quantidade ainda menor de radiação luminosa existia quando ela se formou. E se o planeta era bombardeado constantemente por corpos celestes, temos de convir que a poeira erguida diminuía ainda mais a luminosidade. Esse cenário não é assaz convergente com o da luz tênue de Gênesis 1:3? Se os seis dias registram os atos criadores de Deus, pode-se concluir que o primeiro o faz com admirável precisão.
Avancemos, porém, ao segundo dia, quando Deus fez o firmamento (a atmosfera), entre as águas de baixo (o oceano) e as de cima (as nuvens). É ainda Robert Jastrow quem diz: “Assim que a terra se formou, os átomos radioativos contidos no planeta começaram a desintegrar-se, um a um. Ao liberar suas pequenas cargas de energia, aqueceram as rochas internas [...] setecentos milhões de anos depois [...] lá em cima, nos pontos fracos, a rocha fundida irrompeu pela crosta terrestre, um vulcão entrou em erupção na superfície e uma torrente de lava foi derramada. Surpreendentemente, essa lava foi a fonte da atmosfera e dos oceanos da terra” (idem. pp. 29-30). Um terceiro cientista, Hubert Reeves, assim relata a formação dos mares: “Quando o planeta se reveste de vasta e densa atmosfera, a água se condensa. Chove como nunca mais choverá. Chovem todos os oceanos” (REEVES, Hubert. Um pouco mais de azul – a evolução cósmica. São Paulo: Martins Fontes, 1986. p. 91).
Por essas descrições se vê que a atmosfera e o oceano foram formados, após 700 milhões de anos de existência da Terra a girar pelo espaço. Esse marco corresponde ao início do segundo dia de Gênesis, no qual os mares e a atmosfera foram constituídos. Portanto, mais uma vez, há manifesta coincidência entre o relato bíblico e a sequência de origens penosamente descoberta pela ciência.
O período seguinte ao da formação da atmosfera e do oceano é descrito nos seguintes termos pelo cientista: “Um mar raso cobre a superfície do planeta. Suas águas são estéreis; nelas, a vida brotará mais tarde, embora ainda não tenha surgido” (JASTROW, Robert. Ob. cit. p. 31). Se a terra emergiu das águas, no terceiro dia, é porque havia estado inundada, como o texto citado esclarece. Nessa época, nenhum ser vivente havia sido formado. De novo, a descrição de Gênesis se mostra maravilhosamente compatível com a da ciência.
Jastrow prossegue: “A terra já deixou seu primeiro bilhão de anos para trás; hoje, no segundo dia de vida [metáfora usada por ele para facilitar o entendimento da evolução], o planeta adormecido remexe-se incansavelmente [...] A intensidade do movimento aumenta; logo as profundezas são devastadas por convulsões, e o topo dos primeiros continentes ergue-se acima do nível do mar” (idem. p. 35). Um bilhão de anos nos remete ao período que se seguiu à formação da atmosfera e dos mares. Portanto, ao terceiro dia de Gênesis, quando a terra emergiu das águas. Não estamos, de novo, diante de uma convergência espantosa entre a Bíblia e a ciência?
Poderíamos parar a análise neste ponto, posto que a formação estrutural do planeta, antes do surgimento dos seres vivos, está concluída. Se o fizéssemos, já teríamos o desafio formidável de explicar a concordância do texto analisado com descobertas científicas realizadas milênios depois da sua redação. Claro que o desafio seria insuperável, independentemente do que viéssemos a concluir sobre a formação dos seres vivos.
Porém, prossigamos. Talvez nossos olhos estejam a iludir-nos... Talvez um feitiço, como os de Janes e Jambres, nos tenha paralisado. Ainda no terceiro dia, Gênesis narra a criação dos vegetais terrestres. Os dados científicos mostram que as primeiras plantas terrestres do registro fóssil têm entre 500 e 470 milhões de anos (Revista Nature, 30/11/2000). As primeiras árvores de grande porte, chamadas archaeopteris, são de 370 milhões de anos atrás (Revista Nature, 22/04/1999). Esse período pode perfeitamente corresponder à segunda parte do terceiro dia (yom), se cada dia (yom) for tomado como uma era de duração indefinida.
No quarto dia, é narrada a criação dos luzeiros. Sobre esse ponto, a sempre útil narrativa de Jastrow assevera: “Rochas a mil quilômetros abaixo da superfície do planeta, parcialmente derretidas e transformadas por calor e pressão intensa, começaram a abrir caminho para cima. Material derretido atingiu a superfície; vulcões entraram em erupção [...] Essas mudanças ocorreram, no interior e na superfície da terra, há trezentos e cinqüenta milhões de anos. Durante os cem milhões de anos anteriores àquele período, o interior da terra repousava em calma” (JASTROW, Robert. Ob. cit. p. 40).
O intenso vulcanismo a que Jastrow se refere coincidiu com a colisão de um meteorito com a Terra, há 360 milhões de anos. A colisão resultou numa gigantesca cratera descoberta em 2013 na bacia de East Warburton, no sul da Austrália, que tem 10 a 20 km de diâmetro. De acordo com Andrew Glikson, professor convidado da Universidade Nacional da Austrália, "o que realmente impressiona é a extensão da zona de impacto, de no mínimo 200 km (de diâmetro), o que torna a terceira maior superfície no mundo impactada por um corpo celeste”. Glikson concluiu que a queda desse asteroide, há 360 milhões de anos, provocou um "impacto regional e mundial" (GLIKSON, Andrew. Uol News. 20/02/2013, 19h32). Não é preciso acrescentar que esse evento cataclísmico ajusta-se com precisão aos fatos do final do terceiro dia da criação. Portanto, a obra do quarto dia consistiu no desanuviamento da atmosfera terrestre, após a colisão do meteorito e o surto de vulcanismo descritos.
O quinto dia não se aplica à criação original da Terra, pois os itens nele originados foram criados pela primeira vez e abençoados por Deus. Devemos, então, saltar para o sexto dia, quando foram formados os répteis, os animais selvagens e os domésticos. Na Bíblia, répteis são seres rastejantes, sem asas e dotados ou não de patas.
Os répteis bíblicos surgiram abundantemente, no registro fóssil, entre 350 e 250 milhões de anos. Portanto, após o fim do vulcanismo do quarto dia. Os primeiros animais quadrúpedes, de nome complicado (tecodontes e terapsidas), datam da mesma época. Sobre eles, a Wikipedia discorre: “Os tecodontes [...] apareceram pela primeira vez no Permiano e floresceram até ao fim do período Triássico”; “Os terapsídeos surgiram no período Permiano”. A enciclopédia situa o Permiano, entre 299 e 251 milhões de anos atrás. Portanto, também os primeiros animais não rastejantes surgiram, no ponto exato da História da Terra em que a sequência bíblica os localiza.
As linhas acima resumem o resultado da aplicação dos seis dias à criação original. A comparação com as descobertas científicas mostra que os dias reconstituem, de modo maravilhoso, a exata sequência de origens dos itens estruturais e dos seres vivos da Terra. Janes e Jambres não teriam feito melhor, ainda que tivessem tentado revelar as origens com base nos mais bem guardados segredos egípcios.
Ante tamanha convergência, será possível pensar que os sete dias descrevem apenas a recriação e não a criação original de Deus? Mais do que isso: será possível pensar que o capítulo 1 de Gênesis é um simples relato humano e não uma revelação divina? Ou que ele não constitui uma irrefutável evidência da criação?
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