quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Evidências da Criação (3): O Desafio de Darwin

Nos séculos III e IV, teólogos patrísticos como Orígenes de Alexandria, Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa, Ambrósio de Milão e Agostinho de Hipona publicaram uma série de obras, sobre a ideia judaica de criação do mundo por Deus. Esses textos não apenas foram aceitos como estabeleceram um novo paradigma, um modelo de pensamento inédito, que atravessou a Idade Média e a Modernidade, até a época de Charles Darwin.
O modelo patrístico surgiu sobre as cinzas da cosmovisão apresentada na primeira postagem desta série, que retratava o Universo como um semicírculo dividido em camadas, que repousavam sobre colunas materiais às vezes denominadas pilares dos céus e da Terra. Essa cosmovisão, compartilhada por vários povos, foi tratada com crescente desconfiança, também em vários lugares do mundo. A Astronomia antiga lançou desafios a ela. A Filosofia grega também. E não foi diferente em Israel, cuja cosmologia se formou em reação à cosmovisão tradicional do Oriente Médio.
Ao contrário do que se costuma pensar, Darwin não demoliu o paradigma patrístico da criação, ao criar a Teoria da Evolução. Pelo contrário, no clássico A origem das espécies, ele adotou esse paradigma como ponto de partida para a apresentação de sua teoria revolucionária. Vejamos duas passagens em que Darwin deixou isso claro:
“Acredito que os animais descendem de, no máximo, quatro ou cinco progenitores, e as plantas, de um número igual ou inferior” (The origin of species. In Great books of the western world. Vol. 49. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1993. p. 240-241).
Claramente, Darwin fez todas as formas de vida que conhecemos retrocederem a menos de dez protótipos ou grupos fundamentais. A Teoria Geral da Evolução por ele criada funciona a partir desses grupos, porém poucas pessoas imaginam como ele explicou a sua origem. Nas palavras do próprio Darwin:
“Há grandiosidade nessa visão da vida, com os seus vários poderes, tendo sido soprada pelo Criador em umas poucas formas ou mesmo em uma só. A partir de um início tão simples, enquanto o planeta seguia girando segundo a lei fixa da gravidade, infinitas formas de beleza e de maravilha insuperáveis evoluíram e continuam até hoje a evoluir” (idem. p. 243).
Eis como, de maneira sintética mas inequívoca, A origem das espécies apresenta a evolução, a partir de cinco a dez grupos prototípicos de seres vivos criados por Deus. Isso mostra que Darwin não rejeitou, antes adotou a criação como starting point da sua teoria. No entanto, meio século após sua morte, o paradigma da criação estava arrasado, destruído. Não destruído no âmbito religioso, no qual continua a ser aceito até hoje, mas no interior da ciência, ou seja, do conhecimento tido como o mais exato sobre a realidade.
Quem foi responsável por essa grande transformação? Que motivos a justificaram ou justificam? A primeira pergunta não é difícil de responder: a demolição do paradigma patrístico da criação foi levada a efeito pelos cientistas que trataram da Evolução depois de Darwin. É claro que outros pensadores emularam os cientistas na execução de sua tarefa, razão pela qual vieram a ser considerados pais de materialismos diversos, assim como Nietzsche, Feuerbach, Marx e Freud, porém a remoção do paradigma criacionista não foi obra deles e sim dos cientistas que relançaram a Teoria de Evolução de Darwin sob o novo nome de Teoria Sintética.
A segunda pergunta acima ressurge, naturalmente, nesse exato ponto: que motivos levaram os autores da Teoria Sintética a rejeitar o paradigma da criação? O motivo principal foi a descoberta de uma série de mecanismos naturais que explicam, com precisão, como certos pedaços do DNA denominados genes sofrem transformações, que originam espécies novas. Esses mecanismos receberam nomes complicados, assim como erros de duplicação, alterações químicas e físicas do DNA, mudanças adaptativas e desadaptativas no fenótipo e intensificação da taxa de mutação. Por meio deles, a Teoria Especial da Evolução (sobre o surgimento de novas espécies) foi amplamente confirmada, porém a Teoria Geral (sobre a origem de grupos maiores) não o foi. Tanto é que ela teve de ser substituída pela Teoria Sintética.
O erro que culminou na eliminação do paradigma da criação ocorreu exatamente nessa transição da Teoria Geral da Evolução, de autoria do próprio Darwin, para a Teoria Sintética dos neodarwinistas. Vários problemas contribuíram para o equívoco. Os mais importantes foram: a) o fato de o paradigma da criação funcionar em linguagem teológica, e o da Teoria Sintética, em linguagem biológica; b) a paralisação da exegese de Gênesis 1 e 2 no estágio em que os escritores patrísticos a deixaram. Tratarei desses problemas nas postagens seguintes da série Evidências da Criação.