Diferentemente das parábolas da ovelha e da dracma perdida, que têm duas personagens principais, a do filho pródigo mostra-nos três: o pai, o filho mais moço e o primogênito. Não são poucos os versos que tratam da relação do pai com o filho que permanece na sua casa e adota um comportamento irrepreensível.
Essas características do texto de Lucas colocam os dois filhos no mesmo plano, dão-lhes igual relevo, apesar de o imaginário cristão ter elaborado muito mais com um deles do que com o outro. Por isso, embora a atenção geral se concentre no filho pródigo, para chegarmos a uma compreensão mais plena da parábola, precisamos olhar com a mesma penetração para o seu irmão.
O filho mais velho não é apenas o primogênito destinado a herdar porção dobrada dos bens paternos. É alguém completamente exemplar, que afirma fazer a vontade do pai de maneira perfeita. Tão grande é a sua integridade que a confissão que lhe sai dos lábios é o contrário exato da do filho pródigo. Enquanto este diz "Pai, pequei contra o céu e diante de ti", o filho mais velho proclama: "Há tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua" (Lc 15:29).
Não há pouca verdade na confissão do primogênito. Em muitas passagens, Jesus declarou não ter vindo para os justos, mas para os pecadores. Com essa frase, ele reconheceu que os judeus religiosos eram justos, que eles eram possuidores de uma modalidade de justiça religiosa. Por isso também, nos primeiros séculos, o primogênito foi quase sempre interpretado como o povo judeu, como Tertuliano nos testemunha (TERTULIANO. La pudicicia. Madrid: Ciudad Nueva, 2011. p. 223).
Este é um ponto muito importante. A relação do filho mais velho com o pai não é desprezível ou vil. Tampouco é pecaminosa ou diabólica. Pelo contrário, é uma relação positiva. Por isso, o pai afirmou: "Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu" (Lc 15:31). O estar sempre junto do pai e o possuir o que é dele resumem a justiça segundo a lei, que Paulo viveu plenamente antes de se converter. Enquanto seguiu as tradições de seus pais, o apóstolo foi irrepreensível "quanto à justiça que há na lei" (Fp 3:6). Essa declaração confirma que existe não só uma justiça segundo a lei, mas um estado de perfeição nela.
Perfeito é o particípio de perfazer. O termo não indica, apenas, a qualidade do que não tem falhas. Pode indicar, simplesmente (como em Filipenses 3:15), o que passou por um processo de perfazimento ou desenvolvimento integral. Perfeito é o que realizou totalmente um potencial. Em relação à Lei de Moisés, perfeito é o fariseu, o escriba, o sacerdote que desenvolveu até as últimas consequências o estilo de vida que o leva a meditar e cumprir os mandamentos de Deus. Isso é ser irrepreensível quanto à justiça que há na lei (Fp 3:6). Isso é ser justo e não precisar de salvação, ser são e não precisar de médico.
Podemos ser levados a pensar que o filho mais velho representa apenas os judeus religiosos. Na realidade, ele está no lugar de todos os que se relacionam com Deus com base na justiça da lei. Em Religião e repressão, o teólogo Rubem Alves mostrou que, embora proclame a justificação pela fé, o protestantismo tende a reconduzir seus adeptos a uma relação com Deus baseada na legalidade. Em todas as Igrejas protestantes, os códigos de disciplina separam o certo do errado, a bênção da maldição, o divino do demoníaco. Eles definem o que pode e o que não pode existir nas Igrejas. Portanto, o que forma a mente dos crentes. Como os códigos são compostos por regras, toda a maneira protestante de viver e pensar é baseada na lei, à qual a graça é de certa forma subordinada e reduzida. Paulo exclamaria diante dessa situação: "De Cristo vos desligastes vós que procurais justificar-vos na lei, da graça decaístes" (Gl 5:4).
Tudo isso inspira a grande questão que se pode formular sobre o segundo filho: até onde se estende o seu exemplo? Quantas pessoas são por ele abrangidas? A quantas se aplica o modelo do seu comportamento? A situação espiritual desse filho não é aplicável apenas ao judaísmo e ao protestantismo. Ela se reproduz todas as vezes em que alguém delimita o campo de aplicação de uma norma, cuja função é estabelecer uma diretriz geral. Esse tipo de obediência à norma é o que introduz o princípio do filho mais velho.
Os que insistem em aplicar a norma da lei a um sem-número de situações previamente especificadas acabam por se deparar com duas únicas possibilidades: guardar a norma ou violá-la. Ao optarem por guardar o mandamento, pode-se dizer que eles o reproduzem na sua vida. Na expressão de Rubem Alves, eles fazem da vida uma réplica da norma, embora as suas experiências existenciais não caibam no molde de norma alguma.
"O caráter externo da oposição igreja-mundo revela que esse não é o conflito mais perigoso para o povo de Deus. Bem mais difícil é um grande reino ser derrotado por inimigos externos do que por divisões e contendas intestinas. No caso do reino dos céus, a grande luta intestina que se desenrola é entre o filho pródigo e seu irmão."
O drama consistente em tomar os mandamentos divinos de maneira absoluta está retratado na relação do filho mais velho com o pai. A parábola termina no ponto em que a fidelidade cega do primogênito faz surgir um conflito sério com o outro filho. O Novo Testamento não nos deixa sem a continuação dessa história. De Mateus a Judas (Apocalipse é diferente), deparamo-nos com a oposição entre o filho mais velho e o mais moço. Em toda parte, o que é nascido da carne persegue o que é nascido do Espírito. Não nos diz Paulo isso (Gl 4:29)? Os Evangelhos não são um relato dessa exata perseguição? Não foi ela o motivo básico da crucificação de Jesus? E Atos, não estende a perseguição legalista aos apóstolos? As Epístolas não estão inseridas no ambiente desse conflito?
Mais que o conflito igreja-mundo, o Novo Testamento retrata a luta do filho mais velho com o mais moço. Esse é o seu enredo básico. A ele a 2ª Epístola a Timóteo se refere, ao formular a declaração aterradora de que "todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos" (2 Tm 3:12).
Contudo, eis que os discípulos de Jesus vivem mergulhados no conflito igreja-mundo. Eis que eles lutam essa luta secundária como se fora principal. Não se pode negar que a exortação que mais faz tremer o púlpito cristão, hoje em dia, é contra os perigos do mundo. No entanto, o caráter externo da oposição igreja-mundo revela que esse não é o conflito mais perigoso para o povo de Deus. Bem mais difícil é um grande reino ser derrotado por inimigos externos do que por divisões intestinas. No caso do reino dos céus, a grande luta intestina que se desenrola é entre o filho pródigo e seu irmão.
Não há dúvida de que a Bíblia descortina um grande conflito às vezes denominado do bem contra o mal, às vezes chamado da luz contra as trevas ou ainda por outros nomes. Porém, não é menos certo que esse conflito central é mascarado por outro, que ocorre simultaneamente e chega a se confundir com ele. Cumpre-nos discernir a sobreposição e apontar qual dos dois é o conflito primário. Só assim, poderemos lutá-los com êxito. Para vencer o conflito externo, é sempre preciso derrotar primeiro o inimigo interno.
Apesar da ferocidade com que o filho mais velho persegue o mais moço, Jesus recomenda uma atitude geral de brandura para com ele. Podemos considerar Jesus severo, ao criticar os escribas e fariseus (Mt 23), mas não podemos negar que ele sempre os abraçou e acolheu. Não é diferente com o pai da parábola. Ele é o símbolo máximo da aceitação do filho mergulhado no legalismo até mais não poder. A tal ponto o pai tolera as atitudes do filho que chega a descrever positivamente a sua situação.
Enfim, se o conflito entre os filhos é o prolongamento lógico da parábola, o amor incansável do pai ao perseguidor apresenta-se como solução para o conflito. Assim como o amor manifesto na pressa do pai ao correr e abraçar o filho pródigo salvou-o, esse mesmo amor manifesto como paciência haverá de selar a paz do filho irreconciliado com seu irmão, resolvendo o conflito típico da casa de Deus.